A viagem estava marcada há 4 meses, não tive coragem de cancelar. Na estrada fui pensando
no que dizer, mas apesar das longas horas não me decidi sobre como tratá-lo. Que fosse
com um abraço primeiro ou logo a explicação da minha vinda, só iria decidir na hora.
Essa ansiedade não era prevista. Para falar a verdade só queria mesmo mandar uma carta,
só depois achei melhor viajar. Ele só tem 11 anos, mas sinto medo da reação que ele pode
ter.
Na rodoviária, talvez exatamente pelo medo, acabo deixando para sair por último do
ônibus. Logo reconheci Marcelo entre as várias pessoas que aguardam o desembarque. Ele
também me vê e corre até mim.
- Que bom que você veio, pai... - ele diz me abraçando e apertando sua cabeça na minha
barriga.
Após ficar sem reação por um tempo, soltei minha bolsa no chão e abracei timidamente o
menino.
- Tudo bem com você, Marcelo? - foi o máximo que consegui dizer após ele desgrudar de
mim.
- Sim, papai. O senhor vai comigo no jogo?
- Jogo? Não sei... que jogo?
- O senhor tá brincando! O meu time joga hoje na cidade, por isso pedi para que viesse
nesse dia.
- Ah, sim! Estava na carta que você mandou...- fico com um sorriso amarelo.
- Essa aqui é a minha prima, a MarÃlia.
- Prazer.
- Prazer - nos cumprimentamos.
- O senhor está um pouco diferente da foto - diz ela secamente.
- Que foto?
- Essa aqui pai, que o senhor mandou. Pára de brincar - diz ele sorrindo.
Pedro não tinha muitas fotos dele, principalmente depois que nosso guarda-roupa pegou
fogo. Quando ficou doente, então foi pior. Ele se negava a tirar qualquer foto, dizia que
não queria se lembrar dessa época.
A fotografia que Marcelo mostra foi tirada por uma amiga há dois anos. Estávamos no
Parque da Redenção tomando vinho e Maria começou a tirar fotos. Nessa eu estou com os
braços nos ombros de Pedro e os dele rodeando minha cintura. Fiquei feliz em ver essa
imagem mais uma vez.
- O senhor engordou um pouco - mais uma vez ele sorriu para mim. - E o seu amigo, o Zé,
está bem? - me perguntou em seguida.
- Bom, meu filho...- fiquei pensando alguns segundos no que acabei de dizer e no que iria
responder. - Ele, ele ficou doente, uma doença séria. O Zé infelizmente morreu - disse
com um pesar verdadeiro.
Marcelo também lamentou e me abraçou de novo. Eu chorei e dessa vez o abracei forte.
Nosso dia foi lindo. Marcelo lembra muito o pai, gosta de puxar conversa, gosta de olhar
as pessoas e tentar imaginar como elas são, não sabe muito bem guardar segredos e tem
dificuldade para pensar uma coisa e falar outra.
Nas cartas e fotos que esse menino mandava para o Pedro ele contou tudo isso e naquele
dia pude ver que era tudo verdade. Ele fez questão de ir ao jogo com a camiseta do Grêmio
que eu trouxe para ele. Ficou um pouco grande, mas estava bonito. Perdi a conta de
quantas vezes fui apresentado: - Esse é meu pai. - Muito prazer, passeando? - no estádio,
sorveteria, praça, vizinhança.
Só fiquei sem graça no começo, depois até comecei a puxar papo, perguntei como um pai
para os conhecidos de um filho se ele ia bem na escola, se respeitava os amigos, se era
feliz.
Imaginei que seriam poucas as chances de eu pernoitar naquela cidade, ainda mais na casa
de Marcelo, mas acabei ficando com muito gosto. Ele até quis dormir comigo na cama, mas
eu e a prima dele achamos melhor não.
Dormi no quarto que era da mãe dele, a SÃlvia, que morreu quando ele tinha cinco anos.
Ele foi criado pela tia, que também morreu há um ano. Hoje, mora com a MarÃlia, que tinha
22 anos. Foi ela quem encerrou minha noite.
- Boa noite. (continua no arquivo)
Deu frio na espinha!! Estou arrepiada até agora!!
Fê Pavanello · BrasÃlia, DF 18/5/2007 12:50Para comentar é preciso estar logado no site. Faça primeiro seu login ou registre-se no Overmundo, e adicione seus comentários em seguida.
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