Profano

A primeira pessoa observa em silêncio a terceira pessoa
aparentemente despretensiosa
e constrói o convincente discurso da autodefesa
para no íntimo defender-se de si mesma.
Ningué é de fato réu ou inocente
no mínimo uma marionete
que tão ardilosamente as mãos hábeis do Destino
manipulam.
Acreditem, e a hipocrisia é o que plasma o tal discurso de autodefesa.
Quem nunca mentiu ou pensou absurdos
ou mesmo desejou que tudo fosse para o inferno?
Que o homem nunca desejou a mulher do vizinho
e que mulher nunca desejou ir para a cama com outro que não fosse o seu próprio companheiro?
E o discurso de autodefesa é o que resta depois de tudo
para que um se condene e o outro mereça a piedade.
Acreditem, a hipocrisia veste a humanidade.
Não fossem as correntes que a religião nos ata,
a idéia de paraíso sequer existiria
ou talvez a covardia nos salvasse.
Quem sabe não seja a covardia que orienta a atitude religiosa...
Quando não se tem medo do que a Morte reserva
reserva-se o direito da licensiosidade,
e o profano é o que está no inconsciente de cada um.
Salvem os gregos da Metafísica que nos trouxeram a idéia da racionalidade
e nos ensinaram a disciplinar nossos pensamentos.
Criamos regras de conduta
senão o nosso convívio seria impossível
e quanto mais evoluímos, mais regras ainda há para se criar
senão o nosso fim será inevitável.
Quem duvida que a fidelidade seja uma questão de disciplina?
Dom... Alguém lá sabe de fato o que é dom!
Cada um traz seus próprios dons
e vai-se limando, limando, até ficar razoavelmente
sociável.
Mas ninguém é puro que seja digno de confiança cega
porque o profano
está no íntimo de cada um,
adormecido.