Babiela, amor tão profundo. Deixei tudo por ela. Amor tão profundo, Babiela.
“Foi o que pensei, e era ainda mais bonito o que pensei, no momento em que olhava Babiela dormindo. Pensei na paz que reinava durante aquele Ãnfimo instante-olhar. Aquele era o perÃodo da duração do meu sorriso...â€
1º Assunto: O tempo perdido.
Essa é mais uma daquelas histórias que surgem do improvável, do comum mesclado com o incrÃvel. Mas não é nada fácil de se contar, por isso, para se chegar a Babiela é preciso ir bem antes, é preciso começar por Hugo.
Hugo Wagner era um garoto que se diria comum, análogo a tantos outros em uma multidão de meninos. Estudava muito, brincava tanto quanto com seus amigos, que eram poucos. Surgiam aqueles romances impossÃveis na cabeça do pobre menino, que não passavam de contos, os quais mudaria a cada estação a personagem arrebatadora.
Ah, o primeiro beijo! Esse é o sonho de toda menina, mas por que não de todo garoto também? Hugo queria que seu primeiro beijo fosse roçado num lábio especial e completamente digno de sua virgindade infantil. Mas não foi o que aconteceu: viu-se na euforia de ver seus amigos todos “podresâ€, com “a primeira que aparecesse pela frenteâ€. Queria também. Queria, na verdade, apenas sentir tão logo o que desejava há muito, mesmo não sendo da forma que lograra em sonhos.
Foi o melhor amigo que o apresentou àquela garota cor de chocolate ao leite, nem negra demais, nem morena-clara; os olhos eram ébanos penetrantes, o sorriso mostrava que já era experiente o suficiente para deixá-lo em êxtase – era um sorriso maroto – dentes brancos brilhantes; seu corpo, esbelto; seus cabelos eram também negros, com ondulações de pequenos intervalos, alguns fios mais claros na frente da face e um corte banal à altura dos ombros. Contudo, o nome dela não o interessou: deixou-se levar pelo fogo da vontade e não se preocupou em identificar a bastarda.
– Merda! Estraguei meu primeiro beijo! – repetia ele, incessantemente, em seu pensamento, enquanto a beijava, o menino no auge de seus 14 anos.
Aconteceu na casa dela: uma casa comum, na entrada um portão prata, ondulado, que incluÃa uma porta do lado esquerdo de quem entra – uma entrada-garagem – e mais à frente, uma pequena sala, um corredor com um banheiro, logo, uma cozinha, dois quartos do lado direito, um do esquerdo, e mais um banheiro, nos fundos uma porta que lavava a um quintal pequenÃssimo; porém, com vizinhos que não perturbavam tanto, a não ser pelas observações caladas e reprovativas, dum silêncio angustiante. Hugo ficou com ela, e o amigo, com outra, com a amiga dela. Ninguém jamais saberia o que se passava na mente do garoto, independentemente do que seus olhos queriam falar. Da sua boca só sairiam palavras como: “Sim, foi ótimo!â€. Ainda que não sendo. Ainda que se preocupando em carregar o sofrimento de ter errado justamente na primeira vez, porque, na verdade, ele não estava preparado para iniciar com qualquer uma; tinha de ser uma que fizesse seu coração bater como se fosse sair pela boca, um sentimento verdadeiramente eufórico – e bom.
2º Assunto: Os momentos de sonho.
Mas o tempo passava. No final deste ano “podreâ€, aconteceu algo extraordinário, algo que jamais pensaria que fosse acontecer com ele. Apaixonou-se de verdade, agora não seria mais nenhum conto de estação, todavia, uma paixão profunda, com apenas uma personagem arrebatadora.
Não pensou que fosse acontecer com ele, porque era virtual. Seria possÃvel um amor surgir virtualmente? Na Era que começava, então, a da revolução virtual; sim, isso foi – e vem sendo – possÃvel. Vejo, afinal, que há tantas histórias de um grande amor surgido assim! Acabara de tornar-se febre mundial o fenômeno MSN: aquele aplicativo de mensagens instantâneas. Foi por este meio que Hugo conheceu uma mocinha. Era uma garota explosiva, acesa, ciumenta, mas ele gostava dela assim.
Ele só ficava online para poder sentir a presença dela através das palavras digitadas, da imagem de exibição, da webcam, dos emotions, das chamadas de atenção quando demorava responder, das músicas compartilhadas. E até algumas músicas se tornavam temas da relação, como em uma novela de televisão; um trecho marcante: “Você tem carta branca nesse meu coração / eu amo você / Estou de corpo e alma entregue em suas mãos / quero dizer que ninguém no mundo vai te amar assim, / assim, é tanto amor que esqueço até de mim...â€
De fato, só ficava online para conversar com ela, seus amigos já não o interessavam tanto assim, ela era a causa e a razão de conectar-se à Internet. Estava ficando doentio, mas feliz.
Hugo ganhou um celular, telefone de ampla cobertura móvel, tela coloria, toques polifônicos, muito moderno para a época – não era todo mundo que podia ter um assim. Seu amor ligava todos os dias. Não custa repetir: todos os dias, lá de onde morava. E onde morava? Em South River, New Jersey, EUA. Veja só. Mas a garota era brasileira, dois anos a menos que ele, natural de Minas Gerais, embora com a famÃlia em situação ilegal naquele paÃs. Tudo era tão difÃcil para cabecinhas tão infantis.
Fascinante também era escutar aquele toque do celular selecionado exclusivamente para ela, para quando ligasse. Às vezes ele escutava o toque do nada, sem nem haver ligação, só de ansiedade; e outras tantas, escutava repetidas vezes o mesmo toque para imaginá-la bem perto ou tentar se transportar para perto dela.
Para muitas pessoas a situação seria uma loucura, uma anormalidade, por isso mantinha em segredo o que sentia. É infinitamente difÃcil amar em segredo, rir em segredo, chorar em segredo; ser a pessoa mais feliz do mundo, em segredo; ou então, precisar de um ombro amigo – um apoio seguro – nos momentos mais difÃceis, de dor e sofrimento, e não o ter porque se está em segredo. Não poder contar a ninguém, porque ninguém o entenderia, fazia com que ele sentisse uma morte a cada sorriso, e com que seu riso sorrisse amargo, quase sem cor, quase em sépia.
Quando não podia “teclar†de casa, ia a uma lan house próxima, fosse como fosse, não interessava o que o ocupava, deixava para depois, pois além de receber a ligação diária, ele precisava – precisava! – passar mais tempo com ela. Era uma presença virtual, porém, de todo modo, era uma presença necessária.
Faziam planos os dois: tentariam se encontrar não importasse como, nem a distância, nem o passaporte, o transporte, o dinheiro, o green-card, ou a situação ilegal naquele paÃs. Sim, tentariam. Ela sabia de tudo o que ele gostava, de suas manias, seus exageros, e era recÃproco. Já havia até imprimido a foto de Hugo e mostrado para todas as amigas e amigos, para toda a escola. Era o que ela dizia. Era a verdade, ou pelo menos parecia ser. E permaneciam demasiadamente felizes e intocáveis.
3º Assunto: O trauma.
Foi fulminante a paixão que se desenvolveu entre eles. É algo que não sei nem descrever. Mas um dia, um horrÃvel dia, tudo desandou, porque aquilo que é inevitável sempre acontece. Ela disse que era melhor tudo acabar, pois já não acreditava mais no encontro, passou a pensar que demoraria demais até que pudesse ocorrer. Apesar disso, Hugo não se dava por vencido. Como tudo acabaria assim, de uma hora para outra? Precisava de respostas, esse era um motivo muito vago e para que um namoro tão intenso e bonito terminasse de repente. E não deixou que acabasse assim.
Mas se passou, então, um mês quase sem ligações, cheio de desencontros (MSN offline, e-mails não respondidos). Ele perdia tempo fazendo coisas que ela parecia nem notar, até que esta definiu o fim: disse que namorava não só com Hugo, mas com outro também, um de São Paulo. Daà não mais poderia ficar com ele, porque amava mais o outro: o paulistano. Isso foi uma “faca em seu coraçãozinhoâ€, um jovem coração ludibriado por uma paixão fulminante, que se findou por culpa de uma traição virtual. Estabeleceu-se, assim, um trauma. Foi triste, demasiadamente triste, pois era sua primeira namorada, já seria então a segunda vez que errava em sua “primeira vez†– agora, no primeiro namoro.
Depois, a vida de Hugo Wagner mudou: a famÃlia mudou de cidade, mudaram-se os amigos, mudaram-se os planos, e ele passou a conhecer novas pessoas. Nessa fase de transição tentava acostumar-se à nova cidade e esquecer-se de tudo que sofrera. Tentou deixar tudo para trás, assim como a cidade, os amigos e tanta coisa que lá havia construÃdo.
4º Assunto: O banho frio.
Ele nunca conseguia explodir seus sentimentos, não chorava como tantas pessoas choram. Sentia-se seco por dentro. Seu choro era um choro calado, inibido, apenas de olhos marejados. Mas no dia em que seu coração estressou, quando prometeu (prometeu!) a si que nunca mais a procuraria, o choro ficou insurgente, chorou tudo que podia, até que os olhos incharam. Chorou debaixo de um banho frio – foi o banho mais triste e lindo que tomara. Sua mente já não pensava em mais nada, só sentia escorrer dos olhos as lágrimas que se juntavam às gotas d’água do chuveiro. Foi um banho em tons de cinza, nas cores de seu amor cremando-se, decidindo definitivamente que ali seria o fim.
A partir daà viu sua vida como um filme, lembrou de tudo que já teve e pensou em tudo que poderia ter: esquecê-la com outros amores, namorar outras vezes (mas pessoalmente; o virtual, como já dito, fez-se trauma), viver novamente. De relance pensou que assim seria melhor, pois daria espaço para um recomeço.
Sim, a vida nos revela surpresas a cada instante; ela não pára, e às vezes nos obriga a arriscar uma nova aventura. Mas aprenda uma coisa: jamais prometa algo que não possa cumprir.
Babiela não soube cuidar de Hugo, e ele não soube cumprir sua promessa. Você percebe, então, que a história está terminando e Babiela só é descoberta agora. Mas, afinal, importaria mais conhecê-lo – e entendê-lo – pois, no final, o dono do verdadeiro amor era ele, e não ela.
Hugo amava tanto Babiela que desistiu do que prometera a si e, quando sonhava, transportava-se para o quarto dela no outro lado do mundo e a olhava a noite inteira enquanto dormia, porque depois daquele banho passou a protegê-la contra qualquer coisa, inclusive dos pesadelos, uma vez que tornou-se um anjo.
Naquela vez, naquele banho, deitou-se no chão molhado e guardaria Babiela para sempre, durante toda a vida, a partir do momento em que decidiu que seu recomeço seria uma fenda no pulso, retalhada de amor, amor puro; e as lágrimas, e o sangue, juntaram-se às gotas d’água do chuveiro. Hugo tornou-se, assim, seu anjo-da-guarda.
(finalizado em 22-01-2008)
Babiela, amor tão profundo. Deixei tudo por ela. Amor tão profundo, Babiela.
“Foi o que pensei, e era ainda mais bonito o que pensei, no momento em que olhava Babiela dormindo. Pensei na paz que reinava durante aquele Ãnfimo instante-olhar. Aquele era o perÃodo da duração do meu sorriso...â€
Babiela quem é ela? Belo texto amigo fiz uma ótima leitura, parabéns pelo postado, deixo aqui meu voto e admirações. Abraçosss!!!
delen · Cotia, SP 19/5/2009 01:18
Junior Magrafil · Caxias (MA)
BABIELA, o conto
Muito fôlego no escrever e muito assunto ordenado legal, constituindo um belo conto cheio de lição e filosofia.
Uma experiência incrÃvel para Juventude ler, ou para os mais velhos também fazerem suas reflexões, se atualizarem e poderem acompanahar a Juventude, na caminhada vida. É um Escrito para no ler, todo mundo aprender e manter vÃnculos de humanidades com as outras gerações.
Um texto educativo pela vivência e descrição de uma experiência que redunda em um saber de vida.
Aprender com a vida.
Parabéns.
Ficou muito bom.
Abração Amigo
Mto obrigado amigos!....
Fico feliz pelos comentários...
São sempre bem-vindos...
Abraços!
de muito bom gosto e bem composto.votado.
O NOVO POETA.(W.Marques). · Franca, SP 20/5/2009 22:56
Magrafil: a sua narrativa convoca a todos(as) a perceber que a vida se faz de surpresas a cada momento; o tempo não pára, por isso devemos tocar a vida porque fazemos parte de uma grande aventura humana. Bjos de luz, Grauninha
a formatação do seu texto atrapalha a leitura. cansa até. gosto quando você aglutina as palavras com o hÃfen. sua correção é assustadora... lispector dizia que a pontuação empregada por ela era como se fossem respiros/pulsações (se não foi isso que ela disse, a essência permanece). a pontuação empregada por vc atravanca o meu caminho enquanto leitor. isso não é incorreção, é estilo. eu tento imprimir o meu ritmo na leitura, mas não consigo. com isso, ele se torna menos fluÃdo.
Marconcine · São LuÃs, MA 21/5/2009 16:23
Estimado,
depois de muito, li teu texto. Criticamente falando (despindo), achei uma boa construção, frases bem feitas em estórias que se desdobram; começo e fim ( ao meu ver) estão ótimos. onfesso não ter apreciado muito o meio da leitura, provavelmente por não ter trasido esse novo gênero para minha vida, "meus" livros, minhas leituras. A foto também é bonita, ao meu ver sinonima, e me corija se estiver errado. No mais, parabéns, certamente temos muito a aprender com você e com as histórias dentro das histórias, como você trás.
Abraço.
Estimado,
depois de muito, li teu texto. Criticamente falando (despindo), achei uma boa construção, frases bem feitas em estórias que se desdobram; começo e fim ( ao meu ver) estão ótimos. Confesso não ter apreciado muito o meio da leitura, provavelmente por não ter trasido esse novo gênero para minha vida, "meus" livros, minhas leituras. A foto também é bonita, ao meu ver sinonima, e me corija se estiver errado. No mais, parabéns, certamente temos muito a aprender com você e com as histórias dentro das histórias, como você trás.
Abraço.
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