Para Mário de Andrade e sua poesia, que eu ainda não devorei.
O poeta come amendoim
E come a prosa
E mói o verso
O poeta todo prosa
Come amendoim
E seca o verso
O bagaço lÃrico
A casca grossa da vida
O poeta come
Amendoim de poesia
Palavras torradas na pedra
Palavras moÃdas na pedra
Palavras travadas janelas
Come o poeta
A palavra que não quer morar
Na solidão do dicionário
A palavra da rua
A imagem poeirenta do homem da vida
O homem enlameado e gastado da vida
Come o poeta o crocante amendoim
Do homem do sonho come o poeta
O miúdo amendoim dos dias vãos
Rimas pobres da vida na gangorra
Doce gangorra do amor e dor
Gangorra de onde se apanha a flor
Tamborila entre um amendoim e outro
Tamborila entre um verso e outro
O amendoim metafÃsico
No indizÃvel gozo da lÃngua estala
(A minha é brasileirÃssima pátria)
Crotcrotcrot, ávido o poeta
Crot, crot, crot, molengamente
Crot; dor de dente
Crotcrot... Torradinho!
Espana o poeta casquinhas de eternidade
Que pulam o vazio interminável do tempo
Que atravessam o homem da vida
Que apagam o homem do sonho
Casquinhas de eternidade
No lirismo do papel
No lirismo da celulose e do carbono
No sopro divinamente humano da poesia
No sopro humanamente divino da palavra
O verbo do princÃpio do mundo
O verbo da comunhão com Deus
O verbo do suor, do pão e do pó
E a melhor poesia da vida
Come o poeta
Que come amendoim
O amendoim sagrado da poesia de cada dia
Dai-nos hoje e sempre
Se possÃvel, com inspiração
Se não, ah poeta!
- Mãos ao barro virgem da palavra.
Transpiração!
Atenção ao verbo do suor, do pão e do pó
A poesia não faz cerimônia e nem tem hora
Andarilha, salta do trem, dos passos do menino descalço, da
natureza morta, da moita onde copulam em falta o dia e a noite, da
casca do seu amendoim, amigo!
Ela vem e, se falta o pulso exato de retê-la, na teia amorosa da
beleza de cativá-la
(Sei disso por experiência: há que se esmerar por demais no cativeiro)
Ela vai embora, simplesmente esvai-se, sem fazer cerimônia, toda
prosa
Come o poeta
Que come amendoim
O amendoim sagrado da poesia de cada dia
Dai-nos hoje e sempre
Crotcrotcrot, amém!
Goiânia, 22-6-2007.
O leitor come poesia, da poeta que poesia não faz cerimônia e nem tem hora.
Andarilha que salta das paginas da internet.
E nos deixa com vontade de, como o poeta, comer amendoim, comer poesia... pé-de moleque. Só para aproveitar as festas juninas. Hehehehe. Brava.
E Goiânia solta fogos... já tem a sua Musa! Embora deteste poemas que iniciam todos seus versos em maiúsculas, não pude reclamar desta pequena (?!) obra-prima. CARAMBA... dá para se ter inveja de tanta e tão bela inspiração. E haja amendoim... Menina, V. não vai longe, já está lá! PARABÉNS! Abraços "amendoÃnicos" !
"NATO" AZEVEDO · Ananindeua, PA 23/6/2007 15:47
Maiúscula poesia!
Amém!
doin
Dai-me, santa Cida
Alme_Ida
Cida, viva a sua poesia.
Vamos devorá-la... crot, crot, crot.
Abraços.
Cida,
Que bom que podemos comer do fino amendoim de que se alimentam os poetas... e as poetas!
cida,
no teu argumento, saboroso, a nesga de cotidiano que se esparrama pela poesia, desde as antropofagias e afirmativas modernistas, até os nossos esforços de éter na planura difÃcil da sensibilidade contemporânea... segue, menina, a mascar teu gosto, Ãntimo e autêntico como devem ser todos os intentos reverenciais. ou, na fala pessoana, come chocolates, pequena...
beijos,
r
Cida, desculpe a demora. Só hoje li sua resposta a um meu comentário, citando no fim este lindo "Amendoim, a poesia da vida". Conheci "O poeta come amendoim" de Mário de Andrade há mais de 40 anos - como estou velho! Foi o primeiro poema dele que vi ou pelo menos o primeiro que me chamou a atenção, me deixou com gosto de amendoim na boca. O seu poema também deixa gosto de amendoim na boca. Um poema é bom quando mexe com a gente sensorialmente. Há outras maneiras de julgar - mas se deve julgar? - e há outras maneiras de se apreciar uma obra de arte, mas quando nos toca os sentidos sabemos que é boa. É preciso primeiro nos tocar na carne, depois na alma. "Porque os corpos se entendem, / Mas as almas não". Obrigado pelo prazer que me deu.
Um grande abraço.
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