Que ela era uma negra bonita e vaidosa, isto era possÃvel notar no primeiro olhar. Mas que não lhe chamassem de negra, a não ser que quisessem comprar uma briga daquelas. Tinha pai negro, mãe mulata, e uma avó Ãndia que - segundo ela se lembrava e contava aos filhos - tinha sido pega no laço. Mas por um espÃrito de altivez além da compreensão dos seus iguais, tinha horror à simples idéia de que se casaria com um daqueles primos da famÃlia, todos de cor mais carregada que a dela própria. Afinal Franca era fruto de uma mistura que lhe clareara a pele levemente, e nada lhe impedia de sonhar com um marido branco. Sim, pois queria um branco e de preferência com os olhos azuis.
Tanto Franca enjeitou pretendentes da sua cor, e tanto pediu a Deus, que achou o tal branco. Ele era português legÃtimo, assinava Andrade, tinha pele clara, olhos claros e um jeito sedutor. Estava perfeito para os seus sonhos de moça do interior, criada em fazenda. O detalhe que ninguém sabia, é que ele tinha também um defeito que arruinaria o casamento dos dois anos depois: era viciado no jogo. Mas nesta época ela não tinha olhos pra isto. Queria era casar, bater asas, e voar. De preferência, cuidar de sua vida em outra cidade. Assim fez, contrariando a famÃlia. Com o passar dos anos, e os quatro filhos que vieram, Franca se achou sustentando a casa sozinha, na máquina de costura que martelava noite e dia, varando madrugadas para cumprir os prazos e entregar as encomendas. Eram muitas bocas para alimentar, três moças e um rapaz para vestir. O marido português, chegado à bebida, ao jogo e à s mulheres pouco aparecia. Quando vinha era para dar trabalho, e sem nenhum dinheiro que a ajudasse a tocar a vida.
Foi por isto que, decidida como no dia que avisou aos pais que ia se casar, Franca deu o ultimato. Chamou o compadre, amigo e padrinho de casamento para uma conversa:
- Seu Olavo, mandei lhe chamar aqui por que preciso de um seu favor.
- O que é Dona Franca? – respondeu o senhor já idoso, e sempre solÃcito.
- Diga a Manuel que junte suas coisas e se mude desta casa. Não preciso de marido beberrão dando mal exemplo aos meus filhos.
- Mas Dona Franca, pense bem... – suspirou o amigo do marido que ela já não queria mais – mulher sozinha, sem um chapéu dentro de casa, com filhos para criar...
Ela interrompeu a ladainha, já conhecida.
- Sozinha já vivo seu Olavo, e meus filhos sou eu quem crio, sentada dia e noite nesta máquina de costurar. Já me decidi.O senhor é o padrinho. Vai me atender?
- Olhe Dona Franca, eu não tiro sua razão. Se já está de caso pensado, pode ficar tranqüila. Chamo Manuel pra conversar.
E assim se deu a separação. Sem brigas. Silenciosa. O marido que lhe tinha sido tão caro, motivo de brigas homéricas com a famÃlia, foi-se embora. Depois dele, outros homens vieram. Mas agora Dona Franca não era mais a menina cheia de sonhos. Era a mulher batalhadora. Dona do seu destino e do seu corpo, os homens entravam e saÃam de sua vida quando ela queria. Para constrangimento das filhas que foram crescendo em meio a uma sociedade interiorana, moralista e conservadora, e cedo aprenderam a ver a mãe com os olhos “dos de foraâ€. Mas isto foi mais tarde. Naquele tempo, logo após a separação, sua vida era trabalhar com força redobrada.
Da necessidade nasceu a invenção, e da máquina de costura Dona Franca passou à dona de pensão. Ali punha as filhas para ajudar na arrumação. Soltos pela vizinhança, filhos de alguma mãe sem marido, devagar iam chegando os mais necessitados que ela própria. E foi assim que ela se viu criando os meninos e meninas que não eram propriamente seus. Valdir, o Vino, Maria, Lenita, Marialva, Kátia e tantas outras que se sucederam. Eram meninos e meninas negros em sua maioria, famintos e maltrapilhos quando chegavam (...)
Roberta, maravilha de capÃtulo (conto). Saboroso, instigante e sedutor, do começo ao fim. Só que você o postou como música. Veja aÃ.
Beijo grande!
rs... nem acredito Cida, é a pressa, já vou mexer!
Roberta Tum · Palmas, TO 9/4/2007 16:52
Roberta... muito bom!
abraços!!!
Oi Célio, gostei que tenha te agradado!
Abração!
Adorei, Roberta!
:-)
Muito bom. Aliás, como todos os seus textos.
Fê, obrigada pela leitura, fico feliz que vc gostou!
Tacilda, esse é o núcleo brasileiro da história, ele vai crescendo aos poucos, vc que está acompanhando a estória toda vai reencontrá-los mais adiante. Beijo. Obrigada pelo carinho!
Bruna, valeu pela passagem e pelo comentário! Obrigada!
Que bela estó Roberta! adorei este teu conto. Maravilha mesmo,parabéns pelo trabalho.
Carlos Magno.
Carlos, Pri
agradecida. O gostar de vcs é importante!
Bj
Muito bom, legal mesmo. O cotidiano é mesmo sempre a maior riqueza da poesia.
Hélio Filho · São Paulo, SP 15/7/2007 15:21
Roberta:
Haverá uma segunda parte? fiquei com um gostinho de quero mais.
Elizete
Roberta,
DelÃcia de prosa. Parabéns, gostei muito.Abs
Hélio, te agradeço a gentileza do comentário!
Elizete, "As irmãs e seus destinos" é sequência destes, e outros virão.
C.E.P, obrigada pelo elogio. Venha sempre!
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