Instantes

Num instante que durou um ou dois segundos, ele se viu não mais sentado no sofá da casa lendo o jornal, mas deitado na cama de um hospital frio e desconhecido, ligado a aparelhos, com tubos saindo de todos os poros. Logo voltou a si e ficou impressionado nas semelhanças. E se fossem a mesma pessoa? Boquiabriu-se. Observou a parede branca na sua frente, não mais num lugar sólido, agora flutuava dentro da própria cabeça e teve a certeza que já vivera a sua vida, que sua existência não era inédita, que repetia movimentos já traçados por ele mesmo. O tempo não é necessariamente linear, não, não era a primeira vez, ele já tinha vivido, agora só relembrava como tinha sido, como já tinham dito para ele, quando se está para morrer, revive-se tudo o que aconteceu, como numa projeção, revê-se os mínimos detalhes, é novamente o protagonista, mas também o espectador, e se perguntou se ao chegar novamente no final da vida, tudo aconteceria novamente, sonhará mais uma vez a mesma existência, comum, normal, cotidiana? Este ciclo se repetirá eternamente? Mas não soube responder porque num baque tinha esquecido por completo da cama de hospital e voltou a ler o jornal na sala tranqüilamente.