“Like a bridge
over troubled waters,
I will lay me down.â€
Eu disse um dia desses que “o artista é alguém que poderia muito bem intitular-se um pontÃfice, tanto quanto o Papa. É, também ele (somos, também nós, eis o que eu queria dizer), um construtor de pontes. Pontes de corda, que ele atira longe, na esperança de que as garras dela se enganchem na sensibilidade de quem vê seus quadros, toca suas esculturas, ouve sua música, lê seus textos. E é por essa escada, nem sempre firme, nem sempre segura, que o destinatário toma conhecimento da obra de arte, que lhe produzirá um sorriso, ou um esgar, pouco importando quem seja o autor de quê.â€
Quando recebi o convite para a noite de autógrafo, avaliei os prós e os contras. Já passei antes por algumas situações dessas, quer ativa quer passivamente. Explico: ou era eu o convidado ou era eu o convidante. Como convidante, aquela fila indiana na tua frente, cada um com teu livro na mão e você vendo aquela cara conhecida, cujo nome não vem encimando uma legenda identificatória. “Quando vão inventar crachá obrigatório para essas ocasiões?†Felizmente, quando aquele sorriso chega mais perto e você abre o livro para escrever “que bom que você veioâ€, lá está o papelinho que a previdente vendedora botou logo ali, bem depois da capa, com o nome do teu anônimo admirador. “E aÃ, não tens ido mais lá. Temos sentido tua ausência.†Lá onde, Deus do céu? Do que que essa sorridente figura está a falar? Aà você inventa uma desculpa meio descabelada, tipo “o tempo é pouco e quase sempre temos de fazer o que devemos em lugar de fazermos o que gostarÃamos de fazerâ€, algo que não diz muita coisa mas faz o nosso interlocutor pensar enquanto rabiscamos o chamado autógrafo e devolvemos o livro, convenientemente fechado, com um retributivo sorriso ou, conforme as circunstâncias, também com um aperto de mão. Ou dignando-nos de ficarmos de pé para um abraço e a indefectÃvel fotografia, agora que câmera digital virou essa febre que se alastra por todo canto, daqui a pouco até caneta bic virá com uma. Aliás, a frase serve, na pior das hipóteses, para o comprador do livro admirar nossa capacidade de inventar desculpas, mal sabe ele que já usamos essa frase vezes e vezes para justificar ausência em velório, em reunião de condôminos ou em recepção de candidato a vereador. Acho que também já escrevi sobre isso. Preciso parar de repetir-me.
Mas eu falava dos tais convites. Recebo-os com alguma freqüência. Quase que eu disse diuturnamente, mas achei que seria exagero. Constantemente? Menos, cidadão, menos. Então fica o alguma freqüência, que nem me compromete nem me apequena. Tenho recebido convites enviados por minha amiga Inês Ramos para lançamentos de livros em Lisboa e adjacências, com direito a beberete, pá. Não que me seja difÃcil tomar um avião cá, dexer, como lá dizem eles, no aeroporto da Portela, participar do tal lanxamento de livro e de imediato retornar aos meus afazeres rotineiros. O crack da Bolsa, que decorreu do fato de o Bush não ser craque em coisa alguma, além de pé frio, pode ter atingido duas ou três de minhas empresas, mas, como diz o colega Soros, quando se perde é que é hora de ganhar. Pra mim, vindo do Soros, isso não é grego, é húngaro, mas confio nos pacotes de socorro que estão sendo concedidos aos amigos do Bush e, por tabela, aos clientes dos amigos dele. Em último caso, tristeza de muitos alegria é, como dizia minha avó. Eis o que eu queria dizer: só não vou a Portugal com mais freqüência em solidariedade ao colega Saramago, aquele escritor que fez uma troca d’ilhas: foi de jangada de pedra para Lanzarote, onde quer que fique isso.
Quando o percurso não se mostra muito longo, lá estou eu para prestigiar o tal lançamento, como dizem alguns. Só me falta dizer, como já ouvi de algumas artistas de televisão, “vim aqui abrilhantar a tua festaâ€. Ou seja, sem o meu brilho e sem o prestÃgio que minha presença está dando, que droga de lançamento seria este, caro amigo Marcos Pontes.
Numa dessas ocasiões, em razão de compromissos nossos em locais diversos, eu e minha mulher chegamos à tal livraria onde se daria o lançamento do livro em momentos distintos, ela mais cedo. Quando chego, ela espumava. “Um desses teus colegas aprontou uma boa. Ele e mais dois amigos estavam para cruzar a porta de entrada quando deram pela minha presença. Ele parou, afastou os dois amigos, para que eu entrasse.†E por que então a raiva? Pelo piropo que aquele falso espanhol tossiu: “Primeiro a beleza...†O que fez minha mulher dizer a ele “E depois a inteligência dos senhores. É isso?†O fato é que dei uma sonora gargalhada, pois minha mulher é famosa pelos enquadramentos que vive fazendo em quem não pensa antes de abrir a boca perto dela. Pergunte a quem teve de aprender Direito Internacional com ela na USP. O fato é que se impunha que fôssemos adquirir o livro em lançamento e colher o autógrafo do seu autor. A fila caminhava naquela velocidade de tartaruga reumática mas acabamos, eu e ela, frente a frente com o tal autor. Ela me cutuca: “Esse cretino do outro lado da mesa foi exatamente o autor da grosseria!†Imaginem a cara dele quando dá com a cara dela, que ele não conhecia, de braço dado comigo.
Outro desses lançamentos ocorreria num dia atÃpico: eu com compromisso profissional à tarde e minha mulher com compromisso à noite. E eu não querendo deixar de ir, pela curiosidade em conhecer o autor, de quem já lera alguns poemas e alguns relatos, e os que por lá aparecessem. A solução foi ir ao Boteco do Ferraz no intervalo, morrer de inveja dos que iriam aproveitar o encontro para melhor se conhecerem e, sacrifÃcio dos sacrifÃcios!, sem virar um só dos tantos copos de chope previsÃveis, dizer um oi aos presentes, dos quais eu só conhecia o garçom, abraçar o Marcos e sair com o D’Acolá debaixo do braço. O que só fez aumentar minha raiva.
O homem tem leituras, condição dita sine qua non para que alguém tenha outro atributo que o Marcos Pontes possui: estilo. No geral, o que há no livro são mini-contos, escolha difÃcil, pois, se o conto já é um desafio, pela necessidade da sÃntese, o mini-conto exige uma depuração e uma honestidade intelectual Ãmpares: nada de gordura, o que significa economia franciscana de adjetivos. Em segundo lugar, modismo ou não, ele, tanto quanto eu, acredita no realismo fantástico. Déjà Vu, para citar um só de seus contos fantásticos, tem tudo para estar numa antologia de contistas latino-americanos, ao lado dos Cortazares e dos Borges. A fina ironia derrama-se pelo livro, como se vê da escolha dos nomes dos personagens: Adevanair, Cleovaldo, Ziluê, Lucivaldo, Elânia, Agnobaldo, Lucidalva, Atenório e Ermenevaldo dizem por si só do modo de ser da brava gente nordestina. É só ver a escalação dos times de futebol nordestinos para dar com nomes que nada devem a esses. Qual o propósito do escritor com essa escalação?
Há no Brasil atualmente um curioso fenômeno cultural. Editoras “brasileirasâ€, tanto quanto gravadoras “brasileirasâ€, empenham-se em enterrar, ainda no nascedouro, compositores, cantores, músicos e escritores nacionais. Por interesse puramente mercadológico, essas empresas, com apoio na legislação que fazem aprovar, preferem divulgar no Brasil escritores, compositores, músicos e cantores que têm no Exterior notável instrumental de promoção, que praticamente elimina a possibilidade de haver escritores, compositores, músicos e cantores nacionais que a eles se possam ombrear. Não fosse isso assim, escritores como Marcos Pontes seriam lidos em todo o paÃs e até mesmo além fronteira, pois sua narrativa, numa aparente preocupação regionalista, é, em realidade, universal. Vodu e No Topo, por exemplo, passam-se onde?
A páginas tantas diz o narrador que “o viajante não precisava de máquina fotográfica para eternizar o que via e máquina nenhuma registraria o aperto no peito e a força que fez para conter as lágrimas de compaixão. Aquelas cenas de menos de dez minutos ficaram tatuadas para sempre em seu cérebroâ€. É, evidentemente, o autor a falar da sensibilidade e da arguta percepção do Marcos Pontes.
Minha homenagem a um grande narrador.
Sempr estaremos construindo e eternizando pontes no nosso caminho de volta a Deus!
raphaelreys · Montes Claros, MG 9/12/2008 09:30Como ficava muito sem jeito ao receber um elogio, aprendi a apenas agradecer. Muito obrigado, então, Adalto. Pela referência, pela leitura e por ter gostado do livro. Vinto de um leitor voraz e de um escritor talentoso, isso tudo fica ainda mais acentuado. Espero poder continuar escrevendo e me aprimorando nisso. Confesso que não sonho com grandes públicos, mas concordo que muitos bons escritors de pequenas platéias merecem espaço maior nesse paÃs iletrado e regido por corporações que visam mais o lucro que a qualidade. Boa sorte, portanto, a todos que escrevinhame têm talento. Abraço.
Marcos Pontes · Eunápolis, BA 9/12/2008 13:28
Bela homenagem, ainda mais pelo homenageado ser uma pessoa tão especial e merecedor do texto
beijocas
Ótima e merecida homenagem a Marcos Pontes!
Paulo Esdras · Brumado, BA 9/12/2008 15:17
Como ainda está em edição, posso divagar.......
Hoje voltei mais cedo, acompanhar o julgamento do RAPOSA TERRA DO SOL, hoje tudo me está esperançoso
abraço
andre.
Voto para esta ponte continuar firme e forte!
Paulo Esdras · Brumado, BA 11/12/2008 11:19
Pontes, me deu uma inveja danada.
Ter do mestre um elogio destes...me mostrou que sob minha pequena ponte ainda tem que passar muita água.
Parabéns ao homenageado e ao belissimo texto do homenageante.
Circus, gosto sim do Pontes e das Pontes. Lanço-me horas, ângulos, desvios sem fim ao pensar na sinergia delas conosco, com a natureza, com a Dividade e com o Cosmos!
Por outro lado já estava matutando como criar uma ponte entre você e eu - e não é que Pontes - as Pontes fizeram-nos se encontrar! Enfim, quero afiemar que vc escreve muito bem. Tem uns cortes cirúrgicas, humor, poesia na prosa - um cotidiano desfilar de persongens que te são caros e por aÃ: pontes. Você escreve pontes em tudo!!!
Abraço! Foi uma honra escrever um pouquinho sobre tua escrita de ora!
Estimado Circus: sim, gosto muito do Pontes, dos poemas e das narrtivas que ele escreve. Tive o prazer de ler em papel e tinta, com autógrafo e tudo a riqueza que D'Acolá. Abraços, Grauninha
graça grauna · Recife, PE 11/12/2008 15:17
Olá!
Quero emoções, quero a alegria de poder passar pontes e mais pontes, e ainda deixar rastros para a eternidade das boas memórias.
Abraços
de grandeza Ãmpar e como é bom de ler seus texto.
publicado
Adauto, uma homenagem assim tão bem escrita vem valorizar ainda mais o livro do amigo Marcos Pontes. E ele a merece. Não pude ir ao lançamento, mas adquiri o livro, li e reli, e me agradou muito.
bjs
Grandes Pontes...entre Adautos e Pontes !
dois feras !
eEviva as produções independentes !...Vamosa acabar coma hegemonia...
abraço
Maravilhoso Marcos Pontes e maravilhoso texto!
Abraços poéticos,
Bela homenagem, Marcos merece. Tu tb mereces, por ser este homem sensÃvel e mágico que nos brinda com este belo texto, repleto de aventuras literárias. BJos
Iva Tai · Manaus, AM 13/12/2008 12:44
Parabéns pelo grande texto e pela grande homenagem!!!
O marcos merece mesmo!
um beijo azul
Blue
Belo texto. Merecida homenagem. Que sejamos Todos, pontes a unir e interagir nossos pensamentos, emoções. Sempre auxiliando na construção de um Mundo melhor.
Abraço fraterno. jbconrado.
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