PROCURA-SE

Diogo Lyra
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Diogo Lyra · Rio de Janeiro, RJ
12/4/2007 · 7 · 1
 

Não podia acreditar no que seus olhos lhe contavam. Ali, no fundo do sobrado onde, no andar térreo, funcionava uma tabacaria, havia bem mais do que sua racionalidade pequeno-burguesa poderia suportar.

Isto é, para além dos cigarros, charutos, piteiras, isqueiros, cachimbos e rapés típicos deste estabelecimento; para além do café, do bolo, dos pães de queijo, dos brownies e demais confeitos que ali são servidos; para além dos homens pálidos e seus jornais, livros, revistas, cartas de amor, papeizinhos dobrados, entre outras formas típicas de distração solitária que por lá são usuais; para além de todos e de tudo que se espera em lojas como aquela, bem ali, no fundo da tabacaria, existia um sonho.

Sem ao menos conseguir lembrar como foi que chegara naquele ambiente, quando, na verdade, apenas procurava uma revista importada ao sul do estabelecimento, o homem não questionou, não perguntou e não recuou. Sentiu-se simplesmente maravilhado e, tomado por um tipo particularíssimo de êxtase, deixou-se largar e caiu de sopetão em um delicioso sofá que, curiosamente, antes parecia não existir.

Percorreu com os olhos cada metro quadrado do lugar, no qual homens felizes e tenazmente ébrios trocavam falsas confidências à meia-luz de fumaça e espuma; cortejados sem exceção por funcionárias risonhas que, não fosse pelos corpos voluptuosos, seriam para sempre lembradas por sua extrema simpatia; cercados por mesas de jogos nas quais o dinheiro para aposta não acabava nunca, ainda que se apostasse mais e mais; onde mesmo a saúde padecia, mas não nos corpos entupidos de frituras e sim no seu próprio determinismo desumano.

Estava em casa. Outros como ele também estavam. Tirou o casaco, desligou o celular e, antes que pudesse pensar em qualquer coisa, foi generosamente servido por uma das jovens funcionárias.

Vinte anos depois a esposa ainda chorava pelo marido que saiu para comprar cigarros e nunca mais voltou.

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informações

Autoria
Diogo Lyra escreveu este conto e publica outros, toda quinta-feira, no Fundo de Quintal Literário, cujo endereço é este aí:
http://www.fundodequintalliterario.blogspot.com/
Ficha técnica
Oriundo dos rincões de Irajá, subúrbio do Rio de Janeiro, este jovem beirando os trinta formou-se em direito mas, por odiar advogados e gostar de pensar, entregou-se à sociologia e hoje faz seu doutorado no IUPERJ.
Contudo, nada disso importa para além do claustro burocrático da vida, pois que nascido infecto pela paixão literária, Diogo Lyra, o jovem em questão, deseja apenas seguir escrevendo e, com um pouco de sorte, vez por outra ser lido...
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Fernando Niero
 

bacana, já votei, abraço

Fernando Niero · São Paulo, SP 13/4/2007 17:04
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