Porque era um homem deprimido, infeliz na profissão e mal remunerado, sem mulher, desajeitado, feio e repulsivo, Orlando das Guias adotou um gato filhote. Era um gatinho todo preto de olhos amarelados, meigo e doce. A feiúra também pode ser terna, pensou ele. Seus poucos amigos notaram a transformação que o filhote, chamado Vishnu, provocou no triste e abandonado Orlando. Como acontece com os seres perdidos nos jogos de guerra social, o deprimido se reanimou. Passou a convidar amigos para conhecer seu filho, Vishnu. Orgulhava-se da meiguice do filhote. Fazia planos de futuro e agora sorria com freqüência. Também passou a falar muito mais, e seus poucos amigos descobriram que ele conhecia muitos assuntos, já que agora ele punha para fora suas opiniões. Também passou a comer com regularidade, e isso o satisfez de tal forma que passou a comer demais. Todas as noites, sentava-se diante da TV com Vishnu a seu lado, comendo frituras, massas, doces, sorvetes, chocolates, até a hora de dormir. Na cama, Vishnu também lhe fazia companhia. Ao final de um mês, Orlando havia engordado vinte e três quilos. Naquela noite, enquanto comia coxinhas, telefonava a seus amigos para avisar da celebração por um mês de vida de Vishnu. Seria no dia seguinte, mas de manhã bem cedo Orlando ligou para seu melhor amigo berrando de tristeza e dor: “Rolei por cima de Vishnu durante a noite! Matei ele, matei ele!â€
***
Chegando ao Céu dos Gatos, Vishnu é recebido por seu preceptor.
- Que sorte a minha, morrer tão cedo foi o melhor que podia me acontecer!, disse Vishnu
- Certamente! – responde o preceptor – Não perderás tempo precioso em mais uma vida de besta.
- O senhor quer dizer que chegou minha vez?
- Parece que sim, precisamos confirmar.
- Finalmente vou renascer como humano, não consigo acreditar!
- Fique calmo, temos de confirmar, mas eu apostaria nisso, nove contra um.
- Oh, que auspiciosa notÃcia, bom preceptor!
- Sim, ao que tudo indica, a agonia breve de um sufocamento bastou por esta vez. Já sofreste, agora poderás gozar e sofrer.
- Não vejo a hora, senhor.
- Mas ocorreu algo ruim. Precisas saber.
- O que foi?
- Orlando das Guias se matou depois de sufocá-lo.
***
Anos se passam. Vishnu agora é o humano Gagárin, e Orlando é Napoleão. Como planejado, eles se encontram a certa altura. Gagárin gosta de Napoleão de imediato e se lhe oferece como servo. Napoleão faz viagens de carroça pelo continente, precisa da ajuda de um jovem pois é quase um velho, então aceita que Gagárin lhe acompanhe. Gagárin mostra um grande respeito por Napoleão, devota-se a seu mestre com toda força de seus braços, toda a inteligência de sua cabeça e a sinceridade de seu coração. Napoleão percebe o comportamento singular de Gagárin, gratuitamente afetuoso e bom. Tenta corresponder, em princÃpio, mas sente que algo o bloqueia. Tenta passar mais tempo sozinho, designando Gagárin para tarefas duras e demoradas, mas a tática não surte efeito. Gagárin retorna sempre mais amoroso e amigo. Napoleão se irrita, diz para que ele fique longe, e seu ajudante concorda, desde que isso o faça feliz. Só que ao mover a carroça, Napoleão sente que precisa do servente, que se compraz. Na estrada, Napoleão se pergunta por que repele tão naturalmente o jovem Gagárin, por que responde com atos de ódio os atos de dedicação e amizade do assistente. Não encontra outra resposta senão a única verdadeira: ele ama Gagárin. Seus passos paralisam com a revolta que o pensamento lhe desperta. Naquela noite, enquanto Gagárin dormia atrás da carroça em um banco de terra próximo à fogueira, Napoleão retirou um punhal de ferro do alforje e afundou por três vezes o metal no peito de Gagárin.
***
De volta ao Céu dos Gatos e sem entender, Vishnu-Gagárin encontra seu preceptor. Quer saber o que aconteceu, por que Orlando-Napoleão fez de novo o que já havia feito. O preceptor tenta acalmá-lo.
- São sete vidas, meu filho Vishnu. Já foram duas. Só faltam cinco.
Fala Fausto! Que sina, hein? Agora quero saber como foram as cinco outras mortes! :) Abraço e bem-vindo ao Overmundo, que esta seja a primeira de muitas colaborações!
Helena Aragão · Rio de Janeiro, RJ 21/7/2008 12:12Valeu o comentário Helena! As outras cinco mortes vou deixar por conta da imaginação do pessoal. É a primeira de muitas sim, com certeza.
Fausto Oliveira · Rio de Janeiro, RJ 21/7/2008 14:38Amigo, (se assim me permite chama-lo) Veja q a feiura pode matar! rsrsrsr A vida segue seu leito como o rio. Nao há possibilidades de desvios. Numas sou gato e noutras sou rato. Amo e odeio. Se mil vidas eu tivesse, mil vidas seriam diferentes! Mas o q passo como gato, nao passa vc como como Napoleao. Hoje estou como um cão sarnento, vivendo de migalhas. Mas feliz e sorrindo, pq nao trago as marcas da corrente do Pastor Alemão. Sou vira-lata, mas livre. Hoje vc me presenteia com este texto maravilhoso. Amanha outros te farao surpresas e neste exato momento alguem está odiando este teu escrito sem pé nem cabeça! Valeu. Aplausos de pé! Bravo!
Nic NIlson · Campinas, SP 22/7/2008 14:57Amigo Nic Nilson, por favor me chame de amigo sempre! Entre migalhas e restos de osso, o negócio é roer até onde dá. Se num dia passamos bem e noutros três passamos mal, isso é muito natural. E sejam as surpresas o paladar do viver. Agradeço de pé, já quase levitante, por seu comentário. Muito obrigado!
Fausto Oliveira · Rio de Janeiro, RJ 22/7/2008 16:06
Fausto Oliveira · Rio de Janeiro (RJ)
As sete vidas do gato Vishnu
Parabéns Amigo.
Desenvolveu bem o tema que ficou gostoso de ler.
Passou valores da Vida e vamos te-los no pensar.
valeu
Abracáo Amigo e merecimento.
belo texto, muito bom de ler.(votei).
O NOVO POETA.(W.Marques). · Franca, SP 22/7/2008 18:41
Muito bom teu texto!
meus votos com carinho!
beijo no coração!
CARAMBA!!! Eu fiquei pasmo com a cordialidade e a amizade que senti com as mensagens de vocês. Me desculpem o arroubo emocional assim, mas é a estréia mesmo e eu fiquei me sentindo bem-vindo. Obrigado vocês todos.
Fausto Oliveira · Rio de Janeiro, RJ 22/7/2008 22:45
Começas bem. Assim como o gato tem sete vidas, que tenhas bastante fôlego para continuar.
Um abraço.
Começas bem,então só me resta dizer:
PUBLICADO.
Fausto, que história!
Se formos acreditar em sete vidas, coitado desse gato!
Adorei, Parabéns!
bjssssss
Obrigado mais uma vez a todos e às amigas Doroni, Clara e Sônia, que postaram depois do meu último agradecimento. Tenho um novo texto que vai entrar na votação amanhã. Espero a leitura de vocês. Beijões!
Fausto
Hoje, mais um presente, o gato Vishnu, de Fausto. Brahma sorri, guardião que é, dos lares. Sorri na casa arejada que seu conto constrói, palacete.
Em fila de edição (talvez de votação, não sei ainda) meu SONETO DA ESFINGE. Beijo, amigo.
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