Pernoito dentro dessa saudade, e o chão se abre em neblina azul. Penetro o pálido vago, memórias de um subsolo onde você ainda ,deitado sobre mim, roça minha nuca e pinta em meu ouvido um futuro suspenso num sonho feito de um invisÃvel inquebrável, como deveriam ser todos os sonhos, uma epifania nas veias, e as artérias me levando de volta a uma parte de mim descolada , que ficou em alguma Pasárgada, num vôo sobre esse mundão afora.
É muito tênue esse caminho que me divide entre um restinho de rio e mar... Trago o doce e o sal nas entranhas e um estranho sentimento de não pertencer a lugar nenhum, pois, no final das contas, essa vida nem é mesmo da gente...
Nômade ou extraviada, o destino parece sempre escapar, e os passos, cansados, vacilam em cima do muro das lamentações, talvez porque o sertão que corta as minhas águas, quase em extinção, saiba bem que não se espera muito dessa vida emprestada, quando tudo é seca... Segue-se o seco com o olhar perdido até que o céu chore por nós, e a chuva fecunde uma pontinha de esperança nas terras do coração que navega em qualquer gotinha de oásis...
E é assim, num tempo cada vez mais instável, que tua ausência flutua na saliva da noite, devorando meu sono. Dou-me inteira, como presa dessa fome, como se, ao ser tocada pela boca da noite, todas as distâncias se dissolvessem no meu paladar, com essa fragância que imagino teus lábios cheios de sol...
E um vermelho sopra as cortinas que lançam a jangada azul-cor-de-céu-portodosempre na rubraonda sobre o meu corpo, até o fundo das águas que me despem e fecundam meu sertão de puro encantamento. Navegar é preciso, ainda que em pleno deserto!
E a casalma inunda, as paredes transpiram sussurros que escorrem, pintando algas no teto transparente, e um sol transgressor sorri, com seus reflexos dourados em nossas espumas-lavas-lunares, levando o arco-Ãris para o sertão de cada um, que se dissolve em corais, no suor de luar, enfeitando nosso noturno mar...
Algo das algas derrama o verde frescor do instante vivido e há uma umidade de chuva sob ele, das chuvas que guardam os beijos dentro de cada gota que vira um oceano dentro da boca...
A saudade sempre me chega como um sax soprando furacões de silêncios de lampiões e sons cintilantes , sempre música no meu paladar, pois sempre gostei de lamber os sons das coisas, como um doce ritual guarani que resgatava o espÃrito ancestral de tudo que já havia passado por mim e voltava... porque na verdade nunca fora para sempre...
Toco tua voz, que me chega assim de longe, com a lÃngua, sugo toda a polpa que tem o teu sotaque, bebo os sons de sim que vêm no vento de tua respiração, e sinto um tornado derrubando todos os nãos que roubam nossos sonhos, traiçoeiramente, como feitiço, coisa- feita pra não deixar a gente ser feliz, ainda que a felicidade seja clandestina mesmo...
O mistério está em esquecer um tantinho dessa modernidade pantanosa e ir buscando devagarzinho o que não está nas idéias, perder o juÃzo encurta qualquer distância!
É preciso enxergar aquilo que está no sem fundo dos olhos e da vida, inesgotáveis fontes de mistério, lugarzinho navegável até a barquinhos de papel. Basta não ter pressa, acender a luz de um lampião na varanda dos sentimentos e escutar os vaga- lumes trazendo alguma mensagem secreta das estrelas...
Abandonar a lógica e sentir o aroma..., e o paladar experimentará de novo a vida... afluente de magma trazendo de volta o calor humano ao homem-de-lata que nos tornamos...
Temos que sair das jaulas que não nos protegem e plantar
uma flor no asfalto, há de brotar um Éden não artificial...
este que sempre brota dessa saudade estampada
com flores-fluviais-feitas-de–correntezazul...
“Shimbalaiê quando vejo o sol beijando o mar... Shimbalaiê toda vez que ele vai pousar...†... e meus olhos re_pousam em ti...
pássaro livre vivendo anos nos segundos de um bater de asas...ancorando meu vôo em teu portodosempre...e teus olhos crescem feito duas luas se pondo em mim...
Basta um piscar pra eu te amar...e tudo se pôr em seu lugar...
Basta o movimento dos barcos e o encontro se dará...breve e infinito como a vida...
(Raiblue)
Madrugada de 24 de setembro de 2009.
Dedico esta prosa ao grande Guimarães Rosa, minha grande paixão, que, se estivesse vivo, teria completado 100 anos,em 27 de junho.(Canceriano como eu....rs)
Saudade
(Magma-Guimarães Rosa)
Saudade de tudo!...
Saudade, essencial e orgânica,
de horas passadas,
que eu podia viver e não vivi!...
Saudade de gente que não conheço,
de amigos nascidos noutras terras,
de almas órfâs e irmãs,
de minha gente dispersa,
que talvez até hoje ainda espere por mim
Saudade triste do passado,
saudade gloriosa do futuro,
saudade de todos os presentes
vividos fora de mim!
Pressa!
Ânsia voraz de me fazer em muitos,
fome angustiosa da fusão de tudo,
sede da volta final
da grande experiência:
uma só alma em um só corpo,
uma só alma-corpo,
um só,
um!
Como quem fecha numa gota
o Oceano,
afogado no fundo de si mesmo..
E também oferto cada palavra a um certo alguém que está sempre em meu piscar...morando em minha saudade...
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E da Bahia, madrugada de uma noite de primavera, onde em um portodosempre seguro, me vem na crista do vento quente e amável
um delicioso poema texto que enebria meu surreal coração...
Como começar a falar se a voz me falha?
Apenas agradecerei ao Supremo pela grande permissão que tenho de ver, ler e ouvir, nessa tarde noite azul essa poeta maravilhosa.
Benção Raiblue.
Poeta éterno e cheio de mágica. As palavras em suas mãos recebem um toque todo especial. Perdem seu simples significados dicionarizado para ganhar poderes metafÃsicos que estão muito além de nossa miserável existência. Para mim, você é aquela poetisa que todas as palavras querem passar pelas mãos. Votada, e com muito prazer. Pois estou encantado com suas doces e espessas palavras.
LuÃs, o último literário · São LuÃs, MA 27/9/2009 19:27
Idéias maravilhosamente alinhavadas a la Raiblue, com uma tal habilidade admirável, tornando cada sentença quase num hino à sensualidade e sensibilidades humanas...
Parabéns, querida, ventos de verdade nessas sábias palavras, videos escolhidos a dedo e ultra coerentes ao texto...
um beijo !
Raiblue · Salvador (BA)
Portodosempre...
Ficou Muito Lindo e Lembra Deus Criando o Céu e o Mar.
A água de onde saio todas as formas de vida.
A caminhada de todas as águas até atingir o mar.
Verdadeira viagem de amor.
Você descreve tudo muito bem e a gente vai neste sonho de poesia
Eu fiquei pensando nestas águas e na trasnsposição das águas do São Francisco e fazer o Sertão virar Mar e aliviar todos sertanejos, com fartura na roça.
Muito maravilhoso e em estado de comunhão.
...fome angustiosa da fusão de tudo,
sede da volta final..
Parabéns.
Abração Amigo.
A vida assume, em suas correntezas,
sabores agridoces ...
Um texto bem a seu estilo,
belissimo !
beijo
Como quem fecha numa gota
o Oceano,
afogado no fundo de si mesmo..
pronto !
bj
Tu é linda ... és da cor do meu blog...amo isso!!
Teus poemas então...nem digo nada !!!
PQP !!!
Mil beijos !!!!!
Bluebaby,
Mais um mergulho dentro d´almazul que você tem...Aonde depois de tempestades e calmarias podemos aportar no portodosempreamar. A saudade pernoita conosco, é uma grande lua fria a nos olhar, que traz tanto de quentura que ficou em nosso peito. Ligando as lonjuras de um tempo que já foi e o único tempo que há, o agora... Esqueçamos das (i)lógicas pretensas verdades. Elas nos roubam aromas e paladares. Voemos momentaneamente pra longe desse mundo de concreto e metal, alcançemos o oásis transcendental, onde as lembranças se fixam na pele, e não mais saem... Que nossa florazul arranque o asfalto bruto da modernidade e inunde e se espalhe, pelo mundo todos. Sejamos o sol e o beijo do sol no mar, pois só assim nos sentiremos vivos e livres, só assim acompanharemos o movimento dos barcos e sentiremos o encontro infinito, ainda que breve...
Parabéns ! BelÃssima inspiração, Guimarães sempre é rosa... Lindos os vÃdeos também, de Betânia e Gadu, e esse foto então, seus cabelos lembram ondas, vermelhas e rebeldes, mas sempre suaves, rs...
Bjo grande de mar de lua de porto de rosa de azul...
A saudade sempre me chega como um sax soprando furacões de silêncios de lampiões e sons cintilantes , sempre música no meu paladar
Minha querida RaiBlue: agradeço a Ñanderu a oportunidade que eu tenho de fazer parte da sua companhia neste Overmundo. Minha querida irmã das letras, fico muito feliz por você continuar firme na sua paixão pela escrita. Seus textos continuam cada vez mais poderosos e mágicos. Parabens, minha amiga escritora. Paz e bem.
A mulher que tem os olhos voltados para o tudo,o tempo preciso em cada palavra usada como um movimento allegro...ma non troppo,a sensibilidade urgente que explode em cada um dos seus olhares penetrantes sobre o homem,sobre o tempo,sobre as águas que molham o nosso universo fisico como lágrima que brota da alma da madrugada e nos permite tudo.A mulher,a poetisa que se mistura no amor à rosa do Rosa qua~l sertão e tão grandiosamente litorânea.Uma obra maior,só Raiblue...
Acho que é por tudo isso que é voce que eu saà de minha alma para encontrá-la.Ósculos suaves,amada.
Grande Guimarães Rosa, o Rosa das rosas...bj
Juscelino Mendes · Campinas, SP 28/9/2009 10:38Magic Blue: Profundo... Essencial para quem quer navegar pelo imenso mar do amor. Axé!
RUI LÔBO · Brumado, BA 28/9/2009 11:33Filha da lua, poço de emoções, feiticeira da terra dos Orixás e Santos. Para você ...CosÃ, obá, can. AfÃ, Olurum! Te saudo e peço a Deus morrer em seus pés hipnotizado pela sua suavidade! Te beijo passionalmente!
raphaelreys · Montes Claros, MG 28/9/2009 13:23
BelÃssimo! Envolvente e muito bem escrito!
Votado!
bjs
duca, o mais posso dizer, DUCA!!!!
BEIJOS
Lindo, Rai. Ler seu texto me possibilitou um navegar por uma infinidade de outras obras: Comecei com Vandré e aà vieram Elomar, "Chicos", CecÃlia, Florbela, enfim... Seu texto plural tem a marca da sua singularidade.
"É muito tênue esse caminho que me divide entre um restinho de rio e mar... Trago o doce e o sal nas entranhas e um estranho sentimento de não pertencer a lugar nenhum, pois, no final das contas, essa vida nem é mesmo da gente"...
Olha que beleza... isso é lindo demais.
Obrigado por nos presentear com algo tão valorozo.
Bjsssss, blue!
Raiblue
"jangada azul-cor-de-céu-portodosempre na rubraonda sobre o meu corpo"
Gosto de pescador, uma jangada por ele rsrsrsrsr com carinho da poeta,bjs.Parabéns!
não sei... acho q vc abriu todas as comportas do seu coraçao
e inundou tudo. Um desejo reprimido...uma saLdade doÃda
e uma esperança "molhada" em poesia e uma compreensao
absurdamente logica e dificil de se aplicar no campo sentimental.
frases lindas, sentidas e perdidas em meio a uma maré de sentimentos desconexos ou complexos.
mas que deixa perolas ás margens... do sentir.
bjssssssss de fã, sempre.
simplesmente um trabalho lindo, abraçossssss
O NOVO POETA.(W.Marques). · Franca, SP 29/9/2009 07:33
Querida Blue poetamiga você é puro sentimento. É uma explosão de verdades e emoções.
A mim seus poema tocam profundamente...
Amei.
Bjos
Patty
Salve salve Blue!
Que poesia bacana,voce sempre me emociona!
beijo carinhoso
Uma obra que nasce na madrugada dos poetas e poetisas hipnotisa mais uma vez á todos.
Mais uma obra colossal! Beijos
"A saudade sempre me chega como um sax soprando furacões de silêncios de lampiões e sons cintilantes , sempre música no meu paladar, pois sempre gostei de lamber os sons das coisas, como um doce ritual guarani que resgatava o espÃrito ancestral de tudo que já havia passado por mim e voltava... porque na verdade nunca fora para sempre..."
Pelos pampas o minuano canta a velha milonga do antes, um agora que cavalga a colina e faz segunda voz para os quero-queros. Fico ginete desse olhar, entre as cordas de espinho da guitarra no fundo da imensidão e o vinho que como facho na escuridão vai embriagando as 7 luas que as estrelas meninas vão se pondo a cantar só para mim. Muito antes a lo largo, sempre tive na liberdade minha fronteira e nada me conteve e nem mesmo a seiva quente do mate tornou o meu sentir uma adaga menos afiada que falava o idioma das correntezas. Só a alma que não é ventania faz do que passou um ninho para ser passarada.
Um beijo,
Menina!!!
Vc escreve tao suavemente, que traz uma felicidade.
Um jeitinho bom de ler.
Beijinhoss
Raiblue,
Andei meio afastado daqui, mas senti falta dos amigos. Reencontro você agora com esta bela crônica, cheia de poesia, a saudade boiando entre rio e mar...
Beijos.
Valeu,Zeca, estava com saudades...
E a todos que aqui estiveram com seu carinhoso comentário...muito obrigada!E vamos proseando toda poesia que a vida irradia!Basta ter olhos para ver!
mil beijokas blueastrais!
Blue
Reflexo de tua grande alma, Adoro você Blue. Só agora pude ler
e deliciar-me com este teu texto - poesia. Antes tarde do que nunca.
Obrigado.
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