Do escrever

Escrevo-me. Faço-me palavras como alguém que lê em voz alta um livro somente para dizê-lo. Demoro-me para ser mais, melhor, rumo à eternidade.


O que seria do escritor se não tivesse para si um tempo de divagação, um momento que fosse? Eu, escritor orante, não seguro a pena da minha mente; a pena flui quase que contra minha vontade, desperta pelo suspiro calmo do meu descanso ao deitar os olhos no escuro, mão em riste ao queixo, coração ameno e felicidade na alma. Sinto por meus pensamentos aquilo que me é dado, sem mais ou menos, e pela escrita retrato tudo o que posso, como posso, para fazer-se oração às pessoas. Tentar mudar o que me é dado a sentir é como fazer Alberto Caeiro gritar à árvore "levanta-te!" e à pedra "seja outra cousa!" - não ouso forçar minha Natureza assim como Alberto não se faz sentir mais do que Ela própria.

Sendo assim, escrevo-me. Faço-me palavras como alguém que lê em voz alta um livro somente para dizê-lo. Demoro-me para ser mais, melhor, rumo à eternidade. Quando vejo, vejo apenas, e a visão e a memória das coisas passam como um suspiro; mas quando escrevo permaneço, pois escrever é demorar-se, é dar mais tempo às coisas momentâneas, é descrever em páginas o que se desmancha em segundos. Assim, tendo ao Eterno.

Escrevo porque não tenho escolha. Escrevo porque as pessoas assim o precisam, o ofício assim o exige, porque assim mo acontece. Por mim, sentia só, em música sem verbo, sorriso sem fala, os olhos apertados de alegria.