Foto Teresa Vilhena: www.flickr.com/photos/teresa_vilhena
A poesia que me perdoe, mas esta noite não cantarei o amor.
Meus olhos choram como delÃrios de anjos bêbados nas alturas.
Em cujo pranto meninos banham-se noite adentro à luz da lua.
Colhendo no berço marÃtimo da loucura corais de puras amarguras,
Como pedras de crack mergulhadas nas águas escuras do espanto.
Que me perdoem os poetas, mas esta noite não cantarei o amor.
Ainda há pouco na minha porta crianças alimentavam-se de lixo,
De restos, retalhos, rezas e ratos e ritos, com seus rostos hirtos,
E pequeninos corpos expostos à eloqüencia criminosa das ruas,
Iluminados pela luz de um MacDonald, na noite escura da fome.
Que me perdoem todos, portanto, mas hoje não cantarei o amor.
A miséria grita no cio e ruge na porta e range raivosa nas calçadas.
A noite cega serve surda o lixo de Estamira nas bocas e nos becos.
E o desespero que no ar exala é como o avesso de uma flor na rua
Cuja paisagem inóspita fere e extrai da pétala o horror, o antiodor.
Desculpem-me, mas hoje definitivamente, não cantarei o amor.
Minha poesia amanheceu doente, contaminada por inúteis fonemas,
SÃlabas vagas de uma oratória torta que não faz sentido e nada explica.
Coisa bizarra, flor sem cheiro, sem pétala ou cor, lixo, bicho da noite
Armando a silenciosa bomba de rimas mudas, gritos no vão poema.
Por isso, perdoe-me amor, meu canto hoje é este minuto de silêncio.
Pelas crianças natimortas na rua que fedem a lixo e calam a poesia.
Que coisa linda é este teu recado tão importante meu amigo poeta Nivaldo, eu adorei este trabalho. Meus ainceros aplausos e abraços.
Carlos Magno.
Obrigado, Carlos Magno. Fico feliz que tenha gostado. Um forte abraço.
Nivaldo Lemos · Rio de Janeiro, RJ 18/7/2007 18:57
Bom, já que você me convidou pra vir aqui ler e comentar (desculpe, não lembro de você, já nos encontramos aqui pelo Overmundo antes?) vou comentar.
Não me agradam as poesias muito sentimentalistas, a mim soa piegas. Ainda mais o tema desgastado da "estética da miséria". Perfiro que o problema da miséria do paÃs seja debatido de forma direta, discutido e solucionado, de preferência. O tema está mais do que desgastado.
Não gosto também de poesia com forma muito antiga (parnasianista e tal). Acho anacrônico. Daqui a pouco o modernismo faz 100 anos, acho que já temos condições de fazer a forma poética evoluir mais.
Mas essa é apenas a minha humilde opinião.
"Crianças que calam poesia".
Creio que nunca li nada tão trágico, tão triste.
Entretanto, estão aÃ, em qualquer canto. Bichos, bicho-homem, "esse bicho é um homem", como disse o Poeta, abismado.
a poesia, porém, não se calou. Nestes seus versos negros da dor, a poesia pulsa, alma de quem sente, alma de gente.
beijos
Nivaldo, obrigada pelo convite. São tantos os overmanos e manas que a gente corre o risco de se fixar em alguns, algumas, desconhecendo tantas contribuições significativas.
Na minha modesta opinião, vc fez de sua experiência estética com a imagem dessas duas crianças, um poema que incita seus leitores a uma atitude ética: a de nos desacostumarmos com as cenas que nos são dadas a cada dia sem que nosso olhar e nossa escuta se sintam visados por elas. Estesia, que é o contrário de anestesia, foi o que seu "Minuto de silêncio" me proporcionou.
Muito obrigada por isso.
Um abraço sincero
Nivaldo, você me convidou para comentar. Mas comentar o quê mais, quando você já disse tudo? Versos cortantes, 'ataques cirúrgicos' dentro do trinômio "sociedade-pobreza-miséria"... A ilustração é um caso à parte. Mil significados e significantes... Um forte abraço.
FILIPE MAMEDE · Natal, RN 19/7/2007 08:32
Dani,
sem problema, cada qual com suas idiossincrasias. (A propósito, não, não nos conhecemos.)
Saramar,
obrigado e que bom que a você "poesias sentimentalistas" não soa (sic) piegas.
Filipe,
obrigado, também, pela sensibilidade às questões sociais, as quais, aliás, sempre permeiam seus textos.
Ize,
também lhe agradeço a visita e fico feliz que o meu texto lhe tenha despertado esta reflexão. Há quem ache o tema "desgastado".
Um abraço em todos.
Manuel Bandeira, o nosso genial poeta – que transitou com desenvoltura por tantas escolas e nadou magistralmente nas águas turbulentas do modernismo, sem jamais renegar os mestres parnasianos e simbolistas –, dizia que “a poesia é feita de pequenos nadas†e que não existem poetas perfeitos, mas poemas.
E a lição de Bandeira sobre os pequenos nadas da poesia é de uma riqueza impressionante. Ele vai com sua lanterninha de estudioso obstinado em alguns poemas, melhorados por seus autores em reedições, a exemplo de Castro Alves, Olavo Bilac e Raimundo Correia.
E esses pequenos nadas estão nas palavras, naquelas que dão ritmo, pulsação e vida ao poema, fazendo com que a poesia reine absoluta no poema. E a matéria poética? A poesia está nas ruas, no lado escuro da vida, nos materiais ordinários, nas cenas banais do cotidiano, num gesto, numa indiferença, num prato vazio, numa notÃcia de jornal. Enfim, no barro fundo da vida em que o poeta mete a mão. Duas mãos e o sentimento do mundo, cantou Drummond, o nosso poeta maior. É assim Nivaldo que sua poesia chega amorosamente encantatória aos meus ouvidos, com aquela perenidade de coisas do coração, pela beleza da palavra lavrada na pedra do sentimento do mundo. Ler você: sempre um espanto e uma surpresa renovada. A sua poesia agarra a gente por todos os sentidos. ImpossÃvel não vibrar com a beleza das imagens esculpidas nestes versos: “(...) delÃrios de anjos bêbados nas alturas/Em cujo pranto meninos banham-se noite adentro à luz da luaâ€. E destaco a penúltima estrofe, em que a árdua luta do poeta com as palavras à s vezes parece não dar conta do sentimento do mundo. E de novo Drummond: “Teus ombros suportam o mundo/E ele não pesa mais que a mão de uma criançaâ€.
E os meus minutos de silêncio são de reverência e de encantamento.
Abraços.
Bom, cada pessoa prefere uma coisa. O que seria do amarelo se todos gostassem do vermelho?
Prefiro outras formas de poesia. Poesia conreta, por exemplo. Especialmente poesia visual. Não sou muito de texto, sou mais de imagens.
Prazer em conhecê-lo Nivaldo.
Mais uma nota, se for para um "Minuto de Silêncio" tenho minha preferência, desculpem-me por ser uma nota dissonante aqui:
Nudez
Não cantarei amores que não tenho,
e, quando tive, nunca celebrei.
Não cantarei o riso que não rira
e que, se risse, ofertaria a pobres.
Minha matéria é o nada.
Jamais ousei cantar algo de vida:
se o canto sai da boca ensimesmada,
é porque a brisa o trouxe, e o leva a brisa,
nem sabe a planta o vento que a visita.
Ou sabe? Algo de nós acaso se transmite,
mas tão disperso, e vago, tão estranho,
que, se regressa a mim que o apascentava,
o ouro suposto é nele cobre e estanho,
estanho e cobre,
e o que não é maleável deixa de ser nobre,
nem era amor aquilo que se amava.
Nem era dor aquilo que doÃa:
ou dói, agora, quando já se foi?
Que dor se sabe dor, e não se extingue?
(Não cantarei o mar: que ele se vingue
de meu silêncio, nesta concha.)
Que sentimento vive, e já prospera
cavando em nós a terra necessária
para se sepultar à moda austera
de quem vive sua morte?
Não cantarei o morto: é o próprio canto.
E já não sei do espanto,
da úmida assombração que vem do norte
e vai do sul, e, quatro, aos quatro ventos,
ajusta em mim seu terno de lamentos.
Não canto, pois não sei, e toda sÃlaba
acaso reunida
a sua irmã, em serpes irritadas vejo as duas.
Amador de serpentes, minha vida
passarei, sobre a relva debruçado,
a ver a linha curva que se estende,
ou se contrai e atrai, além da pobre
área de luz de nossa geometria.
Estanho, estanho e cobre,
tais meus pecados, quanto mais fugi
do que enfim capturei, não mais visando
aos alvos imortais.
Ó descobrimento retardado
pela força de ver.
Ó encontro de mim, no meu silêncio,
configurado, repleto, numa casta
expressão de temor que se despede.
O golfo mais dourado me circunda
com apenas cerrar-se uma janela.
E já não brinco a luz. E dou notÃcia
estrita do que dorme,
sob placa de estanho, sonho informe,
um lembrar de raÃzes, ainda menos
um calar de serenos
desidratados, sublimes ossuários
sem ossos;
a morte sem os mortos; a perfeita
anulação do tempo em tempos vários,
essa nudez, enfim, além dos corpos,
a modelar campinas no vazio
da alma, que é apenas alma, e se dissolve.
Carlos Drummond de Andrade
NIVALDO,
pela foto, imaginei o poema. Mas nem a foto ofusca o teu poema, porque ele é completo, honesto, sincero e tudo que couber mais no poema que, aliás, não se limita ao que está desgastado ou não.
Os temas podem até se desgastar, mas a forma como se falam deles, não.
Parabéns, mesmo.
Abraços de Betha... terás meus votos.
Cida,
não sei o que dizer com tamanho elogio que, eu sei, é absolutamente sincero. Palavras tão eloqüentes vindas de quem colhe diariamente poesia no quintal, de quem olha o mundo com os olhos de encanto, de quem vive com compromisso a própria vida e, acima de tudo, ama e vive a poesia - com suas dores, espantos e encantamentos - é a melhor coisa que eu poderia ouvir. Por isso, não tenho palavras para expressar minha alegria, minha emoção, às vezes tão piegas, senão simplesmente dizendo-lhe mais uma vez muito obrigado.
Um forte abraço.
e agora?
travei
abraços
volto para votar com certeza
parabéns
Beta,
obrigado também pela força.
Um abração.
Cida, cmo vc foi feliz nas palavras que escreveu para o Nivaldo. Era exatamente o que eu queria dizer, mas minha mão não obedeceu meu pensamento. Queria muito que a matéria poética que vem "do barro fundo da vida", que me emociona e sensibiliza, transbordasse da minha alma para o papel, mas não consigo. Que bom que existe gente como vcs que fazem isso por mim, imprimindo na escrita a poesia com a mesma força com que a mão do oleiro se imprime na argila do barro.
Ao discurso direto, sem ambiguidade, que hoje já não fala a mais ninguém porque sua oficialidade carece de conselho, prefiro a anti-oficialidade da poesia que diz o que quer, ou que deve, não dizendo. Por isso Fernando Pessoa dizia do poeta que "é um fingidor. /Finge tão completamente/ que chega a fingir que é dor/ a dor que deveras sente".
Abrçs
Nivaldo, o quão profunda são essas palavras, quanta denúncia, quanta verdade.
E o amor, onde fica, onde se esconde diante desta dor?!
Ah, bem colocado pela Ize o pensamento de Fernando pessoa.
Abraços do Lucas.
Voltei para votar.
Vejo que seu poema, além dos nos levar à reflexão e à ação, despertou verdaeiros mestres e outros sensÃveis para comentar de maneira didática (no bom sentido).
Assim, a obra atinge seu inteiro objetivo: encantar, sacudir, ensinar.
Parabéns!
beijos
forte, e bom.
vim, vi, gostei e votei.
abraço.
Valeu, André.
Obrigado, conterrâneo.
Um abraço.
Me comovem criacinhas sem comida, sem futuro sem teto sem nada...
Beijos Nivaldo!
Cris
Parabens.Maravilhoso.Real...
Cintia Thome · São Paulo, SP 20/7/2007 20:58
Oi NIvaldo, já voltei e votei.
Grande abraço
Voltei, li e votei. Abraço amigo Nivaldo.
Carlos Magno.
Emocionante. Valeu meus seis votinhos.
Tacilda Aquino · Goiânia, GO 22/7/2007 00:09
gostei e muito e votei.
beijo, nivaldo
Cris, Cintia, Carlos Magno, Tacilda e Natacha,
Estou voltando hoje de Saquarema, onde passo os fins de semana e não acesso a web. Muito obrigado pelos comentários e pelos votos. Fico feliz de que tenham gostado.
Um grande abraço em todos.
Votei...Realidade que ninguem quer ver crescer. Quadrilha insana, mandantes de crimes...todos nababescamente instalados em BrasÃlia...Quem viverá?
Não ouso fazer mais comentários sobre este belÃssimo texto. Tudo já foi dito. Vou aproveitar a falta de palavras para lê-lo mais vezes. Um abraço, Nivaldo.
Remisson Aniceto · São Paulo, SP 5/8/2007 17:46
Dolorosamente verdadeiro. ArtÃsticamente perfeito!
Consta dentre os meus favoritos, aliás, os dois textos que li.
Obrigada por me dar esse prazer da leitura.
Flores pra você! @>--
Oh, minha poeta das flores,
fico feliz que tenha gostado. Obrigado mais uma vez.
E mais um buquê pra você.
Nivaldo, só agora tive o prazer de conhecer a força da sua poesia.
Espero que volte a postar.
abs
Ops, só agora vi que você já voltou.
Desculpe-me.
Agora choro seu poema de... amor!
obrigada pela emoçao, poeta.
bjsssssss;
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