Eu conheci um garoto cuja história vou-lhes contar. Este garoto vivia junto a sua família num bairro da periferia de São Paulo. Émerson era o seu nome. Ele, igual a todos os meninos de sua idade, adorava brincar com os amiguinhos. O tempo foi passando e Émerson foi crescendo, bem isto é um fenômeno natural, porém para Émerson a coisa foi um pouco diferente.
Conforme ele crescia, crescia também, e de forma bastante avantajada, seu nariz. Esta parte de seu corpo cresceu tanto e tão rapidamente que o menino virou motivo de chacotas. Dias após dias ele voltava para casa depois da escola chorando, pois os colegas haviam passado todo o intervalo a zombar de seu narigão, até mesmo durante as aulas ele podia perceber os olhares e risinhos zombeteiros. Na rua, onde brincava com os vizinhos depois das aulas a coisa também não era diferente. Émerson chegava em casa muito chateado e abatido dizendo aos pais que não queria mais voltar para a escola e tampouco brincar na rua. A mãe o acolhia e o aninhava em seu colo, conversava longamente com o filho dizendo que não prestasse atenção a tais conversas, pois certamente seus colegas não faziam isto por mal, no fundo eles gostavam dele e só diziam estas coisas porque ainda não haviam aprendido a aceitar as pessoas como elas são, e que também não sabiam que as aparências não demonstram quem realmente nós somos, e o que importa é o que vem de dentro de nossas almas e de nosso coração. O garoto, depois destas conversas, sentia-se melhor e aos poucos ia se acostumando com a situação. Um dia, porém Émerson chegou em casa mais triste e cabisbaixo que de costume, tomou seu banho, e no jantar quase não tocou na comida, terminada a refeição escovou os dentes e foi imediatamente se deitar. O pai percebendo a melancolia do filho foi até seu quarto para uma conversa. Contou-lhe como fora seu dia, o que fizera de diferente e disse que tinha uma surpresa: o doce preferido do filho, mas, nada do garoto se animar. Perguntou-lhe então, muito sutilmente, o que havia acontecido que o deixara tão triste, ao que o menino, em lágrimas respondeu: - Hoje, papai, foi o último dia que eu saí para brincar com meus amigos. Ah! E também nunca mais vou a escola!
- Mas o que aconteceu de tão grave que o deixou assim, filho?
- Sabe o Marquinhos, pois então hoje, até ele me chamou de narigudo. – Marquinhos, o pai sabia, era o melhor amigo de Émerson, os dois viviam juntos e sempre se uniam nos momentos difíceis para defenderem um ao outro. O pai conversou, aconselhou e orientou o filho, porém percebeu que seu olhar permanecia melancólico. Por fim, após o garoto adormecer, o pai retirou-se do quarto pensando: - “Amanhã ele acordará melhor e esquecerá um pouco desta mágoa...”
Émerson adormeceu. Mas estava tão impressionado com os acontecimentos do dia que teve um sonho muito longo... No sonho, ele brincava com os amigos, quando todos passaram a dizer aquelas coisas horríveis: -“Olha o narigão dele. Hei! Ladrão de oxigênio. Parente do pica-pau. Voa tucano, voa..." Ele saiu correndo e chorando, e correu tanto, mas tanto que de repente passou a não reconhecer mais o lugar onde estava. A paisagem era totalmente diferente e aliás, muito mais agradável, com belos jardins e lagos ladeados por lindas árvores que se refletiam como se fosse um enorme espelho. Ele então passou a caminhar mais serenamente e a observar que as pessoas que por ele passavam eram todas muito simpáticas e tinham uma coisa em comum. Um nariz tão grande quanto o dele. Após algum tempo passeando por aquele paraíso resolveu puxar conversa com um garoto que parecia ter a mesma idade que ele e que estava brincando de atirar pedrinhas ao lago. Mas Émerson estava tão ansioso que despejou-lhe um turbilhão de perguntas. – Olá, meu nome é Émerson, que lugar é este? Porque aqui todas as pessoas têm um enorme nariz? Há nesta terra alguém que tenha um nariz normal?
O garoto atônito com tantas perguntas, respondeu que ali todos eram “normais” e que seus narizes não eram grandes, inclusive eram do mesmo tamanho do de Émerson. Porém, sem prestar muita atenção, Émerson interrompeu o garoto e contou-lhe toda a sua história e em lágrimas pediu-lhe que o ajudasse. O garoto então lhe disse que conhecia uma pessoa que poderia ajudá-lo. Era o Rei. Sim o Rei era uma pessoa muito justa e inteligente, era ele quem dava os conselhos, dirimia pendengas, resolvias questões dúbias, etc. Émerson quis logo saber como poderia falar com o Rei, no que o garoto foi logo lhe explicando: Olha! Você vai por este caminho e após avistar a árvore torta vire à esquerda, no fim da alameda dos girassóis você vislumbrará o Castelo Real. Dito e feito, Émerson, após trilhar o caminho que lhe fora indicado, deparou-se com o portão do castelo. O portão se abriu e, vindo lá de dentro um guarda lhe perguntou: - O que queres aqui garoto?
– Quero ter com o Rei!
- Espere um instante - Disse o guarda; e retirou-se. Passaram-se alguns segundos e o guarda voltou com a permissão para que o garoto pudesse adentrar a sala Real. Era um enorme e belo salão, onde ao fundo havia um belíssimo trono. Émerson aproximou-se e prostrou-se de joelhos, como já vira ser feito em vários desenhos animado que assistia pela televisão. O Rei vendo aquele gesto imitou o garoto e após tê-lo saudado, perguntou: - Em que poderá ajudá-lo o Rei?
- Tenho um problema gravíssimo, Majestade. Meu nariz é muito grande, e meus amigos vivem troçando comigo. Eu não agüento mais tais brincadeiras, a verdade e que eu queria ter um nariz normal.
O Rei, nada entendeu destes queixumes, então Émerson tentou explicar-lhe que não vivia em seu Reino e sim em uma terra distante onde as pessoas tinham, os narizes bem menores que o dele. O rei então lhe disse: - Eu conheço uma pessoa que poderá ajudá-lo. Trata-se do Senhor dos Narigões. É um mago cujo nariz é o maior do mundo, Ele vive no mais alto pico que há em nosso Reino, na fronteira com o horizonte. Venha comigo até a janela Real que eu mostrarei. Émerson olhou na direção que indicara o Rei, mas quase nada pode enxergar de tão distante que estava o tal morro. Ele então disse: - Mas meu Rei, como posso chegar até lá é muito distante, meus pais estão em casa e não sabem de minha ausência se eu não voltar logo eles poderão ficar preocupados. - Tudo bem! Respondeu o Rei. - Você está vendo aquele castelo ali adiante? Lá, mora minha filha, a Princesa Bela. Ela poderá orientá-lo como chegar até o Pico, onde habita o Mago; e poderá também lhe emprestar as botas que inibem o cansaço. Vá até lá e boa sorte...
Émerson partiu em direção ao castelo da princesa e lá chegando teve uma das mais agradáveis surpresas de sua vida. A princesa era maravilhosamente linda e Émerson ficou tão estonteado com sua beleza que nem conseguia se explicar direito. A princesa, uma pessoa muito simpática e inteligente, compreendeu em meio aos gaguejos do garoto o que ele queria e disse-lhe com voz meiga: As botas que inibem o cansaço estão próximas ao portão de saída de meu palácio e o caminho para o Pico do Mago passa por aquela ponte e segue por entre a mata até o horizonte, lá você encontrará o pé da montanha; depois é só subir, pois há uma única trilha para o alto. O garoto despediu-se e saiu tão encantado com a beleza da princesa que se esqueceu completamente das botas. Caminhou e caminhou e caminhou... De repente quando já estava atravessando a ponte lembrou-se que não havia calçado as botas. Pensou então que se voltasse ao castelo da princesa, além de perder muito tempo, ainda sentir-se-ia muito mais constrangido perante a moça que da primeira vez. Sendo assim, continuou a caminhada e depois de muito tempo e um tanto cansado chegou ao pé da montanha. Olhou para cima e entrou em desespero, a montanha era muito mais alta do que aparentava, e a trilha para a subida era tão íngreme que Émerson pensou em desistir. Depois de alguns minutos descansando e refletindo sobre tudo o que já lhe ocorrera, resolveu finalmente subir o morro, o que fez surpreendentemente rápido. Ao chegar ao cume da montanha, Émerson não pode acreditar; a visão era maravilhosa. Para qualquer lado que olhasse havia uma beleza ainda maior: via verdes vales e lagos cristalinos, montes e serrados maravilhosos, belas cidades e campos repletos de animais, e um céu simplesmente indescritível. O lugar era de uma beleza tão intensa que Émerson passou ali horas admirando suas belezas. Depois, desceu novamente o morro e se pos a caminhar de volta... Quando se encontrava no meio da floresta lembrou-se de que não havia contatado o Mago. Porém já se passara muito tempo que ele estava fora de casa e resolveu que voltaria outro dia para pedir ao mago que o ajudasse. Ao passar de volta pelo castelo da princesa, esta lhe indagou sobre as botas, no que ele respondeu que havia esquecido, mas que na verdade não precisou delas para chegar até o Mago. – E o que disse o Mago, ele pode ajudá-lo? – Na verdade, - respondeu Émerson, eu fiquei tão extasiado com as belezas que se avista do cume da montanha que divaguei durante horas e voltei sem ter conversado com o Mago...
A princesa riu-se e disse-lhe que com ela também acontecia de sempre que ia até o mago para lhe pedir ajuda, sair de lá sem encontrá-lo, mas por outro lado todas as vezes que de lá volta, como num passe de mágica, seus problemas se resolviam. Conformado com as palavras da princesa, Émerson despediu-se e pegou o caminho de volta ao palácio do Rei. Este o esperava em seu trono. – Como é meu rapaz, esteve com a Princesa? Ela o recebeu bem? E quanto ao Mago, ajudou-o com o seu problema?
Émerson, meio desconsertado, explicou-lhe do deslumbramento que sentira ao estar em presença da Princesa e também da maravilhosa sensação que sentira ao encimar pico do Morro onde morava o Mago. O Rei então o interrompendo completou: - E você esqueceu-se de calçar as botas e também não esteve na presença do Mago, não é mesmo?
- Sim meu senhor, mas como adivinhou isto? – Eu sou o Rei, e o Rei tudo sabe...Agora, volte para a sua família antes que eles fiquem preocupados com você...
No caminho de volta, Émerson não podia parar de pensar no que lhe ocorrera e tudo que havia passado naqueles poucos momentos que lhe pareceram uma eternidade, de repente teve a impressão de ouvir chamarem seu nome, e este chamado foi ficando cada vez mais alto e mais alto e... Émerson acordou com sua mãe chamando-o para ir a escola... Ele levantou-se, tomou seu café, foi à escola, voltou para casa, almoçou e saiu para brincar com os amigos... À tarde voltou, fez o dever de casa, brincou com sua irmãzinha, dormiu ouvindo as historias que seu pai lhe contara e assim passaram-se uma, duas, três, quatro semanas, até que o pai o indagou? – Meu filho, há tempos percebo que você não volta para casa triste e isto me deixa muito feliz, mas, o que aconteceu? Seus amigos finalmente pararam com as brincadeiras?
- Não sei papai, a verdade e que já não presto muita atenção a estes detalhes, quando estou brincando com meus amigos, procuro me divertir, respeitá-los e ser uma boa companhia para eles e para mim mesmo, assim tem sido meus dias...
Fim
Que bonita história. Não foi à toa que seus filhos gostaram. Os exemplos ensinam mais que as formalidades. Parabéns.
Marcos Pontes · Eunápolis, BA 30/6/2008 13:09
Robert,
Li atentamente sua bela história, confesso-lhe que hoje vou rezar para sonhar com esse lugar tão lindo. Abraços e voto.
Olá Marcos!
Obrigado pela leitura.
Realmente temos que mostrar para nossos pequenos que a vida pode ser bacana se nos respeitarmos como seres humanos, não é mesmo?!
Abçs.
Falcão!
Como um fã de seus poemas, sinto-me honrado de ter sua presença e comentário.
Acredito, pela leitura de seus versos, que já habitas um paraíso...
Forte abraço.
bela história, muito bom.(votei).
O NOVO POETA.(W.Marques). · Franca, SP 2/7/2008 22:12
Robert,
É o primeiro conto de fadas que vejo aqui. Que bom essa pequena pausa para sonhar e refletir. Seus pequenos estão certos em gostar.
Abs,
Robert, é sempre um prazer ler suas histórias.
Este conto infantil, com os elementos comuns a este gênero, o Rei, a linda princesa e até as mágicas botas, tem um elemento de modernidade mesmo quando trata dos problemas comuns a todas as crianças: a descoberta das diferenças.
Em que você inova é, certamente, no olhar novo do menino sobre o mundo, independente dos seus iguais, nesta visão nova que ele adquiriu de do mundo primeiramente e depois de si e dos outros.
Nisto, para mim, reside a modernidade e a adequação do conto, uma vez que hoje, as crianças são outras, apesar dos seus conflitos serem os mesmos, todos relacionados à necessidade de inserção no grupo.
Sem perder a mágica das histórias infantis, você conseguiu transportar os elementos fabulosos para a condição das crianças do nosso tempo.
É perfeito!
beijos
meu querido amigo,meu primeiro visitante quando entrei no over,hoje apesar de tamanha dor compareço para ler seu texto e deixar publicado.
lembra ?????????????????????????
Foi isso que vc deixou lá na minha prece rsrsrs
Gracinha!
Gostei muito!
Para você, um beijinho doce com queijo de Minas Gerais,
Sílvia.
Uma bela licao de vida, parabens, abrs
victorvapf · Belo Horizonte, MG 3/7/2008 08:32
Adorei!
Vou correndo contar pra Mariana (minha neta de 11 anos).
Abraços,
Olá W. Marques!
Grato pela visita.
Abçs.
Valeu Marcilio!
Obrigado pela visita e comentário.
Realmente os contos de fada são para sonhar e refletir também...
Quando quiser dar outra pausa leia A Borboleta Azul.
Abração
Minha bela Saramar!
É com muita honra que recebo suas palavras.
Fico muito feliz que tenha gostado.
Beijos.
Oi Clara!
Acompanho teus textos e me agradam muito, inclusive aqueles que não deixo comentários. Espero que tua dor seja passageira, pois acredito que felicidade deva reinar em nossa (con)vivência. Por isso me sinto bastante feliz quando te vejo por aqui.
Beijos.
Oi Silvia!
Que delícia de beijinho.
Muito obrigado pelo carinho.
Beijos.
Valeu Victor!
Creio que as histórias sejam elas infantis ou não, tenham que transmitir uma mensagem, e se esta mensagem puder ajudar as pessoas a viver melhor, melhor!
Forte abraço.
Doce Aninha!
Um beijo para você e outro para a Mariana. Espero que ela goste.
Bjs.
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