Apenas um conglomerado de fractais
Raphael Reys
Cruzo a via urbana, um complicado tabuleiro onde transcorre um jogo de pares contrários. Corpos vivos em líquidos e fractais. Busco cuidadosamente pisar na esteira das sombras.
Mergulho na quietude que se faz nesta noite, sem absorver o burburinho dos notívagos que curtem a tenda da amplidão. Cerro os olhos e logo tropeço nas bordas nas juntas de dilatação do passeio público.
Um jovem casal trafega abraçadinho e borbulhando como champanhe em taça flute. Vai inexoravelmente dar nos costados do Tártaro.
No conservatório próximo uma voz feminina solfeja um trecho de uma ária de Puccini. No etéreo, bem acima de nossas cabeças, um notívago, repousando no Terceiro Céu de Beatrice, imita Noel Rosa.
Canta Conversa de Botequim, enquanto outro garante a percussão batendo com os dedos no tablado da mesa do bar.
Há uma extensão sensória entre a consciência manifesta e os desejos que ficaram irredutivelmente fixados na memória. Um desfazer em emoções sublimadas. Uma angústia em perceber que a qualquer momento pode se dissolver.
O microcosmo corpóreo insiste em se sobrepor ao macrocosmo divino. Um máximo de sensações ante ao incomensurável máximo do universo.
Contrapartes entre a realidade e a magia da atualização.
A ação expressa tem o mesmo peso de uma ilusão; como um enigma escrito na entrada da pirâmide de Quéops.
A manifestação é apenas um conglomerado de fractais.
Chet Baker arranha um bolachão de acetato sob o céu de Dallas e um instrumentista mórbido dedilha ao piano Summertime.
Duas almas gêmeas se encontram no Plano Astral. Entrelaçam-se, bailam e terminam por volitar sob um bosque. Os meus sentimentos vagam como os trovadores.
Vou ancorando minhas recordações em um porto de desejos.
No casarão rococó, uma filha da lua repousa a sua suave cabeça pensante num travesseiro de alvas plumas de ganso. Sonha estar transfixando a via demarcada da Abbey Road.
O pêndulo de aço carbono do Big Ben, penduca o equilíbrio entre a direita e o levemente destro-convexo.
No tanque do jardim há um cardume de trutas multicoloridas. Produzem um feito caleidoscópio na minha retina. Pito um cigarro turco e bebo uma água tônica com limão e gelo.
Na mesa da birosca de luxo, notívagos diletantes degustam uma garrafa de pinga Santa Rosa. Tira-gosto torresmo de papada de porca e linguiça no palito com cobertura de provolone.
Há uma aura suave que cobre a noite trazendo às nossas almas sofridas pelos embates da urbanidade opressora, o doce alento que nos leva a sonhar acordados.
Alguns casais dançam embevecidos.
O scotch rola solto, nas versões on the rocks e cowboy, do bufê requintado e farto.
Uma divagação do pensamento...
Raphael, sua forma de conduzir o texto nos leva a uma viagem pelo seu sentimento.
Boa tarde!
Tava indo bem até chegar ao Brasil, esse já tá arruinado...
Mas o seu texto é deveras lindo, como sempre !
Um beijo !
Estrela Guia e alcanu! Bondade dos seus enormes coração...Um abraço!
raphaelreys · Montes Claros, MG 3/3/2015 08:12Para comentar é preciso estar logado no site. Faça primeiro seu login ou registre-se no Overmundo, e adicione seus comentários em seguida.
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