colaborações publicadas
Muito mais importante do que ir à Lua é ir ou pelo menos tentar ir à Bulgária – ou, quando menos, descobri-la. Campos de Carvalho
De todo o panteão de grandes escritores brasileiros, o mineiro Walter Campos de Carvalho (1916-1988) talvez – apenas talvez – fosse o menos indicado a adaptações ou transposições para o teatro. Afinal, como traduzir em gestos e cenários...
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ESPREMIDO ENTRE UMA GRANDE FÃBRICA DE TRANSFORMADORES E A LAGOA DO URUBU, O BAIRRO FLORESTA, EM FORTALEZA, É PRÓDIGO EM EMBARALHAR AS NOÇÕES ESPACIAIS E GEOGRÃFICAS DE QUALQUER FORASTEIRO
O Floresta é um bairro onde sagüis saltam dos galhos das árvores e se empoleiram nas cumeeiras das casas à procura de ovos de pardais. Em seguida, porque são muito pequenos e não...
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Relançado pela Global editora em 2008, Veia Bailarina, de Ignácio de Loyola Brandão, percorre caminhos tortuosos e desperta sentimentos diversos. Nele, a queda e ascensão de um homem
Entre as artérias que irrigam o cérebro, o ovo da serpente. Quando havia sido depositado ali e quem o tinha feito? Por que tinham escolhido a cabeça de Ignácio? Coroada de bons e também...
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Com pouco fica-se sabendo que “mutum quer dizer mudo†e vêem-se, numa ligeireza, os paralelos: porque mutum também é ave noctÃvaga, de pio agudo; é vivente do sertão, pois. Que nem Thiago, Felipe, a mãe, o pai, o tio Terez, a Rosa, a avó Izidra e o restante da meninada (gente aparentada dum certo Manuelzão e dum certo Miguilim, personagens da novela Campo Geral,...
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Hà POUCO MENOS DE UM ANO, ir a um dos banheiros do terminal de ônibus de Messejana, bairro de Fortaleza, significava 1) aspirar, logo à entrada, o azedo imperecÃvel de urina, 2) patinar no piso de cerâmica desgastado, 3) martirizar-se ao encostar as nádegas nas bordas imundas dos sanitários e, por fim, 4) afligir-se com uma inelutável falta de papel higiênico. Hoje, após...
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Aqui, a primeira parte de Histórias de corredor.
NO QUINTAL, JUAREZ, aposentado da Reffsa (Rede Ferroviária Federal S/A), costuma plantar árvores frutÃferas, cajueiros, bananeiras, ateiras, pés de pau que dão frutas comestÃveis enfim. Tem outro costume. “É só começar a crescer, ele vai lá e corta tudo, não deixa nada. Faz isso o tempo inteiro, planta tudo bonitinho,...
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Meu irmão está longe. Não acredito em mais nada. Me fecho ainda mais intensamente na minha armadura. (Pierre-François em Epiléptico)
Não costumo ler HQs. Nem quando era criança tinha paciência pra histórias em quadrinhos. No geral, achava tudo um pouco estúpido. Menos pela deslumbrante harmonia de corpos bem-talhados do que pelos muitos buracos que via nos roteiros...
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PERCORRER A PÉ o trajeto da avenida era o que tinha em mente antes que Magnólia sepultasse qualquer pretensão. “Ela é muito grandeâ€, estende-se virtualmente através dos incontáveis cruzamentos que interrompem a Perimetral. Sentada na mesinha de plástico da lanchonete do irmão, Magnólia aponta a igrejinha bordejando os cem anos. O gesto havia soado como um quase convite....
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São duas da tarde de uma quarta-feira de setembro. Na janela da van, os pés calçam All Star, o modelo tradicional, preto com bico e cadarços brancos. Dois pares que se desprendem da mesma perna. Pés unidimensionais, fixos no espaço e no tempo.
O cobrador dá informações, diz que os folhetos estão com o motorista. Mangas arregaçadas, barba por fazer, o motorista, homem...
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Perdida numa manhã de muito calor – os dias aqui são realmente ensolarados, o que, de modo geral e paradoxalmente, nos dá um bom motivo para crermos na “salvação da lavoura†–, a cena pode ter passado despercebida. Era o último final de semana do mês de julho – mais precisamente, dia 28, sábado. A marola esportiva, acalentada pelo Pan-2007, embalava a nação,...
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No G.G II, a cidade vira um longa de Karim Aïnouz
Noite de sábado em Fortaleza, essa sin city desavergonhada. Mês de julho, alta estação. O Centro – não o mais pobrinho e entregue à s moscas, mas o Dragão do Mar, rico e bem-freqüentado – está apinhado. A “turistada†veio adorar a cultura local, curtir as praias – menos as do “canelauâ€, óbvio – e, não...
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Você sabe o que é um manzoá? É um dos principais instrumentos de pesca artesanal da lagosta. Antes: sabe o que é... uma lagosta? Não estou perguntando se já mastigou a carne branca desse nobre animal, mas se, de alguma maneira, você sabe o que é uma lagosta. Sabe de quando a quando, no Ceará – ainda o maior produtor do crustáceo em todo o Brasil – podem ser capturadas...
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Redonda é perfeita. Não uma circunferência perfeita, modelar – mas, ainda assim, perfeitÃssima. Começa na Ponte, termina na Ponta. Ou o inverso: nasce na Ponta, encerra-se na Ponte. Entre uma e outra, águas claras, larga faixa de praia, três ou quatro pousadas, muito jogo de bola no finalzinho da tarde, jangadas que retornam mansas do mar, cumbucas cheias de lagosta. Uma...
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Domingo, pouco mais de 10 horas da manhã. Primeira anotação: o céu de Pentecoste (103 km de Fortaleza) é impressionista. O azul causa espanto, as nuvens parecem borradas. A segunda: na “sedeâ€, como é chamada a zona urbana da cidade, quase nenhum movimento. Bares vazios, barracas de feira desmontadas e empilhadas sob um espaçoso galpão. Alguns comércios atendem a clientela...
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"BEM DO OUTRO LADO"
Ele atravessa novamente os estreitos corredores da feira de Messejana, parando aqui e ali. São 10h55. A feira parece ter dobrado de tamanho. Inevitáveis encontrões, pisões e outros pequenos acidentes pontuam a travessia.
Cena rápida e curiosa: de um carro ainda em movimento salta um casal metido nuns "panos" muito distintos. Rei e rainha, eles caminham...
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CHEGADA
Com a mudança do verde para o vermelho no cruzamento entre as ruas Tenente Jurandir Alencar e Pe. Pedro de Alencar, no centro de Messejana, ele caminha rumo à feira. Num pedaço de papel amassado e enfiado no bolso da camisa, a recomendação escrita em letras garrafais: "Não esquece: só se for de Cascavel". Um pouco adiante, ao lado da Paróquia Nossa Senhora...
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Céu e mar azuis na sexta-feira, 13 de abril. A deixa: o cinza da memória dos 281 anos de fundação de Fortaleza. A pauta: Estação João Felipe. Era chegar e conversar e ouvir testemunhos, saber dos números em rápido diálogo com a administração, fotografar e, em seguida, voltar para casa satisfeito, sentimento de dever cumprido. Embora enfadonho. Um jornalismo feito à s...
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“Nesse tempo que eu parei aqui tantas pessoas passaram por mim: empresários, mendigos, boys... e até o zé doidim, que eu mesmo reconheci! Pessoas com mundos totalmente diferentes, mas que, naquele momento, naquele cruzamento, se cruzaram! Interessante, né?!! Todos os dias, em vários lugares, milhares de pessoas se cruzam mas não se falam, pois não se conhecem, e nem ao...
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Caro e emerso Kublai Khan,
Fortaleza é uma cidade banhada pelo Atlântico. E pelas chuvas que caem de janeiro a maio, por aÃ. Lá, não se fala em inverno, mas em perÃodo chuvoso. Durante minha estada na Capital, choveu pacas! Por vezes, o ciclo tem inÃcio ainda no mês de dezembro, conforme relatos de meninos que, à minha passagem, saracoteiam numa poça de lama enquanto,...
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Diante da câmera de TV local e ao lado de sua mais recente engenhoca, o protótipo do “primeiro carro fabricado no mundo, movido a pedalâ€, a peleja de Evaldo remonta aos seus tempos de catequese, quando ensinava levas de meninos e meninas a manter o autocontrole e a desenvolver o senso de justiça. Fosse retirando-se montinhos de feijão de um lugar para outro ou procurando-se,...
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Terminal de Messejana às 16h37
Domingo, sol em agonia. A cidade aperreia-se, pés sujos de areia da praia, e o movimento no terminal de integração de Messejana, um dos sete existentes em Fortaleza, emparelha-se, em quantidade e barulho, a qualquer romaria das tantas marcadas com um cÃrculo vermelho no calendário religioso cearense.
Na fila do Grande Circular II –...
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Uma saga minimalista
O que Curinga, arquiinimigo do Batman; Roberto Carlos, de As curvas da estrada de Santos; e o Sr. Spock, da série Jornada nas Estrelas podem ter em comum? Nada, responderá a maioria. Uma caracterÃstica, entretanto, os une visceralmente: estão todos expostos na vitrine de uma das lojas do 3º andar da galeria Pedro Jorge, no centro de Fortaleza....
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De bicicleta, chegam, juntamente com o cheiro-verde e o pimentão, as tilápias. Vinham cuidadosamente embrulhadas em sacolas pardas e custaram, segundo o ajudante-de-coveiro, R$ 6 cada uma. Encostado a uma lápide, sob a qual dormem "um enforcado e um envenenado", José Ferreira dos Santos, 73 anos, protesta: antes tivesse depositado o dinheiro no banco, para render. O...
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O homem, ou mulher, cochilava debaixo dos benjamins pendurado ao pescoço de Rachel, a escritora, enquanto, num banco próximo, seu Galdino, elegantemente vestido para um inÃcio de manhã, respondia as perguntas de um estudante. Noutra quina da praça, o Valdeci, senhor apequenado e tÃmido que cuida da General Tibúrcio juntamente com outros três idosos participantes do projeto...
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Mulher, Fortaleza tem segredos. Um deles é ter muitas cidades dentro de uma só, germinando; e, contidas em cada uma dessas, outras tantas insuspeitas. Assim acontece. Numa dessas caixinhas-escuras está o Mercado São Sebastião, no Centro da capital cearense.
Antes, bem antes disso tudo
Da Praça da Bandeira, em frente à Faculdade de Direito, onde saltava do ônibus...
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“Farol é fruto de uma decisão polÃtica afinada com a criação de instrumentos que possibilitem o encontro de diferentes grupos sociais e territoriais. Projeta-se sobre a cidade polifônica, lugar da humanidade plena, do cruzamento de distintos espaços e tempos, da troca de narrativas que dão sentido à vida e das inúmeras formas de reinventá-laâ€. E por aà vai...
À...
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Enquanto os músicos passavam e repassavam o som, rito composto de gestos e sonoridades ininteligÃveis para os poucos abancados nas arquibancadas, numa quina de céu, a lua. Plena, banhava os corpos dos meninos que, indiferentes, continuavam a correr atrás da bola com incontáveis remendos. Quem sabe, agora, curtissem a música que varria o campo e preenchia a noite de sábado...
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Madrugada. No terreiro do quintal banhado em luz amarela, uma mulher atarracada vai, um a um, abatendo os frangos reunidos num cercado feito de arame trançado. Morte seriada, indolor. Dispersos, os animais aguardam a sua vez: a lâmina desliza pelo pescoço fino, e eis o sangue a correr viscoso e quente através das penas. Há outras alternativas, dentre as quais uma é, de longe,...
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