O MENTIROSO E A CARGA DE VELHOS
Raphael Reys
Fazendeiro, personagem popular, bastante conhecido na roça onde mora, Mundinho Garrucha era assim chamado, por estar sempre falando sobre armas de fogo. De tiro e caça. Trazia o assunto à baila, mesmo que o tema da conversação fosse outro.
Quando estava na fundição artesanal do mestre Ferreiro, este seu compadre, trocando prosa, exibia o revólver que carregava fofando o coldre por cima da camisa. Ou abria uma pasta de couro, que carregava sempre com uma pistola automática.
Dava frio na barriga dos presentes e curiosos.
Em sua fazenda patrocinava notórias feijoadas 0800 aos conhecidos e amigos. Para se chegar à sede, ia-se a cavalo, e ele, o primeiro da fila ou cabeceira da tropa, portava no aparador da sela uma escopeta 12, cano serrado; no estojo transversal, uma carabina Papo Amarelo. Na cintura, um 38 cano longo.
Tudo isso, segundo justificava, para a eventualidade de algum caititu ou uma queixada intrometida cruzar o seu caminho. Se acontecesse, era morte na certa. Onça, então, essa se borrava toda de medo ao escutar o estrepitar da sua montaria pampa. Aliado a isso, a mÃstica da pontaria certeira.
Guardava as armas de fogo, que adquiria de terceiros, no cofre do amigo Geraldo Nascimento, o Papa Mel. Este, seu compadre e armeiro. Filomeno o corretor prestava a assessoria técnica nas caçadas.
Numa tarde quente, estando o escritório imobiliário lotado de clientes, amigos, caçadores e curiosos, que tomavam guaraná TubaÃna e formava uma bem sortida plateia. Antonino pediu a Eduardo que lhe entregasse um Magnum 357, revolver pesado com aproximadamente 3.600 gramas, que estava guardado no cofre.
E em seguida, para delÃrio dos chegados presentes, deu um telefonema assustador para a sua fazenda.
A conversa, quase um monologo transcorreu assim:
Benzinho - Vai um homem ai, montado num cavalo baio e usando um chapéu de massa - Entrega pra ele uma pistola 7,65 que esta em cima do maleiro do guarda-roupa embrulhada em um papel plástico.
Continua o monólogo:
Abre a porta com cuidado, que dentro tem uma carabona 44 carregada ate a boca, que dispara a toa - Cuidado com o 38 Smith and Wesson cano curto, que está pendurado no prego - Este dito já matou uns seis.
Prossegue o monólogo:
Se esse 38 cair, pode acertar o 32 Taurus bala dundum que, por sua vez, acertara o Colt Cavalinho 32 - No fogo cruzado, dentro do guarda-roupa - A BSA 22LR disparara o pente automático e o teto vai parecer uma tabua de pirulito.
Respirou e continuou o monólogo:
O Magnum 357, que esta aqui no cofre - Vou botá-lo na cintura, que e para fazer um acerto de contas, logo mais, no povoado da Ermidinha - Com um futuro defunto.
Concluindo o monologo disse:
Entrega para o comprador 14 balas cabeça vermelha, que estão perto da escopeta policial de repetição - Cuidado que a mesma esta carregada com cartucho Velox e a trava esta solta...
As outras pessoas foram para casa com calafrios de medo na barriga.
Sarico Sansão mantinha o sustento da sua famÃlia com a sua pequena roça, localizada próximo à cidade.
Gente quase boa, estatura baixa, óculos aro de tartaruga. Para rodar no trecho comprou um fusquinha 69. Fez promessa ao santo padroeiro:
Se conseguisse comprar uma pick-up para a labuta na roça, promoveria uma rumaria de velhos à Santa da Pedra, no municÃpio de Coração de Jesus (MG).
Como tinha visão reduzida e usava óculos fundos de garrafa conduzia o seu fusquinha maneiro e somente em fins de semana de pouco movimento na cidade. Comprada o pick-up Willys e pelas ondas da ZYD7, no programa do velho GD, anunciou a romaria 0800 para velhos.
Fez os bancos de tábuas e contratou um motorista profissional para conduzir o novo veÃculo.
No dia marcado apareceu uma linda moça desejosa de pagar promessa à Santa da Pedra que insistia em participar da romaria. Sarico manteve a promessa. Levou só os passageiros idosos.
Viajando como carona na boleia comendo uma gostosa farofa de galinha caipira e tomando um gostoso café, o nobre proprietário do novo pick-up admirava aquele volante grande. Digno de um motorista de verdade e ele manobrando por aquelas estradas arenosas, quando exigiu parada do carro.
Disse ao motorista que ele mesmo conduziria um pouco. O profissional sabedor das limitações do contratante, justamente naquela estrada traiçoeira. Cheias de facões de areia, curvas acentuadas e ladeiras Ãngremes e temendo por sua vida, o aconselhou a conter os seus arroubos de proprietário.
Sansão, usando como razão a propriedade do veÃculo, disse como resposta:
Quer dizer que eu não posso dirigir o que é meu?
Assumiu a direção e todo garboso guiava acariciando aquele volante grande, quando numa curva difÃcil pegou um facão e tombou de lado.
A carga geriátrica foi lançada no chão fofo e arenoso. Com o magote de velhinhos chorando e machucados a reclamarem da sorte, Sarico Sansão o herói campesino do alto da sua sapiência e elevada prosopopeia de proprietário de pick-up apontou teatralmente para os velhinhos e sintetizou:
Até parece que eu estava carregando uma malta de porcos - Gente quando sente que vai tombar por um lado, tende o corpo pelo outro, equilibrando...
Com a chegada da PolÃcia Rodoviária, fingiu estar passando mal foi levado para a emergência do Pronto Socorro, fugindo do flagrante.
Voltou ao seu fusquinha e levou o filho adolescente para passar o fim de semana na sua roça. Arrancou na primeira, viajou na mesma primeira e chegou à roça na primeira ocasião em que o seu filho observou:
A caixa de marchas está para pegar fogo - O senhor viajou o tempo todo em primeira...
Garboso, Sansão respondeu, na bucha:
É por isso que o carro tem quatro marchas - Acabando uma, você passa para a seguinte que estava na reserva - Quando acabar as quatro, compra um carro novo.
A VERVE DO CAMPESINO
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