Confissão na hora do almoço

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Maria Lúcia · Campo Grande, MS
19/1/2009 · 173 · 38
 

Era costume ir à missa todos os domingos e embora tivéssemos que enfrentar as críticas do ateu confesso que era meu avô, nunca desistíamos da obrigação domingueira.
Sua crítica era um deboche ao tanto que as mulheres se enfeitavam, usando suas melhores roupas, sapatos e perfumes para ir à igreja. Não poupava nem mesmo a sua mulher, com suas criticas ácidas e as boas risadas que dava quando todas saiam em cortejo para assistir a missa de domingo.

- Ah! Já vão para a igreja namorar o padre!

As mulheres não gostavam nada de tamanha heresia, desvencilhavam-se dos gracejos e iam convictas fazer suas orações e promessas. Além da missa no domingo, aos sábados se confessavam para poder comungar a semana inteira.
Num destes sábados fui me confessar com o tal padre bonitão, que por sua beleza e juventude despertava todas as maledicências na cabeça do velho ateu.
Ao chegar na igreja me coloquei na fila para a confissão, que não era pequena e fiquei ali esperando minha vez para contar meus pecados mortais.

- Padre eu pequei! Disse mal - criações para a minha mãe, cantei na sexta – feira santa, roubei doces da minha avó e deixei meu namorado pegar na minha mão.

O padre que já conhecia de cor e salteado a minha lista de pecados, recomendou rezar muitos padres nossos, aves -marias e salve rainhas e assim eu estava perdoada para pecar tudo outra vez.
Arrependida fui me ajoelhar bem em frente do altar e pagar minha penitência. Comecei a rezar uma a uma as muitas orações, mas como tinha esquecido de levar o terço perdia a contagem e preocupada em desagradar a Deus, recomeçava a ladainha outra vez.
O tempo passou e eu nem percebi que estava atrasada para o rígido horário de almoço, praticado todos os dias, na casa dos meus avós.
De repente senti uma mão firme e pesada que se apoiava no meu ombro, olhei assustada e vi minha mãe muito zangada com o meu comportamento.

- O que é isto Maria Lúcia? Não sabes que horas são? A muito já passou o horário do almoço e teu avô está muito bravo com teu atraso. Toca pra casa, toca pra casa...

- Eu estava rezando, não prestei atenção no relógio... Desculpando-me.

- Rezando? Mas que pecado cabeludo foi este para o padre te dar uma penitência tão pesada?

- Nenhum mãe, meus pecados são sempre os mesmos. . .

- Desta vez não, alguma coisa muito séria aconteceu para o padre te castigar desta maneira. Ele me conhece sabe que te dei educação, mas o que foi que tu fizeste?

E quase gritando foi me levando porta afora da igreja em direção a nossa casa. Nada ia fazer com que ela acreditasse em mim, só um pecado muito grave teria merecido uma penitência tão severa, era o que ela acreditava.
Naquele tempo só tinha um pecado que tirava nossas mães do chão. Minha mãe estava convicta de que algo acontecera entre mim e meu namorado tão adolescente quanto eu, e por isto estava sendo punida com tantas orações, até o ponto de me atrasar para o almoço o que não era permitido naquela casa.

- O que aconteceu, diga. . . Eu falei pra não namorar. Dizia ela quase aos prantos.

- Não, não é nada disto. Eu só contei para o padre que. . .

- Ah, Meu Deus do Céu, a gente cria uma filha com todo o carinho, para passar por uma vergonha destas. Meu Jesus o que será de mim!

Nada faria aquela mãe desesperada se calar e me ouvir, mas mesmo descontrolada dava sinais de que seu amor jamais a deixaria me abandonar.

- O que os vizinhos vão dizer? O que faremos agora?

- Mãe, não é nada disto, eu só. . . Foi lá no muro do colégio.

- Meu Deus! No muro do colégio, isto é uma desgraça. E desesperada chorava e clamava pela misericórdia divina.

Não sabia mais o que fazer para convencê-la a me ouvir e acreditar que nada tinha ocorrido entre mim e o filho da professora de Artes Manuais, ao qual ela aceitava de bom grado como um candidato com boas intenções.
Finalmente ao chegar em casa, teve que se controlar para que as pessoas não percebessem sua agitação, muito embora já devesse estar na boca das fofoqueiras da cidade que algo acontecera.
Aproveitando a mal disfarçada calma de minha mãe, consegui concluir uma frase que esperava fosse acabar com o grande mal entendido.

- Mãe, eu só deixei ele pegar na minha mão, quase deixei ele me dar um beijo, mas foi no rosto e foi lá no muro do colégio até o padre viu quando estava passando para a aula de francês. . .

- Ah. . . O padre viu? Este padre é muito moderno, não é à toa que teu avô diz “aquelas coisas” dele.

E foi entrando em casa em busca de seus afazeres.
Eu respirei aliviada, afinal tamanha exposição no muro da escola não tinha destruído a minha castidade e a minha honra.
Durante os meses seguintes fui sumariamente proibida a ficar no muro da escola com o meu namoradinho.
Eu obedecia àquela ordem prontamente e depois fora do horário da aula, fugia para trás da igreja onde andar de mãos dadas e esperar a oportunidade para alguns beijinhos era tudo. O que por certo me levaria para o confessionário do padre bonitão no próximo sábado para repetir a lista dos mesmos pecados mortais.

-- Padre, eu pequei. . .











Sobre a obra

O texto é uma referência bem- humorada sobre a angústia que assolava as mães de uma geração, que atreveu-se a desafiar e modificar os rígidos costumes de uma época, como por exemplo o tabu da virgindade.
De resto vale dizer, que virgens ou não,estas mulheres foram as corajosas pioneiras da Revolução Feminina, iniciada nos anos 60.

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Autoria
Maria Lúcia Medeiros Teixeira
Ficha tcnica
Psicóloga Clínica - Pós Graduada em Psicoterapia de Orientação Analítica - UNIDERP/IPD.
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comentrios feed

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raphaelreys
 

Os anos 60 mudaram tudoa final! O preconceito matava a liberdade de pensamento! Eu desde menino ataquei vários padres. batia pesado e era respeitado! Enfrentava de cara! Era rabo de foguete me desafiar!

raphaelreys · Montes Claros, MG 16/1/2009 16:15
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Maria Lúcia
 

Sem querer incomodar, eu adoro ir a Igreja mas principalmente quando não tem padres por lá.
Abraço

Maria Lúcia · Campo Grande, MS 16/1/2009 16:35
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crispinga
 

Malu,
Fico com vovô Adib, porque ninguém merece ficar em fila de confessionário...A não ser por um padre bonitão! rsrs

crispinga · Nova Friburgo, RJ 18/1/2009 13:07
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Rangel Castilho
 

Salve, Maria Lúcia!

Te confesso que não confesso há um tempão,
mas os pecados são os mesmos, sempre...

Muito belo texto.

Parabéns.

Abraço Pantaneiro.

Rangel Castilho · Anastácio, MS 18/1/2009 15:39
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Maria Lúcia
 

Cris minha querida!
Não esqueça que eu era adolescente nesta fila ... faz teeeemmmpooo!!
Estamos aqui eu e tua filha grudadas uma na outra, ela cada vez mais parecida conosco, e linda e tudo de bom. Parabéns e obrigada por ela.
Beijo

Maria Lúcia · Campo Grande, MS 18/1/2009 15:59
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Maria Lúcia
 

Rangel, saudade de você!
Tá vendo ... todo mundo peca sempre os mesmos pecados... por que será, heim?
Grata pelo comentário e voto.
Beijo

Maria Lúcia · Campo Grande, MS 18/1/2009 16:02
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Maria Lúcia
 

Cris ... este avô ai é o meu avô... o vovô Nico. O Vovô Adib era o meu pai, bisavô da tua filha!!
Tantos avôs um mais especial que o outro.
Beijo
ML

Maria Lúcia · Campo Grande, MS 18/1/2009 16:08
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raphaelreys
 

Meu voto e meu beijo!

raphaelreys · Montes Claros, MG 19/1/2009 17:22
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alcanu
 

Particularmente partilho da mesma opinião do saudoso Mário Quintana que dizia odiar padres e guarda-chuvas, por eles intermediarem Deus e a chuva !
Confessemos nossos pecados a nós mesmos, isso faz parte da condição humana !
Avohai !
um beijo !

alcanu · São Paulo, SP 19/1/2009 18:22
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Juscelino Mendes
 

Bons tempos em que, até os pecados, eram publicáveis...

Juscelino Mendes · Campinas, SP 19/1/2009 18:26
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  Gorete
 

Maria Lucia!
Preciso agradecer ao Raphael pelo presente; ele indicou-me seu texto para ler. Estou aqui diante da tela do PC, me desdobrando de rir, pq eu "ja ouvi e vivi esta estoria antes"!kkkkkkkkkkkkkkk
Muito divertido; valeu apena estar aqui!
Deixo meu voto e meu abraço!

Gorete · Ipatinga, MG 19/1/2009 18:42
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nina araújo
 

Publicado com alegria!
beijos poéticos,

nina araújo · Rio de Janeiro, RJ 19/1/2009 20:18
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Maria Lúcia
 

Raphael,
Você é meu mago!!
Grata por tudo.
Um beijo

Maria Lúcia · Campo Grande, MS 19/1/2009 23:12
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Compulsão Diária
 

E num é que é? Uns pecadinhos bobos que dão tanta confusão...

Compulsão Diária · São Paulo, SP 19/1/2009 23:12
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Maria Lúcia
 

Alcanu, teus comentários sempre me agradam muito.
Um viva para meu conterrâneo Mário Quintana!
Grata e abraço.

Maria Lúcia · Campo Grande, MS 19/1/2009 23:20
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Maria Lúcia
 

Muito bons tempos!!
Grata pelo comentário e voto.

Maria Lúcia · Campo Grande, MS 19/1/2009 23:22
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Maria Lúcia
 

Gorete, você me premiou com tuas risadas, era este o meu objetivo neste texto... fazer rir, o que é muito mais difícil que fazer chorar.
Um beijo querida.

Maria Lúcia · Campo Grande, MS 19/1/2009 23:29
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Maria Lúcia
 

Nina, sem alegria não tem vida!!
Beijinho

Maria Lúcia · Campo Grande, MS 19/1/2009 23:31
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Maria Lúcia
 

Cara Compulsão, e vc nem imagina o tamanho da confusão ...
Abraço e grata.

Maria Lúcia · Campo Grande, MS 19/1/2009 23:32
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Almirante Águia
 

Maria Lúcia
Só faltou dizer que o padre bonitão andava de lambreta, bebia cerveja, era italiano e acabou casado. Hoje o grande tabu é ser virgem. Padre eu pequei!

Belo trabalho.
Abração

Almirante Águia · Itaberaba, BA 19/1/2009 23:37
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Maria Lúcia
 

Caro Almirante,
Na verdade o padre era da terra mesmo.
Mas, a grande história dele é que queria ir para a Europa de jipe...
Obrigada, abraço.

Maria Lúcia · Campo Grande, MS 19/1/2009 23:45
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Almirante Águia
 


O grande pecado dele era não conhecer geografia. hehehe...

Almirante Águia · Itaberaba, BA 20/1/2009 00:00
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Maria Lúcia
 

Almirante . . . já pensou!! Esta história rendeu até música para o carnaval lá na minha terrinha.
Outro abraço.

Maria Lúcia · Campo Grande, MS 20/1/2009 00:22
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MAXXIMA
 

GOSTEI DEMAIS...CONCORDO COM TUDO..rsr...ATEH DO QUE ESCREVEU POR AKI....RSRS
PASSA NO MEU TEXTO SEMPRE PECAMOS???
PARABÉNS...VOTADO

MAXXIMA · São Paulo, SP 20/1/2009 02:44
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TÂNIA MARA CAMARGO
 

Me lembrou um Padre daqui que fugiu com uma aluna.
rsrsrsrsrs, desculpem-me os padres sérios.
Adorei! Beijos!

TÂNIA MARA CAMARGO · Jundiaí, SP 20/1/2009 08:55
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TÂNIA MARA CAMARGO
 

votado!

TÂNIA MARA CAMARGO · Jundiaí, SP 20/1/2009 08:56
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Maria Lúcia
 

Grata Maxxima
e Tânia Mara, voltem sempre!
Beijos

Maria Lúcia · Campo Grande, MS 20/1/2009 12:34
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Circus do Suannes
 

Certa ocasião, uma senhora muito carola explicava, em voz alta, a um grupo de senhoras que fulano de tal, namorado da filha, havia-lhe pedido permissão para levar a namorada a um baile. "Autorizei, fazendo-o prometer que respitaria minha filha". Cretino a mais não poder e abusando da amizade, perguntei à mãe da moça: "Mas você perguntou a ele se ele considera o ato sexual um desrespeito?"

Circus do Suannes · São Paulo, SP 20/1/2009 17:30
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Maria Lúcia
 

Boa noite Circus, lá de onde eu vim se falava que os moços faziam mal às moças ... era um tal de querer ser maltratadas... rsrsrs.
Grata pela presença.

Maria Lúcia · Campo Grande, MS 20/1/2009 23:50
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Luciano Colossi
 

Passando para olhar...

Luciano Colossi · Florianópolis, SC 21/1/2009 01:54
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Maria Lúcia
 

Seja bem-vindo Luciano!

Maria Lúcia · Campo Grande, MS 21/1/2009 02:02
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Orisvaldo Tanniy
 

Maria Lúcia.

realmente seu texto é maravilhosamente ótimo e bem elaborado.Gostei do que lí, votei com firmeza.Abraços!

Orisvaldo Tanniy · Teresina, PI 21/1/2009 10:18
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Maria Lúcia
 

Orisvaldo, você me dá uma grande alegria com teu comentário.
Continue me acompanhando por aqui.
Abraço

Maria Lúcia · Campo Grande, MS 21/1/2009 17:12
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Cintia Thome
 

Muito bom mesmo, quando eu me confessava eu dizia que havia pecado e ia com uma lista de coisas hoje absurdas, como "eu olhei para um garoto", eu não comi todo jantar , não fiz a lição de casa e etc...mas eram mentiras, pois eu não tinha pecado, mas se a imposição era grande de confessar, eu mentia e pronto...talvez este tenha sido o pior pecado, mentir que eu tinha pecados só para satisfazer a famíli a ou o padre e rezava para nada...cadê a remissão dos pecados?rs
Na época era tão sério essa vigilância que eu com 10 anos, fim dos anos 60,nas aulas chatas para preparação
para o dia da Comunhão eu entrei na igreja com um chiclete na boca e fui suspensa, ou seja, expulsa da igreja por uma madre por dois dias...existiam mais loucos que hoje, uma moral podre... havia muita maldade e também abuso de poder.
E quanto a imaginação que os outros tinham do que vc havia feito ou não era muito doido pois pouco podiamos abrir a boca para nos defender ou explicar...os olhos dos adultos já eram de censura pra nós...para calar a boca mesmo.

muito bom mesmo.

excelente.
ab

Cintia Thome · São Paulo, SP 21/1/2009 19:41
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Maria Lúcia
 

Cara Cíntia, parece que somos contemporâneas, vivenciamos as mesmas barbaridades sustentadas pelas Igreja's e uma moral de cuecas onde o macaco nunca olhava para o rabo, o lema era " faça o que eu digo,mas não faça o que faço"... mudou muito, mas ainda se vê coisas absurdas impostas por esta sociedade desigual e caótica. Como se diz, feio é corrupção, criança com fome, velhos abandonados, as filas na saúde pública, a educação e etc. . .
Muito grata por tua empatia. Abraço

Maria Lúcia · Campo Grande, MS 21/1/2009 23:48
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Angela Lara
 

Menina Maria Lúcia, que bom que muitas destas coisas mudaram, sim! Texto bom, repleto de imagens ! Parabéns ! Lido e votado...

Angela Lara · Porto Alegre, RS 26/1/2009 00:43
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Maria Lúcia
 

Olá Angela Lara,
Obrigada pelo "menina" saudade daquele tempo!
E, saudade de Porto Alegre, da minha terra adorada, logo ali.
Mui grata pelo comentário carinhoso e pelo voto.
Abraço apertado conterrânea

Maria Lúcia · Campo Grande, MS 26/1/2009 02:39
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Tania Velázquez
 

Esses pecadinhos e a falta do rosário renderam boas gargalhadas, porque lembrei do que nós fazíamos a esse pobre padre, quando minha mãe tocava violino nas festas da igreja e nos levava com ela.
Sim, levava, porque depois do que aprontamos, o padre nos proibiu de entrar lá. A nossa companheira de aprontações na igrejaera a Ana Lúcia Gómez.
Fiz um post sobre isso, há alguns anos e vou procurar, pra você ler.
Foi assim que a Ana La-Rocca me encontrou: lendo as malvadezas que fazíamos com o padre que nos castigava por coisas que nem eram pecado...

Tania Velázquez · Curitiba, PR 20/4/2009 20:54
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