Seven Seconds (fragmento de novela)

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Fábio Fernandes · São Paulo, SP
24/7/2006 · 78 · 13
 

Depois, ele só se lembraria de toda a cena em câmera lenta. Como um filme de Tarantino. Não, de Sam Peckinpah. Movimentos coordenados. Um balé. De sangue. Seria belo se não fosse a dor.
O primeiro tapa foi dela.
Isso nunca havia acontecido, mas ele não perdeu tempo procurando se espantar ou filosofar. Partiu pra cima.
O segundo tabefe foi dele.
Pelo canto do olho, ele viu as gotas de sangue espirrarem nos azulejos da cozinha. A mente se dividiu em duas naquela fração de segundo: a primeira metade pensou que teria que limpar aquilo, e a mancha ia custar a sair, que merda. A segunda metade lembrou da capa de Watchmen, do smiley com respingos de sangue, e pensou que não ficaria mal deixar os respingos onde estavam, desde que não escorressem, pois o efeito não ia ficar bonito.
Nenhuma das duas metades pensou nela.
Ele a empurrou. Ela bateu contra a geladeira. Soltou o ar um gemido abafado.
Uma das metades lembrou da primeira trepada. De como ela era magra e como ele era gordo, do medo que ele tinha de quebrar alguma costela daquela figurinha tão frágil. A outra metade pensa que frágil é o caralho.
O terceiro tapa foi dela.
A partir daí não houve mais tapa. A primeira metade lembrou de umas aulas de aikidô que teve muitos anos antes, em que o sensei dizia: mantenha contato corporal sempre, é a melhor maneira de imobilizar o oponente. Quanto mais você se afastar do oponente, mais chances ele terá de desferir um golpe em você. A segunda metade concorda e parte pra cima.
As metades só se juntam quando ele percebe que suas mãos estão no pescoço dela. E ele está apertando. Muito.
Só então eles se separam. Ele encostado no fogão, com o rosto pegando fogo do tabefe, ela com o pescoço roxo e as marcas dos dedos dele. O corpo muito magro ainda encostado na geladeira, as pernas dobradas para a frente, uma das mãos trêmulas, buscando um ponto de apoio na pia. A outra, espalmada sobre o diafragma. Buscando ar.
Os olhos não o deixavam.
Ela estava linda assim.
Ele gostou.
Ela também.
A trepada foi em cima da pia.

* * *

Você passou o dia seguinte inteiro diferente. Leva horas para descobrir que na verdade você se sente dissociado de si mesmo. Como se tivesse bebido vodca demais mas sem os outros efeitos colaterais. Vodca e steinhager são as duas únicas bebidas que tiram você realmente do sério. Você já teve algumas amnésias alcoólicas por causa disso.
Nessas horas, inclusive, você só consegue pensar em si na segunda pessoa. E isso é uma merda.
Vocês dormiram juntos depois da cena Sid & Nancy e quando você acordou já era tarde, você tinha que estar na redação cedo, vai tomar um esporro do editor, e você precisa desse frila.

* * *

Mas a cena depois foi pior.
Você tentando ir embora, ela se agarrando aos seus pés no corredor do prédio. Ninguém abriu a porta, mas você tinha certeza de que estava todo mundo olhando pelos olhos-mágicos.
De magia só mesmo no nome dos visores das portas, porque o amor já tinha ido pras picas. Parecia uma cena de Nelson Rodrigues. Sua vontade era agarrá-la pelos cabelos e dizer, igualzinho a um daqueles personagens canalhas: “Eu não te amo, ouviste? Sossega a periquita! Vai pro diabo que te carregue!†E, se tudo o mais falhasse, claro, uma porrada bem dada na cara para terminar de derrubá-la no chão.
Mas você não tinha mais forças pra ser canalha.
Você amava a filha da puta.
E ela também te amava. Do jeito doente dela, mas te amava.
E quem disse que o teu jeito de amar aquela mulher não era doente?

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informações

Autoria
Fábio Fernandes
Ficha técnica
este texto é um excerto da novela SET, em fase de conclusão e procurando editor.
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Bia Marques
 

Sangue e porrada na madrugada... Haja hoje pra tanto ontem (Leminskiando no teu texto).

Bia Marques · Campo Grande, MS 21/7/2006 22:20
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Fábio Fernandes
 

Distraídos apanharemos (leminskiando para os paulistas, claro)

Fábio Fernandes · São Paulo, SP 21/7/2006 22:33
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Luciana Hernandes
 

cara, to curtindo muito tuas escritas...vc põe ritmo na medida exata...bom de ler que...afff

Luciana Hernandes · Cuiabá, MT 25/7/2006 10:59
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Fábio Fernandes
 

Obrigado, Luciana! Servirmos melhor para servir sempre!

Fábio Fernandes · São Paulo, SP 25/7/2006 11:01
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Fábio Fernandes
 

Correção: "servimos melhor" (ando muito apressado por estes dias).

Dica: baixem o texto em Word. Tem mais coisa lá.

Fábio Fernandes · São Paulo, SP 25/7/2006 11:02
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Balbino
 

bela dica bela dica, uma beleza de decadência, uma literatura fina(wachtman foi demais né Fábio?), gostei muito dessa sua novela embrionária a procura de editor.

Balbino · Cuiabá, MT 25/7/2006 11:50
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Balbino
 

Maravilha Fabio, mande mais....................

Balbino · Cuiabá, MT 25/7/2006 11:55
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Balbino
 

bela dica bela dica, uma beleza de decadência, uma literatura fina(wachtman foi demais né Fábio?), gostei muito dessa sua novela embrionária a procura de editor.

Balbino · Cuiabá, MT 25/7/2006 11:56
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Fábio Fernandes
 

Grazie, grazie mille, balbino! Agora votem, me ajudem no boca-a-boca e quem sabe daqui a algum tempo eu não acho editor?

aguardem que em breve, envio mais um fragmento para o Overmundo.

Fábio Fernandes · São Paulo, SP 25/7/2006 12:21
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Fábio Fernandes
 

Para quem não viu ainda, postei outro fragmento que daqui a pouco vai entrar na fila de votação. Chama-se "Neneh Cherry" e é quase continuação direta de "Seven Seconds".

Fábio Fernandes · São Paulo, SP 31/8/2006 13:00
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Daniel Duende
 

Fábio, sua prosa é boa PRA C*RALH*!!!!
(desculpe o impropério, foi o impulso... a verve do seu texto).

Virei seu fâ, carinha!
Vou ler a continuação agora (pois eu sempre preferí ler os livros na ordem, e já até arranjei briga por causa disso...).

A propósito. Para quem ainda não leu, a continuação -- Neneh Cherry (um fragmento) -- está aqui.


Abraços do verde pra vc, meu rapaz...
(ainda impressionado com sua prosa!)

Daniel Duende · Brasília, DF 1/9/2006 19:47
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Fábio Fernandes
 

Uau!!
Valeu pelo elogio, Verde! Fiquei feliz!
E pode esperar que vem mais (inclusive no meio impresso, mas isso é papo para outro momento)

Fábio Fernandes · São Paulo, SP 1/9/2006 20:28
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Daniel Duende
 

Você, e sua prosa (e os seus personagens) merecem os elogios, carinha! :)

Espero pelo que vem!
Eu também tenho algumas coisas mais a mostrar...
(e os papos de meio impresso estão sempre rondando, né? mas isso é papo pra outro momento por aqui também...)

abraços do verde.

Daniel Duende · Brasília, DF 1/9/2006 20:32
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