Muçurana

1
Gustavo Ganso · São Paulo, SP
17/1/2008 · 87 · 4
 

A primeira parte do conto, para ler o resto, deve-se baixar o arquivo.

I

Duas horas após o término da metamorfose, continuo a contemplar seu corpo. Livre dos grilhões do instinto. Seu olhar antes atrevido, agora é muito mais comportado, seus olhos eram bonitos, mas resisti e descartei-os assim mesmo, pro lixo, bem como o fora a minha infância, quando tinha apenas meus sete anos e nos mudamos para a cidade. Meu pai disse que o interior estava atrasando a família e que na cidade os tios tinham se estabelecido bem. E de certa forma, se comparados aos casebres do campo, os barracos na periferia não eram tão ruins...(todos os conceitos e concepções que tinha sobre humanos e a vida em sociedade, se provariam errados depois desta mudança. Que ingenuidade a minha pensar que todos os homens se relacionavam como na minha cidadezinha!)

Na última semana é que realizei que as mãos também inebriam e não deixam que a mente pense com clareza. Por isso tomei a liberdade de extraí-las, tão úteis, também tão sujas. Ninguém acreditou em mim: "seu tio trabalha o dia inteiro, nos ajuda muito e você inventa uma coisa horrível dessas!". Ele era da minha família! Ele deveria me proteger! Mas foi bom, não trouxe apenas sequelas, trouxe um propósito de vida: curar. Hoje a fragilidade de criança já não tem espaço em minha mente, desde o fatídico dia, meu instinto fechou-se num casúlo pra renascer mais poderoso do que nunca, rastejando como que uma larva, sendo abusada pela escória toda, mas depois, quando transformada, ninguém é páreo para a muçurana, a devoradora de cobras, poderosa, vai à forra com as outras cobras, agressoras de outrora, brinquedos hoje.

Melhorei bastante para uma segunda vez. Da primeira vez não tinha nem planejado como iniciar o processo, ele não parava de se mexer, nem de tentar escapar, improvisei com um vaso em sua cabeça e descobri como quatro litros podem ser muita coisa quando se trata de sangue pelo tapete. Quase entrei em pânico, usei oque tinha em casa para transformá-lo, facas, colheres, qualquer coisa que parecesse ter serventia. Hoje sou muito mais técnica, precisão quase cirúrgica, fabricando os instrumentos de que necessitasse. Ah! O êxtase de mais um trabalho completo. Sua medíocre condição humana não é mais problema, ele pode descansar agora, seu instinto sujo, não vai mais atrapalhar seus pensamentos. Eu gostava daquele tapete na sala, agora só me serve no quarto, onde o vermelho velho combina mais com o das paredes. Ainda não sei oque fazer das partes removidas de cada um deles, onde estarão a salvo caso um deles queira recuperá-las?
..............

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Autoria
Gustavo Ganso
Ficha técnica
Poetamador e contista corajoso.
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azuirfilho
 

Gustavo Ganso · São Paulo (SP)
Metamorfose, por sí só uma coisa extraordinária feita pela Poderosa Natureza.
Tens uma Inspiração muito grande e construiste um bom texto.
Um tema arrojadíssimo em que voce fez bonito.
Valeu
Tem muito merecimento.
Um Trabalho especial que esta em BOm Lugar.
Parabéns, voto e um Abraço Fraterno

azuirfilho · Campinas, SP 15/1/2008 18:21
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Andre Pessego
 

Gustavo,
Numa linha parecida, conhecia a filha de uma bêba, na epóca uns 5 anos. A mãe caída. Foi acolhida por uma familia dona de hotel. La hospedava um médico, ainda estudante, e que
"tirou a dor" de um colega de infancia (meu) que quebrara um braço. Esta menina ficou taão maravilhada que sempre dizia queria ser medica. Hoje é medica, professora de medicina em Goiás.
- Aos 57 anos conta de como se decidiu a ser medica,
um abraço, andre.

Andre Pessego · São Paulo, SP 16/1/2008 21:12
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raphaelreys
 

Beleza a sua construção meu caro Gustavo! Vc. é corajoso e mergulha para o interiror. Aplausos! Votei

raphaelreys · Montes Claros, MG 17/1/2008 07:01
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Jairo Oliveira Ramos
 

Um voto tardio para a Muçurana. Como lidar com as más línguas e com os maus olhos.

Jairo Oliveira Ramos · Aracaju, SE 15/2/2008 23:50
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