O CIGARRO, VELHO AMIGO (PARTE I)

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Fernanda Nix · São Paulo, SP
16/2/2007 · 36 · 5
 

Eu já devia ter pedido divórcio desse defumador inútil. Não vê só, Marina? Tem ponta de cigarro em todos os cantos da casa, cinza no banheiro, na cozinha, no quintal, na minha sala, atrás da cortina. Espia aqui, olha o meu sofá - apontou tentando chamar a atenção da filha. Tá parecendo uma peneira. Teu pai, teu pai encheu o bicho de buracos! A menina arrumava as unhas sentada no velho e desbotado tapete verde-marrom, aproveitando a luz que vinha da janela sem dar muita atenção ao desabafo da mãe. Eu vi, disse sem desviar os olhos de sua pequena obra de arte feita a pinceladas trêmulas de esmalte. Filho da puta, desgraçado! Eu não mereço isso! Eu não mereço! Enquanto varria o chão com raiva, a mulher mexia os lábios e balbuciava: Setivessouvidominhafalecidamãenãoteriadadotrelapressevagabundobundamoleignorantetuberculoso. A falação desconcentrava Marina. Pára de resmungar, mãe! Tá parecendo velha. Ah, a culpa é do seu pai. Deixa ele.

A porta. O homem chegou mais cedo que o normal. O que será que esse pulmão podre está fazendo de volta em casa a essa hora? Entrou sem falar nada, em companhia de um cigarro aceso. Já sei: gastou o dinheiro da marmita com essa merda e veio encher o buxo em casa! O homem ficou parado quieto perto da porta cabisbaixo. Que é? Não vai falar? Vou comer comida quente, respondeu. Foi pra cozinha. A filha largou o vidro de acetona no chão e foi atrás. Eu sirvo o senhor, pai. Estava curiosa.

Mesmo sentado à cabeceira da mesa, o seu sagrado lugar de todos os dias, não era o chefe daquela casa. Era um intruso, morava de favor, sentia. A filha deu uma requentada no prato. Antes de comer, mais um trago. O que aconteceu? Deixa eu comer sossegado, vai? Tá bom. Mas a menina ficou ali, observando o pai. E ele perdeu o olhar dentro do prato. Feijão, arroz, carne moída e pimentão. Está um pouco salgado, pensou. Mas se eu misturar tudo, o sabor melhora. Assim, fez um denso bolo com a comida mexida. Agora, sim, ficou bom de comer, constatou. Será que a solução pra tudo na vida era como isso? Misturar bem misturado? E ele quase se convenceu de que havia descoberto uma máxima universal. Mas logo tirou da cabeça. Que besteira a minha. Nem tudo pode se misturar nessa vida. Suspirou tentando se conformar.

Fui demitido, desabafou.

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Fernanda Nix
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José
 

Olá, Fernanda!
Feliz ele que demitido foi, eu ninguém demite...
Gostei!
Agradecido, José

José · Criciúma, SC 14/2/2007 16:18
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Marcos André Carvalho Lins
 

muito bom, fernanda!!! gostei mesmo!!!
abraço,

Marcos André Carvalho Lins · Recife, PE 14/2/2007 22:38
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Higor Assis
 

Oi fê.

Nossa muito envolvente o texto adorei, viajei na comida... só faltou a farinha rs...

Higor Assis · São Paulo, SP 15/2/2007 15:14
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Carlos ETC
 

Que legal, Fernanda!
Um texto muito cativante!

Carlos ETC · Salvador, BA 16/2/2007 18:24
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Haragano
 

Gostei muito Fernanda, caminhei com você, peça por peça da sua narrativa, preso, facinado, você está de parabéns, que belo texto (olha o belo e o triste de novo juntos!)

Haragano · Brasília, DF 17/2/2007 00:15
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