A DOR MORA AO LADO

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Noelio Mello · Belém, PA
29/11/2007 · 250 · 21
 

Mas eu não me importo. A maioria das pessoas também bebe dessa indiferença. Eu não sei se ficamos alheios às dores de tantas almas porque não buscamos saber ou não sabemos porque a correria da vida, a estafante busca pelo amanhã leva o homem a achar que sempre a sua dor é maior que a do seu semelhante, de um amigo, de um desconhecido perdido entre a poeira da vida.

Os sonhos de glória nas grandes cidades, os traumas da alma, as emboscadas da vida, estão tornando o ser humano cada vez mais impessoal, cativo dos seus próprios interesses, de seus reservados e impertubáveis momentos.

Escravo da necessidade de voar atrás do mágico bálsamo que vai aliviar seus infortúnios, seus medos, suas angústias, virou refém da ânsia de procurar as estradas que possam dar no nascedouro da sua própria felicidade, sem se preocupar com as dores alheias, sem sentir o aroma da solidariedade.

Será que a emboscada das saudades que me assaltam no meio da noite são sempre maiores que do vizinho que mora ao lado? Não sei. E como vou saber se não pergunto, se não me interesso em saber? Será que as incertezas do meu futuro são tão mais continuas que as de tanto que trabalham ao meu lado. Como vou sentir? Se, inconseqüente, penso somente em mim, no meu destino.

Será que a primeira luz da manhã que vem enxugar as minhas lágrimas, vai também enxugar as de quem está tão perto de mim? Como vou descobrir? Se só olho para frente. Se o lado esquerdo do meu coração é um depósito de dor e o direito é um templo fechado, cujos batimentos ficam a cadenciar o amor que sinto somente por aqueles que me são mais caros, pela mulher que amo, pelos amigos do peito.

Será, se o que falo para poucas pessoas, que nem mesmo sei se escutam, alguém também não tem vontade de soltar o grito para que meus insensíveis ouvidos virem os almoxarifados das suas dores. Como saber? Se só escuto os sussurros dos maus ventos que nas suas idas e vindas ficam a repetir o alarido das minhas próprias palavras.

Será que fui só eu que tracei planos para um futuro, que não via vazios, que não sabia que ia ser sabotado pela caravana do destino? E o parceiro do lado? É tão desprendido da vida que pouco ou quase nada lhe perturba o amanhã? Como perceber que seus desejos também não foram podados, se não me preocupo com seus pesadelos, com seus insípidos amanheceres.

Será que só a minha vida conheceu perdas irreparáveis. Será que só eu tenho uma janela aberta para a vida e uma porta sempre escancarada para a eternidade? Como sofrer pelo meu semelhante? Se não rebusquei seu passado, se não bisbilhotei suas perdas, se não tentei espiar pela sua porta entreaberta.

Será que só eu percebo que tenho caminhado porque Deus tem segurado nas minhas mãos, ensinando-me a rescrever minha vida, apagar minhas desesperanças? Como navegarei no mar da sensibilidade de quem anda ao meu lado se não vejo seus lábios clamarem por conforto espiritual, suplicando com fervor as orações que sobem aos céus, se não estanco o passo para, juntos, realizarmos um pacto de fé, de partilha, de solidariedade?

Como, afinal, posso escrever sobre amizade, se ao meu lado alguém sofre com a sua alma em retalhos e eu não me preocupo em saber a extensão da sua dor?

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Autoria
Noélio Mello
Ficha técnica
O que aqui escrevo sirva de alerta para todos nós que deixamos de olhar para o lado e não enxergamos o suplicar de tantos olhares pintados com a rubra tinta de dores e desesperanças.
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Cintia Thome
 


Noélio

Já perguntei a mim se foram os anos já mais avançados que fizeram que eu enxergasse as dores humanas e me assustar com elas, ou porque procuro saber ou vêm ao meu encontro vidas sofridas e e"entortadas" pelo destino, pela fatalidade para que eu me sinta em equilíbrio ou me sentir solidaria até com a minha propria dor.
Outras vezes sinto-me culpada que não achei que alguém que desabafou comigo sua dor era grande, achava pessimismo, não conseguia mensurar nada e hoje tenho , pois ganhei uma fita-métrica sem fim, mas não acho que a minha seja maior que a do vizinho ou do irmão, todos nós quando doemos, os trilhos saem das paralelas e caímos fora, são iguais...seja qual for a estória, qual for...a fita métrica é a mesma...
porque todas são perdas irreparáveis...mesmo que você ganhe novamente, será um novo ganhar, mas o velho ganhar frustrante é terr´vel...É como chorar, a lágrima não volta, ela apenas seca..mas já foi chorada...E as conquistas são boas e bem vindas, mas um futuro que por forças foi nos tirado, falta uma peça no jogo, seja minha ou a do vizinho...Mas se solidarizar com o vizinho às vezes é uma maneira de dividir, repartir, nos dignifica e muito ...acalenta o coração.

Cintia Thome · São Paulo, SP 27/11/2007 19:29
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Benny Franklin
 

Amigo e Parceiro Noelio!

- Que bom que você é gente.

Saiba: esta crônica é a mais brilhante, fabulosa, séria e necessária que aqui já pintou.
A benção é tão perfeita e o momento é de graças que quando eu lia essa sua humana pérola, meu filho, que também gosta de ler-te, punha para tocar o maravilhoso hino à Vida: "Sal da Terra", de Beto Guedes.

É isso, Mestre!

Forte abraço,

Benny Franklin

Benny Franklin · Belém, PA 27/11/2007 20:47
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Kais Ismail
 

Tá Benny, vai me dizer agora o segredo de haver tantos paraenses brilhantes aqui no overmundo?
Todos vcs do Pará, estão de PARABÉNS!!
Um forte abraço, Noelio!

Kais Ismail · Porto Alegre, RS 28/11/2007 20:37
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Branca Pires
 

Noélio o lamento é perfeito. De fato pensamos que só as nossas dores são as maiores ou as piores. Mas se parássemos um segundo para pergunatar ao nosslo lado,perceberíamos que todos nós padecemoos de uma forma ou de outra. E que não existe sofrimento menor ou a,mior. O que existe é a força e capacidade pra suportarmos. O que me parece pequeno, para o colega do lado pode ser demasiadamente grande. E assim vamos tocando a vida, indiferentes muitas vezes para o sofrimento dos iramão. Esse também somos nós, bicho-homem, ainda por lapidar.
Belo poema.
abração

Branca Pires · Aracaju, SE 29/11/2007 11:17
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Nydia Bonetti
 

Noélio:
O homem deveria ser mais feliz...
E sua busca por felicidade
o tornou insensível.
O homem deveria ser mais lúcido e consciente...
Buscar a felicidade coletiva,
procurar harmonia, ter compaixão.
O homem se esqueceu de cuidar do planeta...
E cuidando de si e dos seus,
distanciou-se do próximo.
Não somos animais selvagens...
Somos humanos, seres ainda não perfeitos,
em vias de aumentar a imperfeição.

Comungo deste sentimento com você...
beijo

Nydia Bonetti · Piracaia, SP 29/11/2007 16:02
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Joana Eleutério
 

Repetindo o Benny: Que bom que você é gente! Infelizmente muita gente está se esquecendo disto.
Estes dias li uma matéria no jornal dizendo que a falta de solidadariedade do brasileiro é histórica e que teria surgido no tempo da colônia. E se acentua e avança em função do caos globalizante de nossa época e pela competividade exacerbada e estimulada pela filosofia e estratégia das empresas atuais. Isto dói -você ver o seu colega do lado desumanizando-se ... em função do forte, cruel e estéril individualismo.
Será que só a minha vida conheceu perdas irreparáveis? Isto me lembrou Fernando Pessoa em seu maravilhoso Poema em Linha Reta:
"Todos os meus amigos têm sido campeões em tudo. Só eu tenho sido vil (...) Ah! Estou farto de semideuses!!! Grande abraço e parabéns pela bela e coerente reflexão.

Joana Eleutério · Brasília, DF 29/11/2007 16:08
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brigitte
 

Noélio,
Boa chamada, amigo.O descrédito do ser hurmano pelo seu semelhante está chegando às raias da insensatez. As perdas que vivenciamos dificilmente são partilhadas e muito menos compreendidas pelo mais próximo. Esse tema é bem abordado por BAUMAN em seus recentes trabalhos (Vida Líquida e Tempos Líquidos). Assusta esse caminhar animalesco e incoerente da humanidade. Para onde a competição e alienação gerada vai nos levar ainda é uma interrogação!
Quero crer que o homem seja capaz de ultrapassar essa involução e conviver com seus semelhantes em comunhão.
Abração carinhoso.
Adorei o texto.

brigitte · Goiânia, GO 29/11/2007 16:23
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Roberta Tum
 

Noélio,
Bela Ode à solidariedade. Todas as dores pertencem ao poeta, mesmo as que ele não sente, verdadeiramente. Assim como em seu olhar cabem todos os mundos.
Que bom que no seu há espaço para olhar e perceber o outro.
Abraço!

Roberta Tum · Palmas, TO 29/11/2007 16:36
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j.alves
 

Parabéns Noelio. realmente a dor do lado. nem sempre parece ter importância do lado da nossa. se nao nos atingir.

j.alves · São Paulo, SP 29/11/2007 18:10
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Adriana Costa
 

É precisamente isso, Noélio. Não reparamos a dor dos outros, muito menos na sua extensão. Houve um espetáculo de dança aqui em Fortaleza que causou espanto, mas também comoção. Chama-se "Encarnado" do Lia Rodrigues Cia de Danças do Rj baseado na obra " Diante da dor dos outros" de Sunsan Sontag.
É um tema delicado e urgente!
Parabéns pelo notabilíssimo texto!
Flores @>--

Adriana Costa · Brasília, DF 29/11/2007 18:20
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victorvapf
 

Parabens Noelio, e isso ai, votado com merecimento!

victorvapf · Belo Horizonte, MG 29/11/2007 18:42
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Saramar
 

Noélio, sua pungente reflexão tem um significado muito maior que as palavras que a ctêm, principalmente nestes tempos estranhos em que vivemos.
Tempos em que o individualismo é visto como qualidade e o egoísmo como sabedoria.
Tempos em que os seres humanos esqueceram as palavras trazidas por Aquele que fingirão homenagear em breve: "amai-vos uns aos outros".
Ninguém se lembra do outro, ninguém quer ver, ninguém tem tempo, ninguém.
Somos todosninguéns, isolados em nosso egoísmo?
Felizmente não.
Felizmente, você existe.
Felizmente, outros seres iluminadores existem.

Obrigada.

beijos

Saramar · Goiânia, GO 29/11/2007 19:41
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carlos magno
 

Amigo Noelio,

parabéns pela maneira admirável que tu tens em relatar os sentimentos humanos e pela preocupação que demonstras ao próximo em todos os teus textos enxarcados de bela poesia. Meus sinceros aplausos e abraços amigo,
Carlos Magno.

carlos magno · Rio de Janeiro, RJ 29/11/2007 20:13
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Frazao my brother
 

Que este texto vivo ressuscite a solidariedade, que adormeça o egoísmo e que sepulte a indiferença.
Enquanto pensarmos que o problema do nosso vizinho não é também nosso, não poderemos saber nada sobre a nossa existência.
Texto carregado de sentimentos.
abrs

Frazao my brother · Anastácio, MS 29/11/2007 22:40
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Branca Pires
 

Meus votos, Noélio.
abraços

Branca Pires · Aracaju, SE 29/11/2007 22:59
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Sérgio Franck
 

Noelio, decerto não devia ser assim, mas é. Tudo isso, a indiferença, o egoísmo, a violência em todas as instâncias... tudo isso tornou-se inerente aos planos de fundo, planos de chão.
Quando o preenchimento interior perde a sua importância e o material mais passageiro nos toma por sequestros e compras. A venda nos tapa as reais janelas da alma com suas mãos de sombra.

Seu texto é a realidade atual.

abço.

Sérgio Franck · Belo Horizonte, MG 30/11/2007 11:04
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ILZE SOARES
 

Noelio,

Já tinha passado por aqui e votado. Não tive tempo de parar e ler o texto completamente. Gosto de ler seus textos na mais divina PAZ, mas, já sei que fazes um apelo para que cada um de nós possamos olhar para o "lado", ou melhor, para a dor do nosso irmão do lado. Pelo jeito estás dando um belo recado. Ainda volto por aqui.

Bjos

ILZE SOARES · Salvador, BA 30/11/2007 19:37
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Lili_Beth*
 

Querido Noélio:

Primeiramente farei silêncio... Sem tempo marcado...

Estou emocionada... Muito!

Eu sou novata por aqui e queria tanto que um moço que transita por aqui lesse esse teu poema, mas nem sei como dizer isso a ele. A página dele não recebe recado, mas acho que ele está sofrendo muito e me parece que ele acha que sua dor é a maior desse mundo_OVER. Estou escrevendo aqui na esperança que ele venha aqui e possa apreender algo, mesmo que fique muito bravo comigo.

PARABÉNS!

Beijos_Meus*
*

Lili_Beth* · Rio de Janeiro, RJ 30/11/2007 20:31
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crispinga
 

Noélio,
Coração generoso, empático, que Deus continue segurando suas mãos que nos consolam com tantos versos lindos, são quase um afago...
Beijos
Cris

crispinga · Nova Friburgo, RJ 30/11/2007 20:35
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Andre Pessego
 

Meu contista, meu grande amigo,
Ando chegando um tanto atrazado, o trampo remunerado está brabo. Mas antes de ir pro parque esticar as pernas e expelir suor
vim ler essa sabedoria, essa riqueza de raciocinio,
e te deixar um abraço, andre.

Andre Pessego · São Paulo, SP 1/12/2007 07:32
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Letícia L. Möller
 

Caro Noélio,
faço minhas as palavras dos demais. Tocas num tema fundamental, que ainda não recebe, de verdade, a atenção devida - fica por vezes em rétorica vazia, não se transformando em ação, não mudando comportamentos. Que mude!
Parabéns pela escolha do tema, pela beleza da tua escrita e pelo ser humano que és.

Letícia L. Möller · Porto Alegre, RS 4/12/2007 05:15
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