Turismo do contente

Tem gente que tem dinheiro pra viajar, tem gente que é pobre e não tem. Mais a mais a crise fez subir o dólar, a chuva inundou Santa Catarina e os projetos turísticos de muita gente foram do mesmo modo por água abaixo. Daí que, porque somos do tipo pessoa legal e solidá-dária, damos aqui de graça solução bem prática e barata pra viagens que convencionamos chamar de semi-virtuais. Claro, ninguém vai querer passar as férias na frente do computador olhando as viagens dos outros e babando no teclado. Virtual demais, não há tatu que aguente.
A solução é fingir. Vá até o Museu do Ipiranga e finja que está no Louvre, aproxime-se de um quadro e finja que é a Monalisa. Peça licença pra “multidão� em frente, esgueire-se, espie por elas, erga-se na ponta dos pés - é assim mesmo, turista só vai ao Louvre pra ver a Gioconda - e deleite-se com a obra prima do gênio da Renascença. Depois volte e comente com os amigos, finja que achou a Gioconda a coisa mais vibrante que você já viu, embora jamais tivesse tido o menor interesse por arte na sua vida - e fale daqueles seus peitos enigmáticos. Porque é assim que funciona a coisa, ninguém gasta um dinheirão numa viagem pra depois dizer que não gostou. Sinceridade tem limite. E depois, o melhor do turismo não é a ida, mas a volta, onde estão os amigos pra gente contar vantagem.
Também se pode atravessar a Av. Paulista, que é uma imitação chinfrim da 5ª Avenida, e descer a Brigadeiro até o Parque do Ibirapuera, que é uma imitação chinfrim do Central Park e sentir-se em Nova Iorque. Quem sabe você encontra lá o Woody Allen; supondo que você seja um turista bobo, e todo turista é bobo, peça a ele que lhe conte uma piada, pergunte de sua inclinação por mulheres jovens e de sua posição sobre o conflito Israel-Palestina. Depois olhe em volta pra ver se encontra um par de prédios parecidos com as Torres Gêmeas. Como não vai encontrar, o realismo aumentará: você estará mesmo em Nova Iorque!
Outra opção são os parques da cidade, que têm lagos, lagos que têm beira que se parecem assim, com certo esforço criativo, com a beira de uma praia. Vista -se a caráter, camisa e ber-muda coloridas ,maiô por baixo, óculos escuros .Escolha um parque e siga em frente. Antes fixe bem os lhos em uma foto da praia dos seus sonhos, por exemplo, Fernando de Noronha (veja-se encontrando lá com o presidente!), Cancún, Saint -Tropez , que você nunca vai poder ir mesmo a não ser na imaginação, e guarde na memória ; leve a sério os cuidados com a pele (o câncer de pele nasceu pra todos!),proteja-se. O resto é igual, dá até pra bater um frescobol na grama. A diferença é que... sei lá, eu nunca vi um bando de patos andando pela praia...
Mas a coisa tem limites. Não vai querer, por exemplo, estando em São Paulo, fingir que está em Bariloche, por mais que a meteorologia ande tresloucada, por mais que os americanos se recusem a assinar o tratado de Kyoto.
E pra quem quiser ir a Veneza, este é o momento, esta é a estação. Seu carro, sua gôndola! Vai ver que não será tão virtual assim: só nesta quinta-feira foram identificados 48 pontos de alagamento na cidade. Todos muito românticos, com a possibilidade de um afogamento cinematográfico e de fazer você virar defunto célebre numa bela manchete de jornal: “MORTE EM VENEZA�.