I
As nuvens de setembro cobrem Nova Iorque
E muge em bronze o touro de Wall Street
E abre suas asas em vão a águia imperial.
Subprimes explodem como tulipas de pixel
São moedas de bile em uma bolsa de fel.
De súbito a vida é apenas uma hipoteca
Presa na jaula aberta de um Tigre de Papel.
II
Oh, musa Liberdade, colosso de silêncio e cobre
Que Emma Lazarus chamou de Mãe do ExÃlio,
Por receberes multidões famintas como filhos,
A chama de esperança que na tua tocha ardia
É hoje falsa como tulipa em aquarela de Redouté
Como um aurorescer chuvoso que esconde o dia.
Em Wall Street, a vida é um jogo na mão do crupiê!
III
Oh, Leviatã de asas, PrÃncipe do Apocalipse!
No estuário árido das metáforas o poeta busca
E sua busca é como a luz da lua num eclipse:
Ilumina pelo avesso e, mesmo escura, ofusca.
O mundo é um cassino e já não nos serve a sorte
Pois não há mais Las Vegas, Mônaco, Nova Iorque.
Apenas o guizo de uma serpente anunciando a morte.
IV
Após quatro séculos, o futuro ainda é windhandel!
Mas a guilha agora é de tijolo, cimento, ferro e aço.
E sob o luar da noite setembrina na nova Amsterdã
Rondam sonâmbulos michês embriagados de céu:
Deuses do mercado, banqueiros, executivos, CEOs
Hipotecando a vida, financiando a morte num abraço,
Como se plantando fome no campo vazio do amanhã.
V
Definitivamente já não existe manhã em Wall Street!
A aurora foi aprisionada na alma dos heróis em riste
Nos bancos sem jardins, no que não é mais presente
No pranto global dos miseráveis, nos sorrisos tristes.
No jogo aleatório dos dados, no DNA do último grão.
Só metáforas insistem em fazer a vida transcendente
Enquanto a morte compõe seu réquiem à civilização.
1. O poema é uma tentativa de apreensão e compreensão da atual crise capitalista, cujos efeitos podem ser devastadores para os trabalhadores, os pobres e os miseráveis do mundo. No passado, outras crises nasceram da irracionalidade capitalista, como a de 1929 ou a Crise das Tulipas, no século 17, que gerou o estouro de uma grande bolha especulativa na Holanda. A partir da mania de comprar tulipas, o preço do bulbo da flor atingiu preços inacreditáveis. Alguns chegavam a valer o preço de muitas toneladas de trigo. O caso é estudado nos livros de economia como um exemplo da irracionalidade dos mercados.
2. Emma Lazarus, poetisa norte-americana autora de O Novo Colosso, soneto inscrito numa placa de bronze na base da Estátua da Liberdade.
3. Redouté, Pierre-Joseph (1759-1840), pintor francês célebre por pintar flores em aquarela.
4. A expressão windhandel (negócio de vento) era usada para traduzir a especulação com tulipas em Amsterdã.
Pungente!
Soberbo!
Tiro no escuro!
Poema-águia em levante de vôo rasante.
Enigática tocha, sempreterna, hoje vitoriosa, rediviva, para que seus sem-falas possam iluminar/festejar novos dias;
novos rumos.
De prima, Nivaldo!
BelÃssima "pintura" do quadro atual ,caro Nivaldo. Música e poesia são "tintas" que têm a capacidade de transformar as mazelas humanas em arte. Isso se bem manipuladas por um "pintor" competente. Você usou magistralmente a "poetinta".
Parabéns,
LC
Você registra a crise atual de uma maneira surpreendente. Muito bom.
abs
Nivaldo, me espanto com essa sua capacidade de transformar tédio em melodia. Bom, em se tratando do seu tema, tédio não seria bem a palavra...
beijos
Momentos tensos, tristes, repudiantes e em sua escrita pura poesia, anunciando desde o dia 4 de novembro/2008 que "Temos um sonho" a ser realizado breve, mudanças, esperança renovada.
Diante desse caos, onde só vemos loucos a nos enlouquecerem...podÃamos ter uma virada drástica nesssa lama toda criada...
Um beijo
Que lucidez para um poeta! Quem escreveria sobre o tema com a pena tão pesada e leve ao mesmo tempo? Acho que val ler mais textos e poemas seus. Parabéns.
Angélica T. Almstadter · Campinas, SP 8/11/2008 19:54
MagnÃfico poema desta realidade que invade os versos, em retumbantes imagens.
Imenso libelo, admirável!
Beijos admirados.
extraordinário, parabéns.votado.
O NOVO POETA.(W.Marques). · Franca, SP 10/11/2008 16:51
Espetacular!!!
Quanta expressividade e força em seus versos, meu caro!
As lágrimas da Liberdade estão duras como sua própria estrutura, incapaz de socorrer seus filhos; e a águia imperial... retinta e fétida, parece viver seus dias de urubu -- devora seus próprios membros e parece já não ter mais as asas de sua mãe!
Bravo!
Abraços,
Carlos ETC
http://interludios.blogspot.com
Amigos,
obrigado pelos generosos comentários e me desculpem por não respondê-los antes e individualmente, como merecem, mas estive o dia todo sem internet e só agora ela retornou - quando eu já estou de saÃda do trabalho. De qualquer forma, queridos Benny, Luciano, Sônia, Ilha, Cintia, Agélica, Saramar, W. Marques, Paulo e Carlos, muito obrigado. Aos que ainda não conheço o trabalho, amanhã os visitarei com mais vagar. Abraços.
muito bom como você expressa...
parabéns.... votado.
Odirlei e Adroaldo,
muito obrigado pelos comentários.
Abraços
Olá amigo Nivaldo,
Um retrato da triste realidade atual, construido em belos versos, amigo. Meus sinceros aplausos e abraços.
Carlos Magno.
"O mundo é um cassino e já não nos serve a sorte"
Mto reflectivo...obrigada por enriquecer meu espirito com perola de tamanha grandeza!
bjsssssssss;
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