Sempre morei numa cidadezinha do interior mineiro (Alvinópolis), numa casa de varanda, numa pracinha cheia de Ipês roxo e amarelo (acho que estão floridos nesta época) e rodeada de vizinhos que me ensinaram lições pra vida toda.
Aos oito anos sentada na beira do fogão de lenha de Dona
Maria, vendo ela fazer balas de bico pra vender,de olho nas balas quebradas que sobravam, enquanto jogava um fio de mel pra dar um sabor especial ela dizia:Ana, adoce sua vida com mel, não esqueça. Naquela época não entendia nada, fui entender mais tarde, quando a vida me pregou várias peças por eu ter esquecido o mel no armário. Hoje uso e abuso desse mel.
Já a Sá Dica, nos meus quinze anos, era minha conselheira sentimental. Brigava com meu namorado e lá ia eu toda sofrida contar pra ela e dizendo que , apesar de gostar dele, não voltaria jamais. Ela passava os olhos no galinheiro e perguntava: Quando ocê quer pegar uma galinha, ocê fala Xô ou joga mio pra ela?
A Calola já estava separada do marido, o Edi, que a trocou por outra, fazia uns dez anos, deixando com ela oito filhos pra criar. Também sentada na beira do fogão de lenha fritando sonhos recheados (como eram gostosos) pra sua filha mais velha vender na porta das escolas me contava casos da sua juventude, os bailes, as serenatas, as juras de amor na pracinha que Edi fazia pra ela.Vivia e alimenta dessas lembranças e seus olhos brilhavam de amor que era repassado para seus filhos e ela falava: Ele se foi mas deixou oito pra eu amar no lugar dele. Ela era só alegria... Hoje meus olhos brilham quando olho pro meu amor, meu companheiro e namorado e meus filhos. Ela me ensinou que amar é melhor que sofrer.
Com Detinha aprendi a crer, ter fé. Com vinte e nove anos já tinha duas filhas (dois e quatro anos) que levava para ela benzer. Era mais ou menos assim: Vou benzer até as brasas flutuarem dentro do copo com água. E ela rezava, rezava e eu só saÃa de lá quando as brasas subiam até a borda do copo. E as meninas saravam mesmo.
Só tinha uma vizinha que era osso duro de roer: A Vitória de Sô Jorge Turco. Solteirona frustada, fazia quarenta anos que namorava o Juvenal. Vivia no meu pé, desde criança. Mesmo assim aprendi a fazer um quibe que só ela tinha a receita ( turca, né) e era guardada a sete chaves. Dei um jeito entrei na sua casa e copiei a receita. Hoje faço um quibe delicioso, herança dela.
Hoje fico aqui dentro do meu apartamento, encontro os vizinhos no corredor do prédio, não os conheço, são apressados, não têm tempo nem de comprimentar, nem mesmo de sorrir, que pena!
Vizinho de verdade só no interior, onde sempre há uma cadeira esperando pra gente sentar e conversar no alpendre, na porta da rua, tendo lá no céu a lua como cúmplice de uma grande amizade.
, herança dela.
ANAMINEIRA,
sem dúvida, dos textos que mais me encantam são os de memória. Sempre me lembram o que diz Gabriel G. Marquez: "A vida não é a que a gente viveu, mas a que a gente recorda, e com recorda para contá-la." Revivi muitas coisas com a tua história mineira.
Abçs, até a votação. Betha.
Pernanbucana, procure por seus vizinhos, sempre nos deixam boas lições. Abraços mineiros.
anamineira · Alvinópolis, MG 11/8/2007 11:26
Ah Ana, eu tenho a impressão que o brasil sai da linha na medida que aquelas experiências não são passadas; não são ouvida; não são guardadas.
- A grande lição (que deveriam ser tiradas delas) é que elas se davam num ambiente, num clima, tão de igualdade. Rigorosamente iguais, sem necessidade, nem pensar-se em passar pelo bolso um do outro. Tomara que voltassem, andre
Sua crônica revela lembranças de um tempo que dá saudade, mesmo pra quem não viveu estas experiências. Os caixotes apartamentados onde vivemos não têm o calor de uma vizinhança amiga, fofoqueira, fazedeira de doces... rs...
vizinho é isso tudo, e nossa vida nunca passa despercebida diante deles.
André, resumindo: Estamos deixando de lado a gentileza, a atenção, a dedicação, o viver naturalmente com o próximo. Agradecida pelo comentário. Afetos para você (queria colocar procê, igual mineiro fala).
anamineira · Alvinópolis, MG 12/8/2007 12:31Ériton, me conta uma história de vizinho. Sei que voce tem alguma ai de Muqui. Um grande abraço.
anamineira · Alvinópolis, MG 12/8/2007 12:34
muito bom o texto. um Quê de nostalgia e saudade, experiências que poucos conseguiram viver de modo tão transparente e consciente. Mas, creio eu, que em qualquer lugar do mapa existem pessoas como as que você narrou. a vida atribulada e ocupada nos tira muitas vezes de tempo, do tempo...
abraços, Ana!!
Marcos, aqui dentro tem tantas histórias arquivadas, ou melhor, guardadas e, a vida inteira fiquei esperando um tempo pra passar pra frente. Tem até sentimentos inrrustidos que, vez por outra, dá um poema. Encontrei o Over com tanta coisa maravilhosa pra gente ler e sentir, estou muito feliz. Obrigado pelo comentário. Um abração.
anamineira · Alvinópolis, MG 12/8/2007 16:52Marcos entenda, arquivadas dá a entender que vai ficar pra sempre alÃ. Outro abraço.
anamineira · Alvinópolis, MG 12/8/2007 16:56
Ana, olá, creio que se continuássemos a viver assim, como na sua Alvinópolis da memória, o respeito, a tolerancia, a dignidade e mais outras tantas boas virtudes que se perderam pelaÃ, co o progresso, ainda seriam nossas companheiras e a tal da violência urbana, não nos perseguiria.
Escreva, rememorize, quem sabe assim, a gente volte a alimentar a esperança de dias melhores.
Um abraço.
Fico feliz com seu comentário. O melhor que lá ainda é assim. Sinto falta de Vizinhos com V maiúsculo aqui em Belo Horizonte, onde moro atualmente. Fique com Deus! Um abraço mineirado.
anamineira · Alvinópolis, MG 12/8/2007 20:35
Oi Ana, adorei suas histórias de vizinho. Me lembro perfeitamente dos meus qdo eu era pequena e morava numa rua de Ipanema que só tinha casas. Engraçado, as distâncias eram maiores, mas todo mundo se conhecia muito, se falava e se frequentava. Minha amiga mais remota, que tem o nome de Helena, era uma dessas vizinhas. Sabe como ficamos amigas? Eu tinha uns seis anos, estava com hepatite, trancada em casa, comendo clara de ovo e açúcar, com a recomendação do pediatra de que devia fazer o máximo de repouso. Meus irmãos iam para a escola, meus pais saiam pra trabalhar e eu ficava meio sozinha com a cozinheira lá de casa que era maravilhosa, mas que não sabia brincar (não como as crianças sabem). Minha diversão preferida era ficar na janela, olhando as pessoas passarem. Um dia a Helena passou e eu não me fiz de rogada: "_ Ei menina, vc quer subir aqui pra brincar comigo?" Ela adorou a idéia, entrou na minha casa, e qdo minha mãe chegou, nos encontrou entrosadÃssimas, abraçadas na cama lendo Reinações de Narizinho. "_Quem é vc, meu bem? A Ize está com uma doença que pega. Sua mãe sabe que vc está aqui?" A menina pouco ligou para a doença que pegava, nem sua mãe - a D. Elza - e nunca mais saimos uma da casa da outra. De vizinhas a amigas do peito: ontem mesmo Helena me ligou. Hj passamos meses sem nos falarmos, mas nem precisa; a amizade que fizemos foi tão grande que preenche todo o tempo que não temos pra nos vermos, conversarmos, nos abraçarmos
Bjs pra vc e mto obrigada por me fazer lembrar meus vizinhos
Ize, o que mais gostei no Over, e daqui não quero sair? Aqui também podemos ser vizinhos, nos comunicar, nos doar. Sente como flui uma energia boa entre nós... Voce relembrou momentos bons da sua infancia e eu fico aqui feliz de poder participar disso. Um abraço apertado. Durma com Deus!
anamineira · Alvinópolis, MG 12/8/2007 22:10
Gostei, vizinha! Minha mãe também costumava benzer jogando brasas numa caneca com água fria (quanta saudade!) Gostei deste encontro, Anamineira, e a gente ainda vai se encontrar outras vezes nos corredores do Overmundo.
José Telmo, obrigado pela visita e pelo comentário. Ando brincando de escrever depois dos "entas" e só apelando para a memória. Tem uns casos engraçados no meu arquivo e estou com um na fila de edição: De quem é a culpa?. Convido voce para me encontrar lá. Um abraço muito,muito carinhoso.
anamineira · Alvinópolis, MG 13/8/2007 06:56
Ah Ana, que saudade vc me deu dos meus vizinhos da infância. os bons, os alegres, e os bons também porém chatos e exigentes.
Vivemos num mundo sem quintais, sem cadeira na porta da rua.
Aqui no Tocantins isso ainda existe, pelo menos em alguns bairros da capital (os periféricos, é verdade) e no interior.
Mas esta saudosa magia que está presente no seu conto, é que não pode se perder.
Parabéns!
Singelo e saudoso Ana. Saudades das coisas do interior. Acabei de passar três dias numa cidadezinha aqui do RN; Acari. A cidade, considerada umas das mais limpas do Brasil (já saiu até no Fantástico) me traz lembranças muito boas como essas da sua crônica. Lembro de ir à granja do avô, na garupa da bicicleta; lembro dos doces do goiaba que minha vó faz, sem falar na galinha caipira... beleza de texto, beleza de memórias...
Um abraço.
Contemplo o relato sentado na varanda de meus sonhos de cidade de interior que só conheci como estrangeiro...enfim...beijos...
Mansur · Rio de Janeiro, RJ 13/8/2007 11:00
Ana, me empresta um pouquinho de açúcar?
aceita um cafezinho passado na hora?
É Ana, os tempos estão mudando, veja você que nem no interior as coisas estão indo como querÃamos que fosse.
Esse mundo tá cada vez mais veloz: cheio de bugigangas, carros e gentes apressadas.. etc etc etc
Mas,
Ô vizinha de over, essa casa é sempre sua, quando quiser
pode passar pra gente prosear mais um dedinho.
Abraço fraternal à toda vizinhança.
Roberta, fico muito,muito agradecida. Um forte abraço.
anamineira · Alvinópolis, MG 13/8/2007 15:38Felipe, um singelo abraço e obrigado pela visita e pelo comentário.
anamineira · Alvinópolis, MG 13/8/2007 15:39Mansur, trnasporta essa varanda para o mundo material e viva, pelo menos um pouco de sua vida numa cidadezinha do interior que você vai amar. Agradecida pela visita.
anamineira · Alvinópolis, MG 13/8/2007 15:42Humberto, aqui em Belo Horizonte, onde moro atualmente, só consigo oferecer coisas gostosas para os porteiros e a faxineira. E eles amam. O resto nem consigo pensar em fazer algo, pois estão sempre com um pé atrás. Entendo, com tanta falcatrua que existe. Mas meu sorriso largo não consigo ficar sem ofertá-los. Um abraço.
anamineira · Alvinópolis, MG 13/8/2007 15:48Fiquei muito a fim de ver uma foto da pracinha cheia de ipês roxos e amarelos...
Alexandre Marino · BrasÃlia, DF 13/8/2007 17:42Alexandre, passei por lá faz uns quinze dias e estavam começando a florir. Devo ir a BrasÃlia neste final de semana. Te prometo que daqui mais 02 semanas estarei lá e vou tirar umas fotos e mandar para o Over e para voce. Hoje a praça está mais moderna. Voce acredita que ainda permanece os mesmos Ipês? Um abraço.
anamineira · Alvinópolis, MG 13/8/2007 18:03
Que lindo!!! Maravilhosamente encantador! Aprendi também as lições, mel para adoçar a vida, e amar, sim senhora, amar é melhor que sofrer!
bjm
;-)
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