Amendoim, a poesia da vida

José Afonso Viana
1
Cida Almeida · Goiânia, GO
24/6/2007 · 113 · 9
 



Para Mário de Andrade e sua poesia, que eu ainda não devorei.




O poeta come amendoim

E come a prosa

E mói o verso

O poeta todo prosa

Come amendoim

E seca o verso

O bagaço lírico

A casca grossa da vida

O poeta come

Amendoim de poesia

Palavras torradas na pedra

Palavras moídas na pedra

Palavras travadas janelas

Come o poeta

A palavra que não quer morar

Na solidão do dicionário

A palavra da rua

A imagem poeirenta do homem da vida

O homem enlameado e gastado da vida

Come o poeta o crocante amendoim

Do homem do sonho come o poeta

O miúdo amendoim dos dias vãos

Rimas pobres da vida na gangorra

Doce gangorra do amor e dor

Gangorra de onde se apanha a flor

Tamborila entre um amendoim e outro

Tamborila entre um verso e outro

O amendoim metafísico

No indizível gozo da língua estala

(A minha é brasileiríssima pátria)

Crotcrotcrot, ávido o poeta

Crot, crot, crot, molengamente

Crot; dor de dente

Crotcrot... Torradinho!

Espana o poeta casquinhas de eternidade

Que pulam o vazio interminável do tempo

Que atravessam o homem da vida

Que apagam o homem do sonho

Casquinhas de eternidade

No lirismo do papel

No lirismo da celulose e do carbono

No sopro divinamente humano da poesia

No sopro humanamente divino da palavra

O verbo do princípio do mundo

O verbo da comunhão com Deus

O verbo do suor, do pão e do pó

E a melhor poesia da vida

Come o poeta

Que come amendoim

O amendoim sagrado da poesia de cada dia

Dai-nos hoje e sempre

Se possível, com inspiração

Se não, ah poeta!

- Mãos ao barro virgem da palavra.

Transpiração!

Atenção ao verbo do suor, do pão e do pó

A poesia não faz cerimônia e nem tem hora

Andarilha, salta do trem, dos passos do menino descalço, da

natureza morta, da moita onde copulam em falta o dia e a noite, da

casca do seu amendoim, amigo!

Ela vem e, se falta o pulso exato de retê-la, na teia amorosa da

beleza de cativá-la

(Sei disso por experiência: há que se esmerar por demais no cativeiro)

Ela vai embora, simplesmente esvai-se, sem fazer cerimônia, toda

prosa

Come o poeta

Que come amendoim

O amendoim sagrado da poesia de cada dia

Dai-nos hoje e sempre

Crotcrotcrot, amém!



Goiânia, 22-6-2007.








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informações

Autoria
Cida Almeida
Ficha técnica
É Mário, sempre entre uma leitura e outra, um interesse e outro, volto a me embriagar de você. O Poeta Come Amendoim, título de um poema seu, que saltou da leitura de um discurso de Manuel Bandeira em que reverenciava você e a sua obra. De poesia sua, até agora, só as de Há Uma Gota de Sangue em Cada Poema..., aquele da Obra Imatura, do caminho do aprendiz, que vale como um desabafo de horror contra a guerra. Ainda comerei de sua poesia. Mas como fez cócegas na minha língua, vou de amendoim para homenagear você.
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Tacilda Aquino
 

O leitor come poesia, da poeta que poesia não faz cerimônia e nem tem hora.
Andarilha que salta das paginas da internet.

E nos deixa com vontade de, como o poeta, comer amendoim, comer poesia... pé-de moleque. Só para aproveitar as festas juninas. Hehehehe. Brava.

Tacilda Aquino · Goiânia, GO 23/6/2007 07:30
1 pessoa achou útil · sua opinião: subir
 

E Goiânia solta fogos... já tem a sua Musa! Embora deteste poemas que iniciam todos seus versos em maiúsculas, não pude reclamar desta pequena (?!) obra-prima. CARAMBA... dá para se ter inveja de tanta e tão bela inspiração. E haja amendoim... Menina, V. não vai longe, já está lá! PARABÉNS! Abraços "amendoínicos" !

"NATO" AZEVEDO · Ananindeua, PA 23/6/2007 15:47
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Adroaldo Bauer
 

Maiúscula poesia!
Amém!
doin
Dai-me, santa Cida
Alme_Ida

Adroaldo Bauer · Porto Alegre, RS 23/6/2007 17:39
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BETHA
 

Cida, viva a sua poesia.
Vamos devorá-la... crot, crot, crot.
Abraços.

BETHA · Carnaíba, PE 23/6/2007 20:06
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Gisélia Duarte
 

Vamos devorar poesia. E Amendoin

Gisélia Duarte · Goiânia, GO 23/6/2007 21:37
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EdQue
 

Cida,
Que bom que podemos comer do fino amendoim de que se alimentam os poetas... e as poetas!

EdQue · Brasília, DF 24/6/2007 16:14
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Marluce Freire Nascasbez
 

Cida,

Amei! Nhoc!

Marluce

Marluce Freire Nascasbez · Carnaíba, PE 24/6/2007 20:26
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Renato Torres
 

cida,

no teu argumento, saboroso, a nesga de cotidiano que se esparrama pela poesia, desde as antropofagias e afirmativas modernistas, até os nossos esforços de éter na planura difícil da sensibilidade contemporânea... segue, menina, a mascar teu gosto, íntimo e autêntico como devem ser todos os intentos reverenciais. ou, na fala pessoana, come chocolates, pequena...

beijos,

r

Renato Torres · Belém, PA 3/8/2007 18:48
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José Carlos Brandão
 

Cida, desculpe a demora. Só hoje li sua resposta a um meu comentário, citando no fim este lindo "Amendoim, a poesia da vida". Conheci "O poeta come amendoim" de Mário de Andrade há mais de 40 anos - como estou velho! Foi o primeiro poema dele que vi ou pelo menos o primeiro que me chamou a atenção, me deixou com gosto de amendoim na boca. O seu poema também deixa gosto de amendoim na boca. Um poema é bom quando mexe com a gente sensorialmente. Há outras maneiras de julgar - mas se deve julgar? - e há outras maneiras de se apreciar uma obra de arte, mas quando nos toca os sentidos sabemos que é boa. É preciso primeiro nos tocar na carne, depois na alma. "Porque os corpos se entendem, / Mas as almas não". Obrigado pelo prazer que me deu.
Um grande abraço.

José Carlos Brandão · Bauru, SP 23/5/2008 21:44
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