O armário
Soraia passava o dia arrumando quentinhas em uma cozinha industrial. À noite sentia como se tivesse passado por um moedor de carne e ainda tinha a casa por arrumar. Morta de cansaço passava um pano na sala e lavava a roupa, invariavelmente pensando no Celestino, aquele ingrato que havia largado tudo para morar com uma funkeira. Soraia detestava funk.
Seu negócio era samba e havia o carnaval. Durante o ano inteiro economizava para a fantasia; não perdia um ensaio da escola. Servia como lenitivo a idéia de que, ao menos por uma noite, poderia esquecer as quentinhas e o desgraçado do Celestino. Sem contar o desfile das campeãs, mais um dia pra sambar após as cinzas.
Foi num domingo, uma semana antes do carnaval, que Soraia teve que interromper os últimos acertos da fantasia para atender a porta e encontrar Jucineide com um sorriso ridÃculo no rosto, tanta era a excitação.
___Que aconteceu criatura? Parece que grudou o dedo na campainha! Se queimar vai pagar, entendeu?
__Sô, você não vai acreditar no que eu vou te contar! A minha patroa foi convidada na última hora pra viajar num navio grande desses que pega os turistas no carnaval e me deu as entradas da famÃlia pra o Baile de Máscaras nos três dias. Você vai comigo e com a Gracinha.
__Esses bailes não são mais tão bons, Jucineide, eu prefiro o meu sambódromo.
__É, sua besta? E nos outros dias você vai ficar em casa, chorando pelo Celestino e assistindo ao Gala Gay?
__Hum, nos outros dias pode até ser.
__Pode ser nada, você vai e tá acabado.
...........
Atrasada e vestida de colombina do carnaval do ano anterior, Soraia chegou calada ao baile. A fantasia era bonita: rosa e lilás com plumas e máscara bordada. As amigas, mais animadas que palhaço em dia de circo, logo trataram de arrumar uma rodinha deixando Soraia ali, no meio do salão, sozinha, lembrando do Celestino. Por onde andaria o traste?
Deslocada, sentou numa das escadas do salão principal. Adorava o carnaval, poder se acabar na avenida. Mas aquele baile abafado não animava nem um pouco. Depois de umas seis ou sete marchinhas do tempo do onça, já arrependida de ter saÃdo de casa, um tipo bronzeado, grandão e mascarado sentou ao seu lado e perguntou ao pé do ouvido:
__Não quer dançar ?
Deu um pulo. Mas que era aquilo? – pensou - Enquanto pensava no magrelo do Celestino apareceu um armário dúplex de oito portas.
__Quero sim, tá sem graça ficar sozinha aqui.
Passaram a noite toda brincando, e só brincando, no melhor estilo carnaval à moda antiga, sem parar nem para beber água. Seu par sambava bem e era animado. A brincadeira foi tão boa quanto o desfile da escola. Perto do fim do baile, quando o grandão ia tirar a máscara, um trenzinho com as amigas passou e ela foi tragada pela multidão.
Soraia pensou no armário durante todo o dia seguinte e desfilou apática com Jucineide no ouvido :
__Mas é tonta mesmo, custava passar o telefone?
__Mas eu não tenho telefone.
__Passava o meu...
Arrependida de não ter tomado iniciativa, Soraia lamentava sua sorte. Antes tivesse ficado em casa arrastando corrente pelo Celestino e nunca teria posto os olhos no grandão. Mas ainda havia uma esperança. Ainda havia a terça feira gorda e um convite de baile a utilizar.
.........
Chegou pontual ao salão fantasiada de baiana, a saia toda cheia de babados brilhantes, procurando por todos os lados seu par perdido na outra noite. Em seus sonhos parecia fácil, ele era tão alto, tão forte... A prática, contudo, revelou uma tarefa árdua. As amigas, que prometeram ajudar, logo encontraram sua rodinha e esqueceram Soraia sozinha outra vez. Sozinha de todo, sem ao menos Celestino e suas lembranças.
Passou o baile sentada embaixo de um coqueiro comendo amendoim. Quando a música parou lá dentro e o pessoal começou a sair, levantou e viu que um pedaço da saia tinha rasgado.
__Não me faltava mais nada...
Foi quando ouviu atrás de si:
__Por isso não te achei, está sem máscara!
Olhou atrás do coqueiro e viu o armário. O dúplex oito portas que reconheceria em qualquer lugar, especialmente mascarado, sorria aliviado por tê-la encontrado.
Tomaram o café da manhã na padaria da esquina e descobriram muita coisa em comum. Demorou pouco para descobrirem que estavam apaixonados e foram muito felizes. Não durou para sempre, mas ainda há o carnaval.
FIM.
Lindo! Adorei!
Pura poesia, em prosa!
Arrasou!
Beijão!
Vanessa Anacleto · Rio de Janeiro (RJ) ·
Adorei o Romantismo no Carnaval.
Adorei os Personagens centrais de táo boa Ãndole.
Em todos Lugares há pessoas maravilhosas.
Gostei do Final táo legal.
Muita Inspiracáo e amor no coracáo.
tem todo Merecimento.
Parabéns
Abracáo Amigo
Romances de carnaval... Se esse não durou para sempre, pelo menos o suficiente para nos dar mais um bom conto.
Marcos Pontes · Eunápolis, BA 4/8/2008 19:22
Belo conto Vanessa! Gostei muito! Volto para votar! Beijão!
Paulo.
maravilha de texto, gostei muito querida poetisa.votado.
O NOVO POETA.(W.Marques). · Franca, SP 5/8/2008 21:20
Vanessa Anacleto · Rio de Janeiro (RJ) ·
O armário
Poeta Amiga.
Maior Alegria voltar dar mair uma lida e elogiar seu trabalho de tanto mérito pelo bom gosto.
Abracáo Amigo
Amiga,faltam só dois votos pra publicar e tres horas,tomara que dê tempo
Beijos
Ailuj me chamou para vir publicar seu texto
Um beijo
Poxa, pessoal, obrigada. :-) Fizeram uma escritora feliz hoje.
Vanessa Anacleto · Rio de Janeiro, RJ 7/8/2008 20:41Para comentar é preciso estar logado no site. Faça primeiro seu login ou registre-se no Overmundo, e adicione seus comentários em seguida.
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