Cena 1
Por Hermes Bernardi Jr.
— Hoje eu vou deixá-lo. Já deixei outras vezes, e voltei. Eu não tenho vergonha na cara mesmo. Mas hoje vou deixá-lo. Para sempre. Vou abandoná-lo. Não sem antes explicar os motivos pelos quais eu o faço. E sei que o mundo vai agradecer por eu deixá-lo. E sei que vou agradecer. Meus amigos agradecerão. Já gastei muita grana com ele. Perdi horas de sono indo à banca pegá-lo em plena madrugada enquanto os seres normais dormiam tranquilos. Deixei de desfrutar da companhia de amigos verdadeiros - que não gostam dele - pra ficar encolhido com ele, no frio da sacada. Tive de ouvir "que cheiro estranho". Era o cheiro dele. E o seu cheiro fica impregnado em tudo. Ele está em tudo. Na roupa de cama, nos casacos, em minhas camisas. Nas almofadas na sala. Nos tapetes, até! Já recusaram meu beijo por causa dele, do gosto que ele deixa na minha boca quando me beija. Já devorei as unhas na impossibilidade de tê-lo. Na impossibilidade de tocar meus dedos macios em seu corpo esguio e perfeito. Ah, que corpo perfeito! Logo no princÃpio era charmoso andar com ele. Era glamour. Coisa que a TV implantou em mim. Era bonito ser visto com ele. Juntos, éramos feitos um para o outro. Mas ele, na verdade, queria me matar. Descobri ontem à noite. Na verdade eu sempre soube, mas fazia de conta que não sabia. Seu plano era acabar comigo. E o estava fazendo. Aos pouquinhos, sem que eu percebesse. Eu percebia, mas como eu disse, não tenho vergonha na cara mesmo. Houve noite em que acordei com ele me sufocando, me roubando a respiração. Depois que passei a andar em sua companhia, passei a fazer uns ruÃdos estranhos enquanto dormia. Sei disso por que me disseram. Sei disso por que ouço, enquanto ainda tento respirar, ruÃdos que os outros chamam elegantemente de "gatinho". Ele rouba minha paciência, meu dinheiro, minhas companhias, meu perfume, minha sensatez, minhas unhas, minha respiração, e muitos anos da minha vida. Então, por que ainda estou com ele? Esta foi a pergunta que me despertou pela manhã, antes que ele me envolvesse com seu jeito sedutor de se enfiar em mim, em meus dedos, meus poros, meu sangue, meu ar. E antes que ele se aproximasse, envolto em bruma, decidi: ele tem que morrer. Vou destruÃ-lo com as próprias mãos. E vou chorar. Foi uma relação de anos. Mas acabou. E precisa ser dramática a sua morte por que sou leonino. Adoro dramas! Hoje ele vai sair da minha vida, para sempre. Como num filme noir, gênero que ele gosta. Se eu não acabar com ele hoje, ele acaba comigo amanhã. (Aproxima-se do maço de cigarros. Retira o último da carteira e com a ponta dos dedos torce-o com força, estrangulando-o. O fumo escorre entre os dedos. Abandona o corpo dilacerado no cinzeiro, entre baganas e cinzas. Despeja o cinzeiro numa sacola plástica, de supermercado. Lava as mãos, retirando vestÃgios do crime. Veste sua trenchcoat alinhada. Desce ao saguão do prédio e joga o "presunto" de cinzas na lixeira, sem que ninguém perceba. Sai para a rua. Fala consigo mesmo, um clichê qualquer) — Antes só do que mal acompanhado, baby (ele atravessa a rua quando o sinal pisca verde). Amanhã matarei outros vinte que se desmanchariam em cinzas pra acabar comigo.
Hermes, gostei muito dessa narrativa, você é muito criativo, parabéns. Bom, se queres a minha sugestão, dê espaços entre os parágrafos, ficaria melhor. Ah, e tente ver alguns errinhos no texto...mas são poucos, não tiram a beleza do texto.
Um abraço!
Obrigado Isabela, só não deixo mais espaço entre os parágrafos por falta decaracteres no overmndo, mas achei ótimas suas sugestões e dei mais uma revisadinha. Se ainda houver erros, perdoe-me...
Abraços
Tchê,
Levei um susto quando a sinaleira abriu.
Achei que um caminhão ia de impedir de massacrar os demias 20.
(vou dar uma saidinha lá fora pra fumar um, que aqui também não deixam acender o pito, disse o terráqueo para o marciano, enquanto pegava um foguete pra fumar fora do planeta).
Prazer enorme em relê-lo.
Teu exemplar tá guardado.
Se quiseres, tem na Palavraria e no Margs.
Se der recaÃda, e fores ao mercado para comprar, na Banca do Júlio também tem.
Té.
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