Aos guerrilheiros do Araguaia/1970
I
nas oficinas da noite
não se fabricam os dias
antes se talha
antes se forja
a tarja
com que se encobre a farsa
e se cala a boca
e se retalha a fala
II
nas oficinas da noite
o silêncio
e seu avesso
o grito!
a força surda
que sufoca o canto
mas que não subjuga
pelo contrário
explode
estala
III
“senhores peço licença
me ouçam com atenção
vou falar sobre o Brasil
da atual situação
do camponês cá do norte
que sendo valente e forte
ainda passa afliçãoâ€
IV
nas oficinas da noite
araguaia, xambioá, marabá
gameleiro, caiano, faveira,
a fome, a bala, o pomar
há sangue em xambioá
xadrez
saci
boitatá
e o infinito verde de silêncio e água
V
mas
e os gritos?
e os tiros?
e a morte?
nada se faz em vão!
oswaldos, tucas e aris
nunes, landins, amauris:
e todos que do sangue tentaram o sonho
há sangue em xambioá
há dores em marabá
marabalária
bala malária e ária
VI
ainda é noite e o dia tarda
Brasil
mas ainda nos restam impunes cânticos e punhais
Brasil
ainda nos restam gritos, pedras e alvoradas
Brasil
VII
“garimpeiro, seringueiro
madeireiro, lavrador
seja qual a profissão
é um povo sofredor
o vaqueiro nem se fala
o barqueiro, esse não cala
vão lutar pra ter valorâ€
VIII
nas oficinas da noite
o silêncio
e seu avesso
o grito!
a força surda
que sufoca o canto
mas que não subjuga
pelo contrário
explode
estala
IX
termino essa falação
sobre um paÃs mutilado
cemitério de nação
mas antes devo lembrar:
o corpo que aduba a terra
é a semente temporã
do dia que vai brotar
da luta por nosso chão
X
oswaldos, tucas e aris
nunes, landins, amauris
nada se faz em vão
e apesar da noite que disfarça
apesar dos tiros, dos choques
da boca que delata
ainda nos restam as pedras
os gritos
os cânticos
os punhais!
Poema escrito nos anos 70, em homenagem aos guerrilheiros do Araguaia, que, a exemplo de outros jovens brasileiros, deram sua vida pela liberdade, enfrentando a ditadura militar com armas na mão quando todas as portas foram fechadas. A eles, meu reconhecimento e gratidão. A Guerrilha do Araguaia - como ficou conhecido o movimento de resistência organizado pelo Partido Comunista do Brasil no sul do Pará - durou de 1972 a 1974 e mobilizou o maior contingente de tropas do Exécito desde a II Guerra Mundial. Mesmo assim, alguns guerrilheiros sobreviveram.
Os versos entre aspas foram retirados de uma cartilha que os guerrilheiros distribuÃam aos camponeses.
Caro Nivaldo, o poema está forte como deve ser a luta pela liberdade e a Guerrilha do Araguaia não pode ser esquecida, embora tão pouco conhecida pelos brasileiros.
Hoje, com o distanciamento histórico, porém, não vemos um verdadeiro desejo de liberdade daqueles que lutaram, mas a tentativa de instalar a tão decantada "ditadura do proletariado". GenoÃno, o traidor, tornou-se autoridade e em Xambioá, São Félix do Xingu e Marabá é tido como persona non grata. Outros guerrilheiros, não do Bico do Papagaio, mas das lutas urbanas, integram os governos Brasil a dentro e não têm demonstrado a mesma vontade de mudanças radicais que gritavam a plenos pulmões nos anos 70.
Coincidentemente, na época da Guerrilha, eu estava no Pará e por motivos que não vêm ao caso, vi de perto o que acontecia no Araguaia. Havia mais romance que siso.
(Desculpe-me a falha do comentário em local errado).
Querido Marcos,
obrigado por seu comentário ao meu poema de juventude, mas sinto-me obrigado a refletir sobre algumas coisas. Primeiro, não concordo com sua opinião sobre o GenoÃno e ex-combatentes que ocupam hoje cargos no governo. Não vivemos momentos de exceção, mas de plena democracia, com liberdade de opinião expressão, portanto não se poderia esperar dos que pegaram em armas naquele momento histórico a mesma atitude de então. A realidade é outra e exige outras formas de luta. É o que a maioria faz, com firmeza e orgulho. E, se nessa trajetória alguns cometem erros e até capitulam por motivos que não me cabe discutir aqui, são contradições do própria processo polÃtico e do nÃvel de consciência polÃtica de cada um - o que, longe de invalidar as lutas do passado ou do presente, devem ser para nós motivos de reflexão e fortalecimento dos nossos ideais. Por fim, havia, sim, muito de romantismo e idealismo na luta contra a ditadura, mas também isso não invalida o sacrifÃcio, a honestidade de propósitos, a ética e a coragem com que esses jovens (homens e mulheres, muitos deles bem-nascidos) romperam a inércia existencial a que ditadura os condenara para se doar à humanidade e à luta por liberdade - hoje deveriam ser lembrados como heróis. Um dia, a exemplo de tantos outros, a história também os absolverá. Não esqueçamos que em parte graças a eles hoje podemos aqui discutir o o caminho a seguir: se uma democracia liberal ou uma sociedade onde, além da liberdade polÃtica e de consumo, também tenhamos igualdade de oportunidades, com direito a saúde, a trabalho, a educação, à vida e (por que não?) à própria felicidade. Esta segunda hipótese tem nome - Socialismo - e é nela que eu acredito e pela qual sigo lutando, ainda que com poesia e - até - romantismo. Espero que junto com você. Mais uma vez, obrigado e um forte abraço.
Caro Nivaldo,
Seu poema é uma pérola! Tecido em meio a um momento histórico, embriagado de sonhos e esperanças, de jovens e não jovens, de brasileiros. Seu poema desperta e desponta atual e de intensa inspiração ao brasileiro de hoje. Dou-lhe parabéns a tamanha força e ousadia, num momento Ãmpar de "tarjas" e mais "tarjas".
Abraços
Meu Querido, Mestre!
Juntar-me a Marcos em comentários - que dispensa falações - solidifica o meu pensar e dilata a minha admração por tudo escreves.
Perfeito!
Abçs.
Benny Franklin
Cristiano e Benny,
ao carinhoso comentário de ambos, muito obrigado.
Abraços.
Retratos dessa vergonha que foi a anos da ditadura!
Lindo trabalho!
A luta pela liberdade,quantas vidas se foram meu querido?
Lindo teu texto,e a imagem calando nossa voz.tempo de horrores diria.parabéns!
receba o carinho dessa amiga,hoje um pouco afastada do oer.
Vó minha conta também
que torturaram e mataram
fardados nos cárceres
do estado e mesmo privados
Liberdade se conquista
quem fala desde hoje
Pode divergir da forma luta
Se vive a ditadura dos de cima
por nome democracia.
Entre essa e a dos debaixo,
sempre vou preferir,
A democracia proletária.
Tô di muito com tu, Nivaldo.
Nivaldo
Guerrilheiros do Araguaia...
Coitados os que ali ficaram até hoje, habitam ainda este chão...traumas e traumas...
Belos versos, cantos...
Um abraço
Caro Nivaldo, o seu poema, o seu canto é o canto ainda hoje da gente sofrida daqui, mudando a motivação polÃtica, mas existindo ainda a iniquidade social.
Esse é o fermento, ou antes, o vÃrus que infecta a nossa região: a grande desigualdade.
Eu presenciei quando menino, tinha 12 anos e lembro-me bem as mÃticas figuras de Dina e Oswaldão durante a repressão por aqui. Lembro-me também, e morava e ainda moro em AraguaÃna, rota dos comboios do Exército, dos longos cordões de caminhões apinhados de soldados demandando do Sul para Xambioá (126 km daqui). AraguaÃna era base, pois tinha e ainda tem um quartel da PM, para ações de logÃstica das Forças Armadas, e havia muita informação correndo à solta. Não tÃnhamos TV à época, nem jornal, nem rádio - só as emissoras de fora, mas tudo censurado - portanto a informação era oral e se desencontravam a toda hora.
Diziam que Dina e Oswaldão celebrizaram-se pela pontaria certeira, diziam que tinham muitos chineses - e não russos - nas selvas do Pará. Nos cinemas daqui haviam cartazes com fotos peqeunas de moças e rapazes procurados pela repressão.
O Exército tentava conquistar a população com ações simpáticas como, por exemplo, realizar jogos de fut-sal em quadras de colégios, entre tantas outras.
Publiquei aqui no Overmundo matéria sobre o filme de Eduardo de Castro sobre a Guerrilha do Araguaia.
Um grande abraço.
Lindo e dolorido o seu poema, Nivaldo. Que dor!
Foi preciso sofrer, foi preciso morrer, ser enterrado como semente para como semente nascer, frutificar. A esperança de liberdade, de dias melhores, de um povo feliz, morre e nasce, morre e nasce, rompe a terra, rompe horizontes, é um impulso fecundo a se renovar sem fim.
Abraços.
JJ
obrigado por suas palavras e suas memórias. Deve ter sido uma grande experiência em sua vida de menino aquela guerrilha. Conheci pessoalmente apenas uma sobrevivente, uma querida amiga que hoje mora em Minas. Mas também ouvi falar muito do Oswaldão e da Dina.
Você deveria um texto escrever sobre estas memórias de criança.
Abraços.
Brandão,
obrigado, amigo. Foram realmente momentos de luta e dor, mas também de esperança. E valeu a pena toda a resistência. Sobreviventes que somos, faço minha obrigação histórica render homenagem aos que não podem mais estar conosco. Mesmo que num simples poema.
Um abraço e obrigado mais uma vez.
Nivaldo, uma maneira bonita, embora dorida, de demonstrar o seu reconhecimento e gratidão a esses jovens destemidos que, pela liberdade, deram o que de mais precioso possuiam.
abs
......e vc escreve como se houvera tido brasas nas mãos.... E fogo no peito. Demais isso!!!
valeu o momento......cada um!
bjssssssss;
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