NA CASA PATERNA

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JulioCPerez · Passo Fundo, RS
23/11/2007 · 70 · 7
 

NA CASA PATERNA

Na casa do meu pai
quando era jovem
cortava a grama
todos os dias.
Eu era
o último dos filhos
- homens -
de uma série
que tinha
cedo saído
de casa.
E como
ainda
não trabalhava
ocupava
a força viril
que meu pai
via nascer em mim
no trabalho
de cortar
a grama.
Foi assim
durante
alguns anos
- não sei quantos -
em que vivi
os meus melhores
anos da juventude.
Cortando grama
adolesci.
Escutei som
sem camisa
da porta de casa.
Tive
minha primeira conversa
de homem
com o vizinho
- pai de um amigo meu.
Cortando grama
recebi
a visita do Diretor
e o meu primeiro emprego
- Banco do Brasil,
Menor Estagiário de Serviços Gerais -
mal sabendo eu
o que isso
significaria para mim.

Um dia percebi
no caminho
que ia pro mato,
caminho de grama
com pedras à guisa de calçada,
que a grama que nascia ali,
já não podia mais ser cortada.
Alguma força brutal
e selvagem
daquele caminho,
a caminho do mato,
agreste e rural,
já não podia ser vencido
pela tesoura e pela máquina
com que eu aparava
a grama domesticada
dos outros pedaços
do jardim.
Em alguns pontos
ela sobrava,
tornava-se difícil
a controlar:
o tempo passava,
eu crescia,
as coisas mudavam
e eu sabia
que em breve
tinha que me despedir.
Não sabia
que
por tanto tempo!
Eu me afastaria
desses anos
- os melhores que já vivi –
e a liberdade para mim
era a camisa
perdida
em qualquer canto do terreno,
ao som na porta de casa
e a vida
a me sorrir
- cheia de novidades.
Aquela imagem
da grama agreste,
incontrolável
ao meu cortar,
resistindo a mim,
dominando as pedras do caminho,
num ponto indefinido
entre o mato e o jardim,
não sabia eu
que finalmente
ela ia
me vencer.
Eu me afastaria dessa faina,
entraria na vida
que me levaria pra longe
e ela,
essa grama indominada,
cresceria livre
da minha intervenção.
Marcaria
o ponto exato
em que eu
jamais seria o mesmo
e o rumo
que eu pretendia
dar
a tudo
fugiria de mim.

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informações

Autoria
Júlio César Perez
Ficha técnica
A verdade da minha vida - até aqui.
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Letícia L. Möller
 

Caro Júlio,

engraçado. Tenho penso nos últimos tempos, por estar em um momento de transição, que a verdade (sobre nossa vida, sobre quem somos) a gente descobre assim: nos pequenos gestos do cotidiano, na casa da infância, num caminho de pedra. Numa estrada de terra em curva, num bosque de eucaliptos, num pedaço de grama.
Dizes: “Cortando grama / adolesciâ€. Achei perfeito. Longe dos lugares-comuns que se pensa indispensáveis à despedida da infância. Acho que de mim posso dizer que “virando páginas, sonhando, adolesciâ€.

Gostei muito das tuas linhas.

Um abraço,

Letícia L. Möller · Porto Alegre, RS 20/11/2007 06:01
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Letícia L. Möller
 

Desculpe, "Tenho pensado".

Letícia L. Möller · Porto Alegre, RS 20/11/2007 06:03
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JulioCPerez
 

Letícia, que feliz coincidência, ou talvez nem tanto... já tinha me chamado a atenção o teu comentário naquela celeuma toda envolvendo o artigo do Leandro Lopes sobre o over estar virando um orkut. A tua delicadeza e sensibilidade ao dizeres que estavas voltando ao over foi tocante, porque às vezes eu me sinto assim também. Vou ficar atento a você. Quero conhecer mais de ti.
Um abraço e obrigado pelo comentário ao poema acima.

JulioCPerez · Passo Fundo, RS 20/11/2007 22:53
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Letícia L. Möller
 

Júlio,

eu que agradeço.
Gostei de descobrir teus escritos – andei abrindo tuas “gavetasâ€, para ler o que passara por mim (indevidamente) desapercebido no mar de postagens do overmundo. Com alegria descobri temas comuns. Senti fortes tons nostálgicos e melancólicos em tuas poesias, que costumam estar presentes também naquilo que escrevo.
Vou igualmente procurar estar de olho nos teus escritos.

Um abraço,
Letícia.

Letícia L. Möller · Porto Alegre, RS 21/11/2007 07:37
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Nydia Bonetti
 

Júlio,
teu poema é tocante. Não percebemos os momentos de transição. Eles passam, e só depois, de repente, percebemos que o rumo seguido é bem diferente do que pretendíamos... Para mim foi um susto esta constatação.
Sabe, estou impressionada com uma coisa: quanta gente do BB por aqui, inclusive eu.
Abraços

Nydia Bonetti · Piracaia, SP 22/11/2007 10:49
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JulioCPerez
 

Obrigado, Nydia pelo comentário, só fiquei boiando no BB. O que significa esta letras?
Letícia, vamos continuar trocando figurinhas.

JulioCPerez · Passo Fundo, RS 22/11/2007 12:24
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Nydia Bonetti
 

Banco do Brasil, Júlio. Tem muita gente aqui que está lá ou passou por lá, como você, no seu primeiro emprego. Eu também já estive lá, não estou mais. Bobagem minha ter falado nisto...
Abçs.

Nydia Bonetti · Piracaia, SP 22/11/2007 13:28
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