sonhos de tangerinas - conto (ilustração afernandez)
Sonhos
Sua vida lÃrica naquele quintal já atravessava um século, por isso decidira que, naquela manhã de dezembro, deixaria de ser uma árvore na paisagem daquela casa e que também não mais serviria de abrigo para aranhas, formigas e sabiás-laranjeira. Para ela, um pé de tangerinas, aquilo tudo era uma grande entropia, um desvio da natureza e um enigma que lhe dera pensamentos e indÃcios de gente. Então, seus galhos velhos, retorcidos, cheios de espinhos e bosta de pássaros, sacudiram com força suas folhas amarelas que vão ao vento. Em passos lentos, as raÃzes romperam o chão e começaram a andar, tomando a forma de pés humanos. Com seus novos braços, mãos e unhas, tentou puxar a linha do horizonte mas não conseguiu dominar o espaço tridimensional. Singularidade nua.
Vista do alto pelos marrecos que faziam rota por ali, era algo atemporal e assombroso. Talvez, as aves pensassem que fosse uma queimada. As pessoas que viviam na casa correram apavoradas ao ver aquela tangerineira tomando forma humana - tronco, cabeça, seios - e caminhando porteira afora. Andou nua por uma estrada boiadeira, até o chaco paraguaio. Sua pele branca, cheia de sulcos, ficou vermelha, tinha odor de formigas e mexericas.
A mulher exausta, assustada e sem nome foi encontrada por uma comunidade de religiosos, tinha fezes de sábia e teias de aranha grudadas sobre o corpo. Não falava em lÃngua alguma, mas a voz tinha um som vegetal e, por algum tempo, ficou por entre as pessoas da comunidade. Aprendeu tudo muito rápido: ajudava na lavoura de algodão, levava as crianças da vila para a escola e procurava um desnome – algo que aparecia como uma história em seu sono. Sonhava muito e, à s vezes, tinha pesadelos com árvores carregadas de frutos e bosta de caranchos. Aprendeu a beber vinho, descobriu que não tinha origem africana e que possuÃa sÃndrome de camaleão na alma.
Então, aquela mulher que outrora foi uma tangerineira, passou a engolir as cores de tudo que passava perto dela, inclusive de gente. E, numa tarde de ano novo, bebeu o carmim do céu pensando que fosse o vinho. Exilada pelos membros da comunidade de religiosos, passou a vagar por estradas empoeiradas e, enquanto andava, pensava muito sobre os mistérios desse mundo, que aos seus olhos era uma pedra voando na goela de um vazio eterno – como a vida daquela mulher, sua mãe, que nunca saÃa de seu pensamento – conjecturava ela.
Numa tarde de ventania, poeira e céu sépia, a mulher que foi árvore encontrou com um homem que tinha pêlos na alma, conhecido por El Pombero e os dois seguiram amarrados por um cipó por mais cem anos. Quem trafega pela estrada transchaco, que fica ao extremo leste do Paraguai, não deixa de olhar aqueles dois vultos que, furtivamente, vagam colados e suspensos na paisagem empoeirada.
continua ... abrir arquivo
Olá meu amigo Arlindo,
Gostei de ler o teu conto. Uma bela estória com personágens muito interessantes e bastante imaginação. Um belo relato de quem acobou de chegar d'um encantado mundo de sonhos. Meus sinceros aplausos e abraços.
Carlos Magno.
Salve meu amigo Magno!
Meus sinceros agradecimentos. É uma história contada de maneira diferente - como um filme. No primeiro instante pensei em posta-la sem cortes, mas fica difÃcil no overmundo. Porém é preciso baixar o arquivo - Tem que ser lida de uma vez só.
saudações pantaneiras
Muito criativo Arlindo.
Um certo toque de sul-realismo que ao mesmo tempo fala do ir e vir das fronteiras, essa terra sem donos que insiste em não aceitar limites.
Abraços.
Obs.: Agradeça o Carlos Magno, foi ele quem me convidou para vir até aqui e ler "Sonhos de Tangerinas"
Valeu!!!
Adorei..Terere..Esculapio...guarani...
Interessante mesmo!. Valeu a dica de Carlos Magno!
Volto
Uma maravilha!
Com uma riquesa de detalhes que pede uma leitura miniciosa
Volto para ler mais uma vez e carimbar com muito gosto meu voto aqui. Agradeço a lembrança Carlos.
Arlindo,... parabéns e obrigada pela leitura. Um abraço
Olá Arlindo,
Atendi ao convite generoso do amigo Carlos e não me arrependi,
Parabéns pela criatividade, imaginação, fantasia e a descrição dos nossos costumes e tradição.
Abraços paantaneiros
Marcos,meu amigo!
agradecido pelo comentário.Vc sabe do que estou falando.
saudações pantaneiras do sul.
Cintia Thome!
Menina poetisa - já li vários poemas teus. Bob dylan,meu idolo, me deixou extasiado!
Cintia, vejo que vc é uma excelente leitora, paulistana - como eu.
MuitÃssimo obrigado pela leitura - de coração.
saudações pantaneiras.
Ps. agradecido ao Carlos Magno, grande ser humano.
Rita Costa_menina do Rio!
Fiquei muito feliz por vc ter lido meu conto. Hoje faço 51, hoje mesmo.Do fundo do coração...
obrigado!
saudações pantaneiras
Salve Agenor!
Meu conterraneo. Tenho lido seus profundos poemas - aos meus pouvidos soam como um lamento, lindos e humanos...
Obrigado,meu amigo!
saudações pantaneiras
Carlos Magno!
Grande figura - leitor e autor.
Vc é uma das pessoas que faltava aqui no Overmundo. MuitÃssimo
obrigado, meu amigo!
saudações pantaneiras
Arlindo, li de um só fôlego, como se diz, encantada com tantas imagens onÃricas, com a beleza desse quase sonho em forma de conto.
Depois, reli, devagar e repetidamente as partes mais encantadas.
É belÃssimo!
beijos
Que bom amigo Arlindo que todo mundo está gostando do teu conto que realmente é um trabalho digno de ser admirado. Meus sinceros aplausos pelo secesso. Agora eu vim aqui para deixar meu voto.
Abraços.
Carlos Magno.
Arlindo.
Belo texto. absolutamente rico de imagens, bem adjetivado. trazes sonhos para o chão da vida .
Gostei
Abraços
Noélio
Saramar!
Grande poetisa da terra de Coralina, isto?
Faz jus. Muito agradecido menina!
saudações pantaneiras.
Mal terminei de ler e volto para votar neste magnifÃco conto.
Foi bom porque havia esquecido de dizer o quanto a imagem é também bonita.
beijos
Nelio!
Tenho lido teus escritos, percebo que tu és um grande leitor.
Consequentemente um escritor maior ainda. Muito obrigado, amigo.
saudações pantaneiras
Saramar!
Sobre a ilustração. Salve sua argúcia!
Sou um artista plástico e animador. Escrever contos é uma tentativa de pintar histórias.
http://baixaki.ig.com.br/buscawall.asp?tipo=autor&papel=138977
Se tiver um tempo, veja algum trabalho no overmundo e também no link acima.
saudações pantaneiras
Salve Arlindo Fernandes.
Muito Querido e Criativo.
Cria encantamentos com seus escritos e,
contribui com o desenvolvimento da Cultura Popular.
Muito Prazer e Parabéns pelo seu trabalho cheio de sentimento e de utilidade.
Salve azuir!
MuitÃssimo obrigado. A intação do contista, aqui, é carregar de informações e fatos verdadeiros usando uma linguagem fantástica, fantasiosa e até poética.
saudações pantaneiras
Perdão Noelio!
faltou o!!!
abraços!
Votado meu irmão,
com merecimento!
Abraços
Oi, Ar Lindo!
Sabia que tenho uma pasta no meu micro só com teus textos?! Claro que não sabia, mas tem! Merecidamente. Risos. Ratifico. Voto em teus contos sem ler antes, e sem medo. Adorei.
Beijos na alma e cheiros. De tangerina!
MagnÃfico..nas palavras e nas imagens,mais um belo conto para que a gente leia e releia, rico em essência e profundidade!!sabe que o calor faz bem para artistas e poetas como você..rsrs..abraços
lubraga12 · Aurora do Tocantins, TO 8/10/2007 17:42Seu conto já está dando frutos. Mais um pouco, nosso pé de tangerina, bem em frente a nossa janela, também dará. O bom, em ambos os casos, é saborear até a última gota. Só eu te amo assim.
cristina medeiros · Campo Grande, MS 9/10/2007 11:14
Sim, andei ausente de comentarios, pois andei viajando, rápido, mas ainda me perco por aqui...estou lendo teu comentario acima, ou seja, a resposta, sim adoro tudo que foi reflexo da "nossa" construção que não é essa que estamos vendo, vivendo, pois esta que está "peláÃ" é um terror, todos estão esquizofrênicos, em labirintos do medo urbano, geração crescendo sem pai e mãe e aà não tem parametros de educação e ética e nem fé, apenas vivendo e brincando de rato e gato...estamos vendo esse ar que está castigando, respondendo à s poluições e falta de respeito à natureza e ao semelhante....Bob Dyla, Pink, The who e tantos que falavam em Paz...
Bom, ontem estive na Paulista no Corredor Literário e aà vi a loucura estampada, o medo nos olhos desde o "engravatado" à criança maltrapilha...e nunca vi tanto livro de auto ajuda...
Bom, sorry...Estou pensando se o futuro já não é esse...e os sonhos já estão no passado que a gente não deu importante...A gente não, os que querem poder e vivem aprisionados em carros importados...fazendas (que tem até como chover , ainda), condomÃnios , onde olhar para o vizinho, só se for de soslai...Como ainda temos meses e não estações, outubro é o mês da criança, das aboboras ...seria tão bom que houvesse o sonho, pelo menos, daquela Alice das Maravilhas, nemermo?
Forget, devaneios....mas deixo aqui...
Agradeço a tua chegada tão bacana e que fico linsojeada... Veja a colaboração LIRISMO no meu arquivo....
abç
Arlindo,
conheci teu conto maravilhoso a convite de Carlos, e vejo que realmente valeu a pena viajar por tão belas imagens em tão bela história!
Abçs de Betha.
Arlindo,
desculpe-me pela demora, meu amigo, mas me diga, pelo amor de Deus, você anda cheirando tangerina? Seu conto é dos mais fantásticos e maravilhos que li. Poesia e prosa se abraçam numa mistura isólita e onÃrica que nos deixa completamente desnorteados e surpreendidos a cada palavra, a cada linha.
Essa sua capacidade de pantanear o sonho e mimetizar a palavra no impossÃvel me seduz e me deixa boquiaberto. Adorei o conto, mais uma vez. Estou meio puto por ter demorado tanto a provar da sua tangerina. Todavia, e me arriscando a cometer uma heresia, me atrevo a lhe sugerir a retirada - por me parecer excessivos - o último parágrafo (As tangerinas) e o vocabulário final. Eu acabaria no Desnome: "Por cem anos seus frutos traduziram energia do sol em beleza, perfume e açúcar. Seu corpo ainda serviu de abrigo para aranhas, sabiás-laranjeira, pardais, azulões e bem-te-vis." Abrupto assim, sem explicações, tangerinamente.
Gênio é o que você é. Um abraço.
Nivaldo, meu amigo!
Tuas palavras cairam como uma chuva de tangerinas - divina.
Ao ler, não pude evitar algumas lágrimas de tangerinas... O que posso responder diante de um instante tão eterno?
Obrigado meu amigo!
Achei falta das nossas prosas, dos teus contos, comentários e de sua presença, aqui.
Sobre "as tangerinas" - último parágrafo. Na verdade vc tem razão. O conto ficaria mais fantástico e misterioso, mas ninguém ficaria sabendo quem era o pai daquela árvore de tangerinas. (foi por isso que deixei).
Tive cheirando tangerinas sim. Na minha janela plantei uma tangerineira - 5 anos. Depois fiz até uma canção
Um forte abraço
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