Algumas coisas o sujeito nasce sabendo. Osmar sempre soube que seria médico. Desde sempre, quando ouvia a clássica : " O que você vai ser quando crescer?", respondia: "Médico."
É preciso dizer que estudou muito, também, desde sempre. Aos 10 anos matava aula de desenho para ir ao consultório do Dr. Nepomuceno decorar os fármacos. Aos 12, já havia lido mais livros sobre primeiros socorros do que seus amigos de escola liam gibis. Seria médico, não havia dúvida.
Estudou com afinco, até os dezessete anos, quando passou no vestibular. E de primeira. Queria tanto aquilo que a certeza era a de que nada poderia evitar o absolutamente inevitável, pensava. Ou quase. Mas, o certo é que nem mesmo seu genitor, Dr. Osmar Pai, foi capaz de dissuadÃ-lo.
Dr. Pai era advogado , banca vastÃssima, bem conceituada. Imaginou, ao ver o filho pela primeira vez no berçário, deixar como herança ofÃcio e nome bem construÃdos. Mas o infeliz quis ser médico, e a mãe queria o infeliz feliz. Não houve conversa. Entrou para cursar medicina. E o Dr. Pai do Dr. Filho único calou.
Osmar , o filho, venceu as primeiras semanas de trotes na faculdade em disciplinado silêncio. As humilhações passadas na mão dos colegas em nada abalaram sua força interior. A certeza o compelia a esperar pelo melhor : as aulas e um sonho a realizar: o diploma. O diploma e um sonho maior : a cirurgia.
Numa manhã quente de fevereiro, porém, uma coisa obscureceu dezessete anos de certeza absoluta. Ou quase. Osmar Filho descobriu, depois de alimentado o sonho de uma vida inteira, que não suportava as aulas do laboratório de anatomia. Os cadáveres a dissecar, o formol, os crânios, os órgãos internos guardados em potes que lembravam os de geléia... Aquele conjunto lhe causava um mal estar insuportável.
A primeira aula foi assistida depois de fixar um ponto na parede e não tirar os olhos de lá. O professor não notou por causa dos óculos e suas lentes grossas, mas Osmar verteu um pranto invisÃvel enquanto convencia-se de que apesar da dificuldade, seria médico, sem sombra de dúvida. Será?
Daquele dia em diante, a certeza deu lugar à tristeza ; profunda decepção. Osmar, o filho, sentia-se massacrado pelo peso do que entendia ser sua própria incompetência. As aulas tão idealizadas transformaram-se em pesadelos dos quais não era possÃvel acordar antes do final. Eram precisos muita concentração e óculos escuros para participar dos debates.
Desde então, nem mesmo ao açougue Osmar ia sossegado. Ao olhar as carnes penduradas saÃa correndo aos engulhos dizendo que tinha esquecido de dar um telefonema. Passando a vegetariano, estudou com mais afinco do que antes. Invejava os demaisw alunos, tão em paz com o sangue, as vÃsceras, a pele fria.
Torturado, Osmar, o filho , prosseguiu em seus estudos desenvolverndo técnicas de autocontrole que fariam inveja a psiquiatrias experimentados. Ao final do segundo ano, transitava, já sem suores, pelos laboratórios. Aprendeu a suturar. Emagreceu por nada parar mais no seu estômago, nem mesmo a clorofila. Osmar, o filho era teimoso e encontrava consolo no fato de que existiam, afinal, disciplinas que dominava sem enjoar. Psicologia médica e farmacologia passaram a ser a razão de seu viver juntamente com a obsessão em tornar-se cirurgião.
Tropeçou. Passou mal enquanto estudava um fÃgado. Pediu desculpas e saiu cambaleando com a face esverdeada. Se alguém notou, não comentou. Osmar, o filho, andava sempre esverdeado. O susto maior, contudo, foi a brincadeira feita por um colega de da Anatomia, o Adamastor. O futuro doutor colocou um braço na mochila de Osmar que desmaiou quando encontrou o membro gelado junto do seu notebook. Nunca mais foi levando a sério e o apelido Donzela o seguiu até o fim do curso. Mas fim é algo que sempre chega. E na formatura a mãe orgulhosa chorou copiosamente enquanto Dr. Osmar, o pai, assistia ao fim do seu sonho. Dr. Osmar, o filho, conseguira o canudo e uma vaga na residência de cirurgia em um grande hospital .
Passou pelo novo curso sem sobressaltos. O vegetariano Dr. Osmar Filho conseguiu , aos 26 anos tornar-se cirurgião geral. Realizou, durante um ano, cirurgias de emergência e salvou algumas vidas. Ao fim do ciclo solar de 365 dias, Dr. Osmar, o filho, matriculou-se em outro curso de especialização por mais dois anos.
Hoje, até mesmo Dr. pai precisa admitir que o infeliz é feliz. Pendurados na sala de espera de seu consultório, estão algumas gravuras de Gauguin e o diploma de médico. A placa na porta diz: Dr. Osmar Filho - homeopata.
Vanessa.
que conto menina,
a força de vontade sempre vençe,
embora não na mesma area.
e o conto prova também que a teoria
é uma coisa e a prática é outra.
bjss
sensacionaaaal vanessinha
grande tendência ao deboche sutil
e grande domÃnio sobre o texto, digo, sobre o leitor que lê o texto!
e aproveitando a doroni e mixando com cora coralina
- na prática a teoria é outra!
Pelo menos ele conseguiu. Quantas pessoas conhecemos que conseguiram ser aquilo que diziam que seriam quando adultos? Eu mesmo não sou o que desejava, confesso.
Marcos Pontes · Eunápolis, BA 28/11/2008 16:21
Vanessa Anacleto · Rio de Janeiro (RJ)
Dr. Filho
Um Texto bem feito e até gracioso mas, vocé nos manteve até o final preocupados com o jovem Médico e a sua Felicidade que afinal cfoi construida brilhantemente com luta árdua e vitoriosa.
Um Tema Marcante e difÃcil mas, que foi desenvolvido com Maestria e Sucesso.
Parabéns.
Abracáo Amigo
Aqui apreciando beleza de texto!
Tenha um feliz Natal e próspero 2009... jbconrado
Amigos, obrigada pelas palavras de incentivo!
Vanessa Anacleto · Rio de Janeiro, RJ 8/12/2008 11:46
Vanessa, que conto bacana!
Muito bem elaborado, prende a gente até o final...
Acabei lembrando de mim mesma, a vida inteira segura por jornalismo e hoje me desviando tanto do caminho...
Muito bom, parabéns!
Beijos,
Aube.
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