O mar revolvia suas espumas e o enxame de pargos vermelhos pulava sobre as ondas como salmões nas cabeceiras de rios imaginários. Sentado na encosta de pedras que circundava a Igreja Nossa Senhora de Nazareth, em Saquarema, Chico olhava a água fria como se adivinhasse o caminho dos cardumes. A cada fim de tarde repetia esse ritual de contemplação e depois atirava ao mar o anzol e a paciência. Podia demorar horas até um peixe morder a isca, mas ao fim isso justificava a vida. A luta da presa para escapar ao anzol, riscando a superfÃcie azul do mar como a rima submersa de um poema que não se entrega, era extenuante. Mas, no final, Chico vencia aquele contendor de brilhos e escamas exibindo-o sobre as pedras como versos marinhos. Na arte da pesca ele era ágil como um cantador e raras vezes lhe escapava um pargo, um xaréu, um pampo ou um marimbá, que ele arrumava num cordel de espécies como um poeta faz com as rimas, ainda sangrando no poema. Assim era Chico, delicadamente embrutecido.
Essa sua relação com os peixes e o mar nascera ainda na infância, quando nos mudamos para João Pessoa e, pela primeira vez, vimos um horizonte de água e sal, de sol a sol. Tambaú era somente uma praia de pescadores e jangadas, um vasto e longÃnquo deserto lÃquido onde banhávamos nossos medos e sonhos e adivinhávamos mistérios. Foram dois breves e profÃcuos anos de aprendizagem até nosso pai vir para o Rio, onde de se conhecer havia, mais que a cidade, as montanhas; mais que o mar, o amargo de nossas próprias vidas – dissera ele. E assim foi feito. De meninos, nos tornamos homens e atravessamos a Grande Noite de chumbo e flores fabricando esperanças e utopias para o paÃs e nossas vidas. Cada um a seu modo, sentimos a dor da morte de nosso pai e de muitos amigos que nunca chegaram a rever a manhã nascer no horizonte. E nessa caminhada lutamos, amamos e nos fizemos nós próprios pais de nossos filhos.
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Coisa mais linda esse teu texto, Niva. Bonito mesmo. "Na imensidão vazia de sua alma, boiavam destroços, restos de esperanças e um horizonte de pássaros e promessas.".
Uma bela homenagem, com toda certeza. Literatura das boas também.
Obrigado LGláuber. Que bom que você gostou. Que bom também vê-lo aqui no Over. Aliás, um ótimo espaço para você igualmente mostrar seus textos, filmes e produções multimÃdia. Um grande e saudoso abraço.
Nivaldo Lemos · Rio de Janeiro, RJ 30/3/2007 16:58
Rapaz, li os dois primeiros parágrafos e paralisei. Que beleza! Que trama linda entre pescaria real e imaginária, pargos e palavras. Enfim, esse ofÃcio de tecer a vida em palavras, as que imprimem essa luz na alma. Agora, vou me deliciar com o restante da história, que me fisgou, definitivamente.
Abraços.
Obrigado, Cida. Foi a maneira que encontrei de homenagear um irmão meu (na foto) que adorava o mar e pescaria e nos deixou há pouco mais de um mês para pescar pargos no céu. Abraços.
Nivaldo Lemos · Rio de Janeiro, RJ 2/4/2007 17:14
Tenho certeza que o seu irmão se sentiria o mais realizado dos homens de inspirar essa beleza de imagem afetiva que escorre das suas palavras. É uma declaração de amor e tanto, dessas que fazem bem a outras pessoas. Sei o que são essas perdas que nos cortam irremediavelmente a alma. Mas ainda bem que temos o encantamento da poeisa, das palavras, para buscar o alÃvio. Senão a cura, pelo menos o conforto de dar um corpo palpável aos sentimentos. Serenidade e paz ao seu coração.
Abraços.
Muito obrigado, Cida. Abração.
Nivaldo Lemos · Rio de Janeiro, RJ 3/4/2007 10:34
É uma bela exaltação paterna, Nivaldo! Esta foto está muito linda, o mar e suas ondas fervilhantes, é um expetáculo deslumbrante. E este conto que resgata a memória do teu pai, é muito interessante, eu adorei. Meus Parabéns.
Carlos magno.
Obrigadão, Carlos. Só uma observação: a elegia não foi para meu pai (que se foi há muitos anos), foi para meu irmão Chico. Portanto, uma exaltação fraterna. Abraços.
Nivaldo Lemos · Rio de Janeiro, RJ 10/4/2007 13:43Linda homenagem Nivaldo. Um abraço.
FILIPE MAMEDE · Natal, RN 4/5/2007 10:43Obrigado, Filipe. Abraço.
Nivaldo Lemos · Rio de Janeiro, RJ 4/5/2007 11:31
Oh, Nivaldo...
Que poema mais lindo, que homenagem tocante...Estou aqui tentando enxergar as teclas do teclado porque as lágrimas me cegam por instantes...
Meu pai está diagnosticado com câncer, é uma perda irreparável , ele é meu "porto-seguro"...
E agora, José...como dizia Drummond, para onde?
Não estou preparada para esta perda, aliás não estamos preparados para perda alguma!
Quero que minhas cinzas sejam jogadas ao mar, lá na igrejinha de Itaúna!
Bjs
Cris
Cris,
lamento por seu pai e me solidarizo com seu sofrimento, mas é preciso ser forte e lutar, sempre acreditando na vida. Bjs e força.
O rigor encantador de uma prosa que é como o primeiro namoro. Para ficar sonhando depois de ler.
abcs
JJ,
obrigado, amigo, pelo comentário.
Abraços.
OI Nivaldo, quando vc fez essa homenagem tão pungente e linda para o seu irmão, eu ainda não estava por aqui no overmundo. Tão bonita a relação de vcs e a dele com o mar. Desculpe se reavivo saudades, mas pra mim ter saudades daqueles que amamos, e que se foram, é uma maneira de os conservarmos vivos junto a nós.
Eu tb tenho um irmão Chico e só de pensar na dor que seria perdê-lo, imagino a sua.
Um beijo fraterno da
Ize
Obrigado, Ize.
A saudade é grande, sim, e escrevê-la foi uma forma de preservar a lembrança dele que, hoje, imagino é um pescador de nuvens.
Um beijo.
"A luta da presa para escapar ao anzol, riscando a superfÃcie azul do mar como a rima submersa de um poema que não se entrega, ......"
nao tenho palavras......é todo perfeito!
bjssssss;
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