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Dilema

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Kasinsk · Embu, SP
3/10/2008 · 81 · 4
 

Eu estava decidido a partir. Mas não sabia para onde exatamente. Fechei o livro, marcando a página lida, e guardei-o na mochila que meu tio me trouxera da Ãndia. Mas no fundo eu sabia que ele nunca tinha ido à índia. A terra de Ghandi. Um homem extraordinário. Quisera eu ser também um homem extraordinário. Mas não tinha a menor idéia do que fazer ou deixar de fazer para ser esse homem extraordinário. Ghandi talvez nunca tivesse a dúvida de partir ou não partir. Um homem extraordinário não tem dúvidas. Ou tem? Não; não tem. Nesse instante, o que eu mais temia era que o trem aparecesse e eu tivesse mesmo de partir. Ou não partir, e aí é que não sei definitivamente se seria pior. Ghandi não teria tamanha dúvida. E nenhum outro homem extraordinário. Por essa e outras coisas é que eu jamais seria um homem extraordinário. Um homem que não decide não poderá sê-lo jamais. Súbito, ouvi o apito do trem e estremeci por dentro. Encolhi o estômago com a horrível sensação de ter de decidir. Mas para onde? Para onde partir? Voltar é que não daria mais. Não? Não. De jeito nenhum. A partir do momento que eu disse que não olharia para trás, estava decidido. Eu-não-olharia-para-trás. O trem estava mais próximo, e cada vez mais próximo. E como parecia mais veloz desta vez! Avançava em minha direção como o monstro das fantasias infantis. Era hora de levantar-se. E partir. O trem chegava. Mas as pernas covardes me retinham no banco frio de pedra. Ocorresse-me algum nobre pretexto para ficar e eu ficaria, ali, inerte, à espera do próximo trem, na espera que ele nunca aparecesse. Que estupidez! Eu precisaria partir, mas não tinha a coragem necessária para fazê-lo.
Francine estava prestes a encontrar o amor de sua vida, depois de quarenta anos de ausência. Ela tinha personalidade. Apesar da grande mentira, ela sempre teve no íntimo a certeza de que ele estivesse vivo. O amor verdadeiro sobrepujou a grande mentira. Agora ela corria ao seu encontro. Haveria de encontrá-lo num estábulo, sem memória, sem história, sem ter para onde voltar. O trem em que ela estava parecia não sair do lugar. Parecia que a ansiedade o retardava. E eu não poderia perder aquele encontro. E
devorei as páginas seguintes com a voracidade de um débil mental. Senti meus olhos umedecidos. Francine reencontrou Michael. E eu? Bom... eu nem percebi que o trem havia passado. E eu não iria esperar o próximo. Besteira não querer olhar para o passado. Há coisas ou pessoas muito vivas no passado, esperando por nós. Fui correndo de volta para o meu passado, decidido a borrar com nossas lágrimas todos os equívocos que por ventura tenhamos cometido. Francine era a heroína do livro que eu estava lendo. E eu decidi que poderia ser um homem extraordinário mesmo regressando.


“Viver é sentir-se fatalmente decidido a decidir, e mesmo não decidir é uma difícil decisão.†Algum filósofo já dissera isto. Talvez não com as mesmas palavras. Mas dissera.

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Compulsão Diária
 

é extraordinário mesmo o homem que repensa sua escolha!
gostei do texto
(obs: talvez não seja necessário linkar o texto todo, perdi a edição qdo seria o momento adequado pra sugestão. sorry!);))

Compulsão Diária · São Paulo, SP 2/10/2008 08:16
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Kasinsk
 

Concordo plenamente com você, Compulsão, mas é que quando dei por mim, já tinha ido. Foi um lapso, você entende. Um abraço!

Kasinsk · Embu, SP 2/10/2008 21:11
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O NOVO POETA.(W.Marques).
 

belíssimo texto.votado.

O NOVO POETA.(W.Marques). · Franca, SP 3/10/2008 19:27
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Doroni Hilgenberg
 

Belo texto.
tem decisões que de tão dificeis,
são dilemas que se prolongam por anos.
bjssss

Doroni Hilgenberg · Manaus, AM 6/10/2008 20:56
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