BORROLA E SUZIM
Raphael Reys
O episódio mais notável desse velho mecânico de motos se deu no mês de junho de 1970. Com a comemoração das festas da Serra das Araras.
Os empresários que promoviam os prostÃbulos do conjunto conhecido como Cabaré de Zé Coco, fretou-se um caminhão de paus de arara. Encheram de damas da noite e malandros, que iam faturar na famosa festa de santo do Norte de Minas.
Numa curva acentuada, conhecida como Curva da Morte, em BrasÃlia de Minas (MG), o veÃculo desgovernado, bateu numa grande pedra. Com os passageiros sendo jogados para fora.
Morreram vinte filhas de Vênus. O local ficou conhecido como Curva das Raparigas.
Borrola, com oficina montada na Rua Melo Viana, Bairro Morrinhos em nossa urbe há meio século, viajava a bordo. Dentro de um tambor de metal. Se protegendo do vento frio da chapada.
Curtindo a sua costumeira ressaca. Estando desmaiado de tanto beber. Foi projetado para fora e caiu em um monte de capim bengo. Amaciando o impacto. Ao ter seu corpo recolhido por voluntários recrutados entre os bêbados dos bares próximos, pelo prefeito local. Ao ser apanhado para ser jogado na caçamba que recolhia os mortos, acordou. Disse para os dois bêbados voluntários:
Estou vivo ainda...
Um dos voluntários, já de saco cheio respondeu:
Cale a boca - Quem disse que você está morto foi Doutor Chiquinho. Portanto vamos para a caçamba - Pois você não sabe mais do que ele que é médico...
Caindo dentro da caçamba, por cima de outros tantos cadáveres, recobrou plenamente a consciência. Pulou para fora, deu no pé. Foi para a estrada pedir carona de volta ao seu aconchego.
Já o outro mecânico de motos, o Susim da Lambreta, que na verdade era uma moto modelo Xispa. Adquiriu a sua motocicleta em 1968, já de segunda mão e conserva até hoje. Nos trinques. Atleticano doente, baixo, caucasiano, Pé Pro Mato. Ou seja, o pé direito ao andar marcando sempre doze e quinze. Na posição contra pedal.
Quando está no tráfego da nossa urbe cavalgando a sua relÃquia romântica sobre duas rodas; ao cruzar com algum carro em sentido contrário, tem que tirar a diferença. Encolhendo o pé torto e evitando possÃvel acidente.
A Lambreta que só ele e Jaime sabem consertar (nem o mecânico Borrola da Melo Viana conserta). Quebrou o seu galho na sua locomoção da selva de concreto por 45 anos.
Ele nasceu e foi batizado Wilson. Emérito morador da localidade denominada Ponte Preta. Onde ganha a vida consertando fogão e tanque de lavar roupa.
Quando moço, era assÃduo frequentador das sessões de faroeste do Cine Ypiranga. Época em que Pedro Piteira, porteiro arrochado, barrava a sua entrada alegando que o seu pé 46, na posição sempre torta, derrubava a garotada que saÃa da sessão de cinema.
Correndo feita a égua de Joaquim Surubim no Povoado Boa Sorte...
Assistia às fitas com o Bobão de Rex Alen, o cavalo de Roy Rogers, a destreza de Rock Lane. Via o branco cádmio do cavalo Silver do Zorro e a eterna perseguição do Sargento Garcia, sempre tentando prender o Zorro. E levando a pior.
Às vezes assistia a saga de Zapata, Sancho Pancho, ouvia a voz de Miguel Aserves Mejia. Encantava-se com os olhos lindos de Sarita Montiel.
Certa feita ganhou um blusão de couro que estava com o zÃper estragado. Presente do amigo eletricista Dirceu de Sansão. Como a peça era um filé de beleza, vestia a roupa com a frente para trás, evitando tomar vento no tórax enquanto pilotava pela urbe.
Em uma noite de luxúria, vestia a dita jaqueta e estava com o pandú cheio de gole. A caminho de uma noitada na boate Redondo do Zarur. Foi abalroado por um casal que transitava de carro na BR.
Esparramado no chão com a frente do bendito blusão virado para trás; o seu pezão 46 de rosca, supostamente pendendo para o lado contrário. Dava a impressão de ter torcido o pescoço e quebrado o pé.
A senhora que estava no veÃculo atropelador ao vê-lo naquela posição em que Bonaparte perdeu a guerra; nervosa com o acidente tentou socorrê-lo. Pegou o pé torto e o estava virando para dentro, buscando corrigir a lesão. À medida que falava empaticamente, dando uma de ortopedista curraleira:
Coitadinho, quebrou o pé e entortou o pescoço...
No momento do acidente, gemendo de dar dó, nosso herói respondeu em cima da bucha:
Solta meu pé que ele é torto assim mesmo - É de nascença...
E aos meus fieis leitores, declaro que os fatos aqui citados, com os acidentes e incidentes, me foram relatadas pelo sindicalista Nivaldo Feijão e o aposentado Romeu Eletricista. Eméritos componentes da turma conhecida no Bairro Morrinhos como G Cinco.
Dois tipos do interior do Norte de Minas.
Nessa caliente terra de Montes Claros onde acontece de tudo e que segundo o cronista Tião Martins: Acontece coisa que até Deus duvida.
raphaelreys · Montes Claros, MG 21/1/2016 15:50Estrela Guia...Obrigado pela ternura da sua presença...
raphaelreys · Montes Claros, MG 21/1/2016 19:56Meu amigo amado,descansa em paz.Saber que 3 dias após publicar um de seus belos textos vc nos deixa órfãos das belas crônicas.Que Deus te receba
clara arruda · Rio de Janeiro, RJ 25/1/2016 01:27A gente até vê a cena acontecendo. É muito prazeroso!
camuccelli · Rio de Janeiro, RJ 1/7/2016 17:01Para comentar é preciso estar logado no site. Faça primeiro seu login ou registre-se no Overmundo, e adicione seus comentários em seguida.
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