O Zé

O Zé

Hoje morreu um amigo meu de Campo Grande, o Zéduardo. José Eduardo, mas a gente sempre acaba juntando na hora de falar, o que originou o nome de artista plástico dele. O Alex, que eu conheci por meio dele, foi quem me contou. Dá um susto, a gente nunca espera, fica meio perdido mesmo. Zé era meu vizinho, eu ficava olhando da janela do meu quarto quando ele estava em casa para poder ir lá, não era o tipo de pessoa que você precisava ligar toda vez antes de ir visitar, era só chegar.

Sempre tinha um suco de uva integral ou um chá gostoso para te oferecer, além de uma energia que era mesmo sobrenatural. Ele era tarólogo, zoroastra, publicitário, artista e sábio, daquelas pessoas que você fica bem quietinho quando estão falando. Eu nunca quis perder nenhuma palavra que o Zé me falava. E ele sempre sabia muito bem o quê dizer. Mais importante, sabia como dizer algo a um capricorniano, já que ele também era um.

Os momentos ao lado dele passavam voando porque eram cheios de muita inteligência, cultura e um olhar sempre instigante sobre tudo, das ondas solares que afetam a telecomunicação ao boy magia que mudou para a rua faz pouco tempo. Meu vizinho querido que me levou pela primeira vez a uma sauna, que sempre me disse para nunca ter vergonha de ser gay e nunca me deixou esquecer que eu tinha um valor muito grande. Ele era dessas pessoas especiais que sempre tinham algo de bom para falar.

Também tinha coisa ruim a dizer, principalmente quando sentava no chão e abria o tarô e falava diretamente o quê estava rolando. No feriado de Finados do ano passado eu fui para Campo Grande e visitei o Zé. Olhei pela janela do meu quarto e vi a televisão ligada, só cheguei. Ele abriu os braços como sempre, mandou o Juca (o cachorro que era como um filho e parece gente) calar a boca e já soltou alguma de suas piadas ou fervidinhas de boas-vindas. Ele estava sempre feliz, ou pelo menos sempre soube que rir da própria desgraça é o melhor remédio.

Sempre que eu penso em equilíbrio e qualidade de vida eu lembro do Zé, ultimamente estudante dedicado da medicina ayurveda. Foi ele quem me indicou o óleo de hortelã pimenta para melhorar o sistema respiratório: “o laboratório do Vicky não quer que você descubra isso�, ele me disse. Indicou-me ainda suco de uva, integral, de preferência, para refrescar o organismo. Isso depois de me dizer que eu sou pira naquela classificação das pessoas. Óleo de coco prensado a frio também foi indicado por ele para refrescar a pele, mas eu ainda não comprei.

Eu ficava horas ouvindo o Zé, só concordava ou fazia uma pequena observação. Era um assunto atrás do outro, todos comentados com muita propriedade, embasamento e uma visão nova, cheia de perspicácia. Eu realmente vou sentir muita falta dele, vou sim. Vai embora a minha principal referência de ser gay, de me reconhecer como homossexual. Ele me ajudou muito desde os meus 16 anos, desde que eu mudei para melhor com os conselhos dele.

Sem falar que, sempre assumido, ele foi pioneiro em muita coisa em Mato Grosso do Sul, principalmente na área do Turismo. Antes mesmo de se cunhar o termo Turismo GLS ele já sabia exatamente como fazê-lo. Lembro também dele me explicando a nova lei do estado, do fim de 2006, promulgada pelo Zeca do PT, que proíbe a discriminação por orientação sexual.

Ele sempre esteve muito à frente de todo mundo, e todo mundo sempre adorou isso. O Zé não era mesmo deste planeta, vou preferir acreditar que hoje ele só voltou para casa, mas longe da minha, onde eu não vou poder ver se a televisão está ligada para visitar – mas tem coisas que a gente não precisa ver, ou se quiser ver é só pedir que “elas aparecerão para você�.