Júlio era o que se podia chamar de um rapaz empreendedor: com apenas vinte e quatro anos, montou seu próprio negócio. Ainda morando com os pais, um casal bonito, saudável e bem-estruturado de classe média, ele ampliou o próprio quarto, comprou um carro, saÃa nos fins-de-semana com os amigos. Júlio era um rapaz feliz.
Um dia, porém, a rua amanheceu com as sirenes da polÃcia. Durante a madrugada, Júlio matou os pais a golpes de barra de ferro e facadas. Pelo menos quarenta em cada corpo. O que restou foi queimado.
Nos primeiros dias, Júlio negou, chamou um advogado. A alegação da defesa era a de que ladrões haviam invadido a residência. Não havia uma prova que confirmasse isso.
Não adiantando mais, mudou-se a estratégia. Nova alegação: perda súbita da sanidade, motivada por violenta emoção. Para justificar isso, tudo foi aventado: os pais viviam brigando, o pai tinha uma amante, a mãe também, ele apanhava quando criança. Nenhuma dessas hipóteses foi confirmada.
Mas o advogado era bom. Júlio foi condenado, mas pôde cumprir a pena em liberdade por ser réu primário.
Hoje, Júlio é o que se pode chamar de homem de visão: seu pequeno negócio prosperou, ele hoje é dono de uma grande cadeia de lojas, e ainda encabeça uma ONG cujo objetivo é lutar contra a violência urbana. Júlio é um homem feliz.
Não existem crimes perfeitos e sim leis imperfeitas...
Esse texto é de uma cruel realidade.
Só lembrar caso Richthofen......
Este aqui foi escrito antes, baseado noutro crime que abalou São Paulo. É de uma ironia cachorra.
Fábio Fernandes · São Paulo, SP 31/10/2006 20:23
São arquétipos, Fábio...
E criados por quem ?
A vida os cria, Rangel. Eu apenas os catalogo - como metáforas do cotidiano, evidentemente.
Fábio Fernandes · São Paulo, SP 1/11/2006 08:40
...e o Pequeno Dicionário de Arquétipos de Massa vai, aos poucos, deixando de ser tão pequeno assim.
Gostei muito, Fà bio. Se Foucault tentava relativizar o conceito de loucura enquanto criado pelo saber médico que pretensamente o cataloga, parece-me que com o crime não é muito diferente.
O tribunal cria, em um espetáculo muitas vezes praticamente televisionado, um - digamos - arquétipo no qual enquadrar o réu. Publicidade gratuita, muitas vezes.
Lembro-me da tal Richthofen e dos Cravinhos; a luta entre a promotoria e a acusação não era exatamente sobre o crime em si - mas sim em relação à intencionalidade, justificação e "razões" do crime. Eis que desenhavam arquétipos diferentes nos quais os réus deveriam se encaixar.
O problema é que, para definir a culpa de alguém - e somos viciados em arrumar culpados -, sempre apelamos para suas motivações (quando, para a vÃtima, isso não faz a menor diferença).
Estou perdendo o foco - terminarei logo e de forma tradicional:
"Belo texto. Abraço".
cara, fábio, tá ficando demais isso. tem que reunir tudo num só volume. eu, particularmente, gosto mesmo é do objeto livro. é um vÃcio. gostaria muito dessa coleção de pérolas. cara, que simplicidade, que escrita clara, sem firulas, mas de uma qualidade impecável. quem disse que precisa rebuscar? parabéns. quanto ao tema...
eduardo ferreira · Cuiabá, MT 1/11/2006 17:44Pois é, Pedro! E não é que Foucault (junto com Deleuze e Barthes) é um dos meus philósofos preferidos? Estou estudando-o para o doutorado, aliás.
Fábio Fernandes · São Paulo, SP 1/11/2006 18:17
Valeu, Eduardo!
Na verdade, desde 2003 o Pequeno Dicionário É um livro. Ele tem 75 "verbetes", e já foi encaminhado para várias editoras, do Rio, de Sampa e de Curitiba. Todas recusaram.
Que dizer? Quais são os parâmetros de hoje para definir felicidade, crime, insanidade, tragédia, justiça?
Abraços!
É, Ana, parâmetros não existem mais. Quem balizar nos há-de?
Fábio Fernandes · São Paulo, SP 12/11/2006 12:50A felicidade cÃclica de Julio é que me fragmenta inteira.
cris gonzalez · Rio de Janeiro, RJ 20/12/2006 16:03Para comentar é preciso estar logado no site. Faça primeiro seu login ou registre-se no Overmundo, e adicione seus comentários em seguida.
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