Para trás

O começo da separação dos meus pais, me parece, foi quando meu pai esqueceu minha mãe no posto de gasolina. Estávamos na estrada e paramos para esticar as pernas, meu pai foi fumar um cigarro, minha mãe talvez no banheiro. Sentamos todos no carro (agimos como se estivéssemos todos) e meu pai partiu como costumava, num impulso só, quase cantando os pneus.

"Pai. Paiê..."

"Que é?", disse ele com o cigarro ainda aceso no canto da boca, braço apoiado na janela do carro, todo contente.

"Você não tá esquecendo nada não?"

O sorriso desmanchou-se numa boca caída e preocupada, as mãos apalparam os bolsos do peito e das calças, e ele disse:

"Não, filho, minha carteira tá aqui."

"Não, pai, eu acho que você tá esquecendo outra coisa..."

Meu pai olhou para o lado e notou pela primeira vez o banco do carona vazio. Aconteceu uma eternidade de silêncio, o braço ainda apoiado na janela, o cigarro pregado no lábio quando ele exclamou:

"Eita porra!"

Se eu fosse meu pai naquele momento, eu não voltava. Nunca mais. Acelerava o carro como se o banco do carona nunca tivesse sido ocupado. Isso porque a briga seria tão feia, a aporrinhação seria tamanha que eu preferiria nem imaginar – finito, acabou-se ali, vamos pular a fase do arranca-rabo e celebrar logo os finalmentes. Separados.

Mas ele não fez isso, tinha mais coragem. Deu uma freada, rodou meia-volta quase sem olhar se vinha carro do outro lado e desceu o perto de um quilômetro e meio que andamos sem a minha mãe. Pouco depois a vimos no acostamento, caminhando rápido, putíssima. Meu pai encostou e abriu a porta, não disse nada. Minha mãe entrou bufando, também sem dizer nada. E o silêncio foi total até o fim da viagem.