M.A.

Imagine um menino.
Por favor, imagine-o mulato.
Nascido no morro.
Imagine o menino mulato num morro do Rio.
Imagine-o órfão.
Sem escola, o menino mulato vende doces.
O menino é doente.
Imagem corriqueira?

Imagine, agora, um homem.
Por favor, imagine-o mulato.
Nascido no morro.
Imagine um homem mulato e doente nascido num morro do Rio.
Imagine : este homem é aquele menino que não foi à escola.
Imagine-o, apesar de tudo, dominando seu idioma como ninguém.
A imagem turvou?

Imagine que o homem mulato não apenas lê melhor do que todos os outros.
Imagine que o homem mulato do morro cria histórias.
Imagine histórias onde o ser humano não é poupado.
Imagine finais surpreendentes.
Imagine uma história sobre um mulher que trai.
Imagine que na história a mulher não aparece traindo.
Imagine que tudo pode não passar de imaginação do marido.
Agora, consegue imaginar uma história contada por alguém que já morreu?

Imagine alguém que nasceu no morro.
Foi mulato, órfão, doente.
Imagine-o depois dos doces, como tipógrafo, revisor, crítico e autor teatral, funcionário público.
Imagine o pobre infeliz escritor .

O menino mulato, aquele doente, morreu há exatos 100 anos.
Antes, de tanto escrever bem, foi aclamado por unanimidade Presidente
Perpétuo da Academia Brasileira de Letras.
O menino, aquele mulato, órfão, doente, fez de si mesmo um grande homem.
Dá para imaginar?



* Singela homenagem a aquele que um dia foi o menino Machadinho do morro do Livramento.

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