matança de porcos
Sob o sol vermelho e ardente, as folhas das árvores ficaram azuis. Havia um túnel formado por mangueiras, cujos frutos alimentavam os cardumes de baleias que voavam rumo aos mares do norte. A terra tinha aparência do chão do planeta Vênus, vermelho e sépia. Adiante do matadouro, numa das extremidades das mangueiras, havia um grande rio que levava o sangue dos porcos abatidos. Ao lado, um enorme bosque onde moravam Corah e sua famÃlia.
O abatedouro de porcos alimentava a população daquele lugar, onde as perspectivas familiares de espaço e tempo eram estranhas. Tudo escapava à s regras, inclusive a luz, que viajava a uma velocidade de 80 quilômetros por hora, fugindo a uma lei natural que é de 300 mil quilômetros por segundo. Então, o tempo também caminhava lento e todos os relógios eram muito vagarosos. As bicicletas eram os veÃculos mais rápidos e a velocidade dependia de cada um. Na ampla casa de pedra onde Corah vivia com os pais havia inúmeros relógios mecânicos, biológicos e estacionários.
Ela estudava no vilarejo, onde a população não passava de cinco mil pessoas. A região era belÃssima, e quando chegava o outono os campos ficavam com um azul profundo, que parecia lÃquido. E todas as tardes, ante à revoada de baleias, ouvia-se um coro de gritos que ecoava por aquele descomunal céu em rosa: eram os porcos sendo mortos.
Olhos amendoados, sobrancelhas intensas que combinavam com o carmim da boca grossa e nariz imponente. Corah nascera em dezembro e quando chegou aos 12 ganhou uma bicicleta toda violeta e rosa. A estrada entre sua casa e a escola era feita de pedras escuras, lisas e as voltas do vilarejo seriam muito mais rápidas e prazerosas.
Assim, numa manhã, quando voltava da aula, a menina pedalou o mais rápido que pôde. Foi na descida perto da ponte que ela chegou muito próxima da velocidade da luz naquele lugar. Como o tempo é mais lento próximo à velocidade da luz, Corah experimentou a relatividade especial - descobriu que suas partÃculas atômicas não envelheciam em tal velocidade.
Em cinco minutos a estrada virou um buraco de minhoca, um túnel, ela chegou em casa e o lugar já não era o mesmo. As paredes de pedras foram substituÃdas por tijolos e madeiras. Havia vários vizinhos e crianças por todos os lados. Ela entrou normalmente em casa. Sua mãe preparava o almoço de rotina para o pai, que estava no matadouro de porcos. Agora, na casa, havia um outro quarto que era de Samuel, o irmão que até cinco minutos atrás não existia. Corah caminhou pela casa, descobriu que o tempo havia passado e ela não envelhecera. Mas as folhas estavam amarelando, ainda se ouvia os gritos dos porcos morrendo e as baleias se confinaram em mares profundos.
A menina de pernas longas ficou extasiada pelas leis naturais do Universo e resolveu estudar sobre as partÃculas atômicas e suas vidas diante de paradoxos como este. E numa outra manhã, de volta para casa, Corah e Samuel desceram juntos numa mesma bicicleta e se depararam novamente com a dilatação do tempo. Em cinco minutos a estrada já estava pavimentada, o bosque havia desaparecido, assim como o rio e o túnel de mangueiras. A cidade havia aumentado, o céu já não era mais vermelho, rosa e sim azul claro, onde aves e nuvens voavam. As folhas ficaram verdes, o matadouro de porcos dobrou suas dimensões e ganhou uma chaminé, que chegava nas nuvens.
Corah e o irmão vagaram pelo apartamento vazio e repleto de conforto. Seus pais haviam morrido há muitos anos. Em cinco minutos eles mudaram suas vidas para sempre.
Mesmo assim, o tempo passou e eles continuaram a viver naquele lugar extraordinário, como duas crianças que eram e que enganavam o tempo.
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espetacular o conto, surrealismo e ficcão cientÃfica mesclados.
gostei muito.há também um certo lirismo...
abs.
Salve Marcos André!
Gostei do comentário.Tenho preocupação em não perder o lirÃsmo,sempre.
Valeu.
saudações pantaneiras do sul
Lindo Arlindo. Tantas cores, uma narrativa que dispensa qualquer imagem. O tempo veio mesmo como mágica, como uma brincadeira. e as crianças com a medonhice inocente e sábia, que somente uma criança pode ter; enganar o tempo. viver sempre num lugar extraordinário. me encantei!
Vitória Maria · SuÃça , WW 21/1/2007 15:38
Vitoria,
O teu comentário me certificou de uma coisa ...
Cada pessoa vê de acordo com os seus principios,seus conhecimentos e sua fé ou filosofia.Fantástico!
Agora voce, por exemplo, pode começar uma outra história...
E também propagar inspiração para outros e outros ...
abraços
Só a arte e a literatura pode proporcionar uma nova fenix.
Muitos e muitos porcos viraram presuntos, exceto para aquelas,
que já nasceram com almas aptas a transcendencias.
O matadouro esta de portas abertas. E creio que:' à agua não
conseguira lavar todo o sangue.
Abraços.
( Quando você vier dai. Traga uma flôr do pântano pra mim).
Firmiano,
Vc foi longe agora! Alguns servirão de alimentos.Outros já estão mais além...E assim sucessivamente até a eternidade. Um dia, um dia muito distante, todos serão alimentos.
Sobre a flor do pântano. Esta vc poderia vir colher - existem mil.
A minha flor preferida é da guavira (uma fruta,uma iguaria cujo sabor é inexplicável. Ela é a prima,caipira, da pitanga).
Saudações pantaneiras.
Belo conto, Arlindo.
Enchi-me de uma inveja saudável, aquela que nos leva à inspiração ao meditar sobre a beleza do que escreveu e cujo resultado não é o despeito, mas a produção artÃstica.
O seu conto é carregado de significados, assim entendi. É na realidade uma metáfora sobre a vida, o nosso cotidiano. Nesse conto, como em muitos meus, vi nas entrelinhas a sua desilusão com o futuro e o progresso. O fim de tudo (sermos devorados pelo Sol) como o resultado final dessa equação é o futuro que nos aguarda; e apesar de tudo isso, o homem não colabora para que o progresso em vez de acelerar essa destruição nos proporcione conforto e bem-estar ilimitados respeitando o meio. Sobre o matadouro: para mim a matança de porcos muito bem pode ser o sofrimento de toda a espécie humana ao longo de sua existência, sempre imolada. Tudo no conto tem uma aura onÃrica, a única nota destoante (no sentido de que não é onÃrico, apenas isso) é a matança de porcos. E, para decepção de Corah, ela vê que conhecer antecipadamente o seu futuro não lhe trouxe felicidade, mas inquietação e tristeza. E isso está expresso não na fala da personagem, mas através do autor explicitando que as crianças sabem disso, porém não entendem: "O que aquelas crianças não sabiam é que as implacáveis forças da natureza eram indiferentes para sonhos e anseios de criaturas como elas."
Uma pergunta: esse belÃssimo conto está entre os de seu "livrinho" que vai lançar?
Um grande abraço Arlindo.
Muito bom que você usa a sua regionalidade para expressar a universalidade. Isso é estar anos-luz à frente.
Muito Bom!
Uma viagem, um ilusionismo gratificante daqueles que a volta depois do texto lido nos torna inseguros com o que nos aguarda, entretanto entusismado com o que nos revela.
Nos conte mais sobre este seu livro ? Abraços.
Corah, sua filha, deveria pedalar ao passado.
Falar com Einstein, e alterar alguns genes humanos....
Existem tantos porcos ultimamente.
Salve, Arlindo!!
Interessante e criativo. Uma bela metáfora da luta existencial entre transitoriedade e imortalidade. Ao mesmo tempo, uma metáfora da condição humana, dividida entre o progresso, o passado e a saudade de um futuro efêmero e vão. LÃrico, fantástico, angustiante e belo. Parabéns, meu caro Arlindo.
Nivaldo Lemos · Rio de Janeiro, RJ 23/1/2007 14:56
Salve Nivaldo!
Instigante visão!
Comentário como o teu é um alento.Tenho alguns outros contos aà no banco do Overmundo.Eu te convido a ler "Prelúdio para um tango".saudações pantaneiras do sul
Rangel,
Salve poeta!
A Corah nem imagina sobre o conto - ela está em sampa.
As viagens no tempo são apenas elocubrações ou fantasias. Mas se fosse possÃvel, só viajariamos para o passado. Esta é a lei.
saudações pantaneiras com coscorão e café!
CarÃssimo Arlindo,
Com a imagem "Sob o sol vermelho e ardente, as folhas das árvores ficaram azuis" fiquei corada de vergonha. Diante de tamanho poder imaginativo não poderia ser diferente. Findei por mergulhar em "quando chegava o outono os campos ficavam com um azul profundo, que parecia lÃquido". Meu querido, que Azul!!! Quase me afoguei nele, risos!
Uma palavra paea resumir: extraordinário.
Minhas humildes reverências.
Higor Assis,
Salve Higor. Estive fora do ar (problemas na minha rede).Adorei teu comentário e te convido para ler "A extraordinária vida de Clorofila"
acho que vc vai gostar.
Sobre o livrinho.
Estou preparando um livro de contos. Pensei em chama-lo de "O homem da Lua" ( uma reunião de anotações de um sujeito que nasceu e viveu na Lua). Este conto tb. está aÃ.
saudações pantaneiras do sul
JJleandro
Fiquei entre o deslumbrado e o cismado, sobre teu comentário.
Mas, confesso que fiquei inspirado.Principalmente porque vc é um grande contador de histórias. Sei disso e dou fé porque já li teus contos.São fantásticos tanto quanto.
saudações pantaneiras com café e queijo fresco.
Grande Glaiddhe!
Obrigado por aceitar o convite e ler o meu conto.Preciso do seu comentário.(isso é oficial).
No livro que vou lançar "O homem da Lua", estou pensando em escolher alguns comentários desses.(vc viu quantos?).Quero dedicar a segunda capa só pra comentários.
Saudações pantaneiras.
af.
Arlindo,
Lê o que tu escreves me causa enorme prazer, portanto nem careces convidar, podes intimar, mesmo. Não me farei de rogada, obedecerei, prontamente!
Um cheiro, afinal sou baiana.
Ah! Esqueci de avisar. Vou citar a "...laranja azul pregada na eternidade..." em minha monografia, com referência, lógico.
Cheiros
Glaiddhe,
Paulo Afonso é onde fica aquela cachoeira?
Pode citar,pode citar o poema inteiro...
Estou feliz e agradeço o cheiro (pode ser ervas aromáticas?)
Um cheiro com aroma de tomilhos!
af
Tunisia,
O meu parceiro Geraldo EspÃndola vai fazer uma "tour" na Tunisia.E com certeza vai cantar "Prelúdio para um tango" ( a canção).
As nossas músicas já foram pra França, inclusive escrevi uma poesia em francês.(taà no Overmundo).Falta a música.
"Un jour quelconque" ( tá no banco literatura).
abraços
Vem aÃ!!!!!
"Teorema da incompletude de Deus" conto
Sim, Arlindo. Paulo Afonso é onde ficava a cachoeira, porque agora, depois de tantas hidrelétricas, ela só surge quando permitem, ou ainda, quando o rio São Francisco enche muito as represas... infelizmente. Depois te mando algumas fotos por e-mail.
Cheiros
arlindo, seu texto, com a face pueril de realismo fantástico trata de forma profunda a solidão. gostei!
parabéns!
bjo
Salve Hernandes!
Talvez seja um reflexo da minha... Sou profundamente solitário e gosto da minha solidão - mesmo quando estou com pessoas ao meu lado.
Voce vai descobrir mais "disso" em outros contos!!!! (serio).
Vc descobriu meu segredo (risos).
beijos
Saudações pantaneiras
Arlindo, ainda não sei bem como funciona o Over, mas publiquei o conto Azul-Celeste e ninguém ainda o leu, ou se leram não quiseram opinar. Gostaria de ouvir sua opinião, pro bem ou pro mal, não importa. O conto ainda está na fila de edição por quatro horas. Então, se der tempo, e você puder, vê se dá uma espiadinha, ok? Abraço.
Nivaldo Lemos · Rio de Janeiro, RJ 25/1/2007 11:23
Nivaldo!
Funciona assim mesmo. Algumas pessoas já fizeram downloads (eu vi)
Eu deixei meu recado na fila de edição, mas a maioria gosta de votar e comentar.(agora ele deve ficar 48 horas na fila de votação. Vc terá que obter pelo menos 40 pontos.Então ficará no banco de cultura do Overmundo).
Um grande abraço!
A arte do século XXI será a ciência e nada melhor do que um conto que mistura a vida com viagens no tempo para abrir as portas da percepção. Quem sabe a nossa geração verá o dia que uma nova dimensão " vai surgir no horizonte". Novas formas de ver o universo e de fazer arte. Dá licença que agora vou pegar a bicicleta.
Rodrigo Nogueira · Rio de Janeiro, RJ 30/1/2007 13:03
Filoginia
Quando desenho formas possÃveis e impossÃveis em minha mente, quase sempre chego a curvas que bem poderiam estar nas reentrâncias e protuberâncias da anatomia feminina. Deve ser porque sou um filógino.
Muito bom esse conto com sua realidade e sua fÃsica paralela. Ganhamos todos, de brinde, algumas lições de astrofÃsica. Só não achei uma anã branca entre as estrelas.
Jairo Oliveira Ramos · Aracaju, SE 16/1/2008 20:16Para comentar é preciso estar logado no site. Faça primeiro seu login ou registre-se no Overmundo, e adicione seus comentários em seguida.
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