1.
Pousou o copo na beirada da mesa, contou até três bem devagar e respirou fundo. Foi como um soco no estômago e, de inÃcio, julgou estar enganado. Efeito da bebida, talvez, ou com toda certeza. Parecia um sonho ruim.
__Repita, meu filho, que eu não entendi nada. Este rapaz aÃ, como é que é?
__O senhor entendeu sim, pai. Eu disse que este aqui é o Bernardo, meu namorado. Já está na hora do senhor prestar atenção em quem eu sou.
__Eu sei quem você é. É meu filho. Eu não vou aturar uma desfeita como esta na festa de casamento da sua irmã.
Custou-lhe muito autocontrole para manter o tom de voz baixo. Não podia, contudo, ficar sentado naquela mesa por mais meio minuto. Levantou, coçou nervosamente a cabeça e saiu andando lentamente. Precisava de ar.
2.
Ficou atônita. A dor era tanta, devastava-lhe o peito. Apesar de tudo, teve tempo de ser ponderada.
__Meu filho, deixe o seu pai esfriar a cabeça, depois conversamos.
__Mas eu tenho que falar com ele, mãe. Ele não pode continuar fugindo e reagir assim.
__A melhor coisa que você pode fazer é tirar este rapaz daqui imediatamente.
__Mamãe, mas eu não posso mandar o Bernardo embora!
__Então vá com ele, meu filho. Não estrague a festa da sua irmã, por favor.
3.
Parecia que nunca mais haveria ar suficiente. Sentia-se prestes a explodir. A cabeça, confusa, buscava explicação, tentando encontrar na lembrança onde teria errado, pois estava certo que a culpa era sua. Os pais são modelos dos filhos. Se o filho saiu torto, foi pelo molde da forma. Mas sempre foi tão homem. Isso não podia estar acontecendo. Os valores que ensinou em casa não serviram de nada?
Sentou numa cadeira longe do resto das pessoas e pode ver o par sair da festa cabisbaixo. Será que aquele rapaz levou seu filho para o mau caminho? Engraçado que olhando assim, ninguém diria. E a vergonha, meu Deus, quando não fosse mais segredo aos amigos? Não vertera lágrima vendo sua filha entrar na igreja minutos atrás. Pela primeira vez na vida, depois da morte de seu pai sentia vontade de chorar. CompreensÃvel, era a morte do seu filho.
4.
A dor não passava. Ver o marido ali, calado, remoendo atingia-a ainda mais profundamente que a revelação do filho. Não era cega, há muito tempo sabia perfeitamente o que se passava. Nunca fez perguntas. No primeiro momento, a vontade foi a de dar umas boas sacudidelas, ir até o apartamento dele e expulsar o garoto de lá, fazer um escândalo, arrumar uma bela namorada para ele. Mas depois de pensar bem, tudo lhe pareceu tão sem propósito. Era a vida que ele queria levar.
Era duro conviver com aquilo, não tinha com quem compartilhar o sofrimento. O marido não entenderia e não seria ela quem contaria a verdade, não queria vê-lo sofrer. Não conseguiu pensar em nenhuma amiga com quem pudesse confidenciar sem que tivesse certeza que seria julgada como mãe incapaz. Decidiu aguardar o inevitável, como uma dÃvida que viria ser cobrada mais cedo ou mais tarde. E até que veio cedo. Débito com pagamento acertado para a páscoa faz a quaresma correr. E correu. Agora precisa ter aquela conversa tão comodamente adiada.
5.
__Onde foi que eu errei, mulher?
__Você não errou, meu marido.
__Ele é doente, eu tenho responsabilidade. Você já sabia? Por que não me contou? Você aprova este fim de mundo?
__Nunca aprovei, meu bem. E o mundo não acabou, só ficou diferente. Ele ainda é nosso filho.
__Meu mundo acabou. O que vão dizer, o que vai ser de mim?
__Eu não sei, daqui onde eu vejo, sinto que vai continuar a ser o mesmo bom homem de sempre. Mas com uma oportunidade nova de aprender que as pessoas são diferentes.
__Pelo amor de Deus, você ouviu bem o que ele disse?!
6.
__Pai, mãe! Está na hora de jogar o buquê , vocês não vêm?
Pousou o copo na beirada da mesa, contou até três bem devagar e respirou fundo. Foi como um soco no estômago e, de inÃcio, julgou estar enganado. Efeito da bebida, talvez, ou com toda certeza. Parecia um sonho ruim.
Vanessa.
Sua prosa é primorosa. E voce
explorou muito bem esse conflito
familiar. Bom texto.
Um abraço
MagnÃfica narrativa sobre as diferenças e a capacidade afetiva para que sejam aceitas. Um beijo, querida, Vanessa.
Compulsão Diária · São Paulo, SP 19/9/2008 14:10
O mundo deu voltas, aparentemente estamos todos adaptados à novas idéias, mas diante de uma situação dessas, continuamos pensando como nossos pais...
Patético !
Um beijo !
Putz!
Este conto é uma faca na garganta.
Não adianta dizer-se moderno. Na
hora H a coisa fica esquisita.
O fecho que você, habilmente,
dá-nos, é a enterrada final da faca.
Parabéns, Vanessa.
Bjs.
eu ri ali em algumas partes q não era pra rir!
naturalmente cômicos, os personagens - mesmo se tratando dum drama (não?)
(um bj do fã desleixado)
Amigos, obrigada pelos comentários. Gosto do overmundo pq acrescenta ao aspirante a escritor idéias e bagagens.
Brigadão!
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