Achados e perdidos

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Vanessa Anacleto · Rio de Janeiro, RJ
17/10/2008 · 87 · 6
 

Chovia. Correu tanto para pegar o ônibus que torceu o tornozelo e prendeu o dedo na porta. Acidentes a parte, conseguiu chegar até o banco , após pagar o trocador com seu ultimo vale transporte.
Os salários na fábrica estavam atrasados há quarenta e cinco dias. As contas , que já eram normalmente pagas com atraso, não paravam de chegar. Valdomiro estava preocupado. Onde iria chegar aquela situação?
As costuras da mulher mal davam para o pão e o leite. Alguma coisinha ainda se bancava, mas estava difícil. Saia tão desanimado para o serviço que nem comia pela manhã. Não fosse a marmita que a Candinha preparava, não comeria do dia todo. Hoje então, estava tão nervoso que nem tocou no macarrão.
Apesar do cansaço, depois de dez horas de trabalho, sua cabeça girava procurando solução. Molhara-se muito para pegar a condução e a sensação de frio era tão grande que se encolhia enquanto colocava a cabeça pra pensar no que fazer. E que coisa é esta aqui embaixo? Alguém esqueceu um guarda-chuva. É sempre assim, a chuva pára, esse povo logo larga o guarda-chuva pra trás. Isso custa dinheiro. Depois fica reclamando. Gente mais distraída , bem fazia ele que não carregava sombrinha nenhuma. ‘Vou levar para Candinha, ela gosta dessas tralhas.'
Ao abaixar viu que não havia guarda-chuva mas um embrulho dentro de um saco plástico preto. Abriu num puxão e achou três maços de dinheiro graúdo.
Apesar do frio , começou a suar e, ficou imóvel. Buzina. O motorista deu uma freada brusca, um cachorro assustado corria no meio da chuva . Com o embrulho na mão não conseguia mais raciocinar. Será que alguém o viu se abaixando? Não tinha mais ninguém no ônibus. Ou será que tinha?
Faltavam dois pontos p'ra descer e por ali todos o conheciam. Se descesse antes do ponto, iriam estranhar. Não podia sair com o embrulho. A cabeça girava. As contas p'ra pagar , meu Deus, a Candinha....
O ponto chegou. Puxou o sinal. O saco preto no chão. O coração na mão. Com a voz fraca conseguiu agradecer o motorista. A chuva apertou. Debaixo do toró lentamente percorreu, de cabeça baixa, o caminho para casa . Tremia. Bendita Candinha que o faz levar marmita. Meteu o dinheiro com o macarrão.

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Publicado em 2005 no Fio de Ariadne
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clara arruda
 

Iniciando sua votação.

clara arruda · Rio de Janeiro, RJ 16/10/2008 22:48
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EdimoGinot
 

Mais um conto do cotidiano.
Voce è especialista nesses flashs urbanos.
parabéns
Um abraço

EdimoGinot · Curitiba, PR 17/10/2008 14:27
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Compulsão Diária
 

Flsh urbano é muito boa definição. E as imagens muito nítidas. Beleza, Vanessa.

Compulsão Diária · São Paulo, SP 17/10/2008 19:34
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Marcos Pontes
 

Achado não é roubado? Você, advogada, que me diga. Mas não vem ao caso, o conto é o que conta e está com uma nitidez enorme à visão do leitor. Muito bom, como sempre.

Marcos Pontes · Eunápolis, BA 17/10/2008 20:28
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O NOVO POETA.(W.Marques).
 

publicado esse bonito trabalho.

O NOVO POETA.(W.Marques). · Franca, SP 17/10/2008 21:49
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Vanessa Anacleto
 

Amigos, obrigada pela leitura e comentários. :-)

Abraço

Vanessa Anacleto · Rio de Janeiro, RJ 18/10/2008 12:13
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