Desde janeiro de 2008 estou morando em Berlim, na Alemanha. Sempre que alguém me perguntava sobre a existência de dialetos no Brasil dizia "não, não temos dialetos, apenas sotaques diferentes". Mas com o passar do tempo comecei a mudar a resposta. Dizer "bom, a gente não chama nossas diferenças na lÃngua de 'dialetos', mas na verdade acho que pode ser chamado assim". Mudei a resposta ao perceber que as diferenças do português padrão para o jeito em que falamos em Belo Horizonte, por exemplo (não conheço outros os outros "sotaques" bem o suficiente para falar sobre eles) não são menores que as do alemão padrão pro dialeto berlinense, o Berlinerisch.
Esse dialeto, falado por uma relativa minoria em Berlin, é um dos que menos se difere da do alemão padrão, se comparado a dialetos como os dialetos da Bavária ou da Ãustria. Mesmo assim há uma serie de livros e artigos aqui sobre o Berlinerisch, enquanto no Brasil a literatura sobre o mineirês belo-horizontino, ao que me parece, é bem escarça, ou no mÃnimo não é bem difundida.
Procurei por curiosidade em um artigo no Wikipedia em alemão informações sobre "dialetos da lÃngua portuguesa", e não consigo deixar de me sentir zoado ao ler "existem vários dialetos na lÃngua portuguesa, apesar de os falantes nativos se referirem a eles como 'sotaques'". Parece que todos sabem que a gente fala vários dialetos diferentes menos nos mesmos. Mas depois descobri também, para a minha surpresa, que o termo dialeto é usado oficialmente por lingüistas e etc. no Brasil. Então por que essa definição deve ficar restrita a esse grupo? Por que nos não nos orgulhamos e abraçamos a variação de nossos diferentes dialetos?
A definição da palavra (no caso, do dicionário Houaiss) não me deixa duvidas: "um dialeto é qualquer variação regional de um idioma que não chegue a comprometer a inteligibilidade mútua entre o falante da lÃngua principal com o falante do dialeto". Vendo por esse angulo, não podemos considerar o mineirês, o paulistano, o baiano e etc. dialetos diferentes? O uso ou desuso da palavra "tu", por exemplo, é uma variação regional que ultrapassa a definição de sotaque. Ou o jeito como as palavras são abreviadas em cada região.
Talvez nos tenhamos relutância em dizer que falamos dialetos diferentes devido a um certo auto-preconceito. O Berlinerisch, por exemplo, aqui na Alemanha é visto como feio, uma coisa da classe proletária, mal-vista em ciclos acadêmicos. Mas entre alguns berlinenses orgulhosos, em seus ciclos de amizades, ele é falado com orgulho. Acho que a nossa situação nao é tão diferente . E talvez as escolas brasileiras tenham em parte culpa por essa falta de auto-valorização dos nossos dialetos, vendo que não ensinam (ou pelo menos não ensinavam quando eu estudei) as crianças sobre nossos dialetos diferentes, ou não se referem a eles como tais.
Bom, pesquisando sobre o mineirês na internet recentemente, descobri que a UFMG está realizando uma pesquisa com o nome "A construção de um dialeto: o 'mineirês' belo-horizontino", com entrevistas entre jovens de 15 a 25 anos da capital, um projeto aparentemente grande que já está sendo desenvolvido há muitos anos. Espero que esse projeto desperte interesse nesse tema. Sei que tem outros dicionários também sobre o mineirês, que entre nos pelo menos não parecem ser muito populares, e que se referem mais ao português mineiro tradicional do interior, com os clichês uai, trem, e etc. (nem todos em desuso entre os belo-horizontinos, por sinal, mas não deixa de ser uma catalogação incompleta).
Para finalizar, deixo algumas frases em português belo-horizontino como ilustração:
Quecs’tá rumano aih?
Nada, ceanima djarrumá’lgu’a coisa?
Nos tão querenilá perdushopin.
Vo tirá meu ti’djeleitor manhã.
Possi concê?
Pronostãindo?
Retchquin pralá.
Tchotchfala: quecssta querenarrumá manhã?
Quis coisa?
Quequess’cara tão quereno?
Caramba, Luan, nunca pensei na coisa sob este aspecto... Pelo contrário, sempre tive algum orgulho (não sei se é mesmo pra ser orgulhar) de sermos um paÃs tão grande com a mesma lÃngua. Sempre me assustei com essa história de paÃses pequenos com diversos dialetos (onde, que eu saiba, ninguém se entende muito bem, a não ser pela lÃngua principal).
Acredito que haja diversas pesquisas a respeito do nosso linguajar em andamento na academia. Já fiz matérias como jornalista sobre algumas delas. Aqui no Overmundo há, inclusive, diversos textos sobre estudos sobre lÃnguas indÃgenas (como este sobre a pesquisa da primeira Ãndia doutora do paÃs e este, sobre um programa de rádio em lÃngua indÃgena).
E lá de Minas, lendo teu texto me lembrei imediatamente da Guilagem camaco, uma lÃngua no mÃnimo divertida...
Enfim, bacana teu texto comparando essa questão no Brasil e na Alemanha. É um tema apaixonante e pode ter certeza que tem gente interessada nele por aqui. Tomara que cada vez mais! Abraço!
POis é, aqui no Japão eles têm uma idéia interessante de dialeto. Muitos que saem de suas provÃncias procuram estandardizar o modo de falar. Tive um namorado que era impossÃvel compreender quando ele falava com a mãe ou as irmãs. Por outro lado, acerca do português, eu tive uma outra descoberta: como a nossa lÃngua e o espanhol são semelhantes. Talvez mais semelhantes entre si que o japonês falado em Tóquio e o falado em Miyazaki, por exemplo. Mergulhei num estudo sobre isso numa cadeira de antropologia que me disse bastante sobre essa idéia de lÃnguas e dialetos.
Roberto Maxwell · Japão , WW 28/10/2008 14:00
Olá, Luan! Bem longe, não é mesmo? E como anda a saudade de nosso de-li-ci-o-so pão de queijo mineiro?
Há, sim, Luan, vários dialetos em nossa lÃngua brasileira. Leia bem, não disse 'lÃngua portuguesa'. A lÃngua é viva e como tal está sempre em mudança. E, claro, de acordo com os indivÃduos que a falam, de acordo com a região onde é falada. Assim sendo, há várias ramificações; quando há um distanciamento maior da lÃngua de origem, chama-se esse novo falar de 'dialeto'.
Morei na França quando bem jovem, (fazendo um curso de pós graduação) e lá, apesar de ser um paÃs do tamanho de um pequeno estado do Brasil, há diferentes falares. Por exemplo, o 'erre' parisiense é bem diferente do 'erre' do norte francês. Por que seria diferente aqui, nesse "paisão" do tamanho de um continemte? Há um livro sobre o 'baianês'. Parece-me que existem também de outros estados. Esse do 'minerês' ainda não tenho notÃcia...
Amigo, o assunto é longo, logo, um abraço, uai!
MariaLuÃsa.
Maravilha de texto. Sempre pensei nos "dialetos" aqui do Brasil e nunca soube de alguém que se dispusesse a falar sobre isso. Nem sabia desse que a UFMG está realizando. Quero saber mais do "A construção de um dialeto: o 'mineirês' belo-horizontino". É curioso que a população seja de jovens. Pergunto-me por quê? Sei que não é você, Juan que irá responder. A pergunta fica.
Concordo com você quando diz que os dicionários de termos regionais não abarcam a complexidade das formas da lÃngua desses inúmeros lugares onde se guarda (ainda bem) o dizer original. Quando leio Rosa -Grande Sertão, sobretudo - fico encantada com o som, o ritmo, a lógica. E quando soube que foi traduzido para o francês, aà que me animei e fiquei mais curiosa. Como seria? Assim como traduzir a Recherche de Proust para o português, quando foi preciso Quintana e Drummond para que o texto fosse tratado com prudência e poesia?
Sobre a diferença entre dialeto e sotaque, aà eu vejo um certo preciosismo acadêmico sim.É belo falar do texto de alguém referindo-se ao 'sotaque". Mas, deixemos pra lá.
Gostei de saber sobre o Berlinerisch. Estive na Alemanha e nunca soube disso. Estadias rápidas a trabalho e, uma vez, como turista não me fizeram atentar para essa riqueza que você me traz. Parabéns pela contribuição e muito obrigada por trazer toda a informação. Abraço.
Belo texto, Luan!
vou deixar aqui a tradução das frases em português belo-horizontino para o nosso português.
Quecs’tá rumano aih? (O que vocês estão fazendo a�)
Nada, ceanima djarrumá’lgu’a coisa? (Nada, você anima de fazer alguma coisa?)
Nos tão querenilá perdushopin. (Nós estamos querendo ir lá perto do shopping)
Vo tirá meu ti’djeleitor manhã. (Vou tirar meu tÃtulo de eleitor amanhã)
Possi concê? (Posso ir com você?)
Pronostãindo? (Para onde nós estamos indo?)
Retchquin pralá. (Arrede um poquinho para lá.)
Tchotchfala: quecssta querenarrumá manhã? (Deixe eu te falar: o que você está querendo fazer amanhã?)
Quis coisa? (Quais coisas)
Quequess’cara tão quereno? (O que esses caras estão querendo?)
falô psê.
Bom, parece que eu me deixei trair pelo mineirês e alguns verbos eu nem sei como é o certo.
Então vou perguntar para vocês, como vocês falariam "Arredar um pouquinho para lá"?
No mais, animar = querer fazer.
abraços.
na minha opinião esse negócio de dialetos é puro preconceito, aonde já se viu se orgulhar de falar algo totalmente diferente do padrão nacional, isso é separação, o Brasil é 1 paÃs 1 nação, devemos tentar manter uma cultura homogênea, mesmos interesses e de preferência a mesma lingua, isso é uma vantagem sobre os outros paÃses, pena que esse preconceito tão enraizado na europa e asia está entrando aqui também.
danillo · São Paulo, SP 25/11/2008 17:16Para comentar é preciso estar logado no site. Faça primeiro seu login ou registre-se no Overmundo, e adicione seus comentários em seguida.
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