UM ATELIER FAMOSO, OUTRO FULERO.
Raphael Reys
O bom alfaiate é como o cozinheiro, preocupa-se com o proveito da omelete e não dá muita importância à integridade dos ovos, segundo VerÃssimo.
Nos anos 60, o point da moda masculina para ricos e bem vestidos cavalheiros, era o atelier do mestre alfaiate Desidério de Castro. O seu estúdio localizava-se na capital das Alterosas no EdifÃcio Michel, à Rua Caetés, 448, Centro. Uma Belo Horizonte de linhas curvas, art decó, ruas simétricas, praças românticas, glamour modernista, projetada por Aarão Reis e Carlos Prates.
Mestre Desidério só atendia celebridades, artistas, homens de sociedade, cafeicultores, criadores de gado do Paraguai e Argentina, polÃticos e milionários, que mesmo assim, tinham que aguardar seis meses de espera no agendamento. Entre os polÃticos Juscelino Kubistchek e Ademar de Barros.
Da equipe de alunos do mestre Desidério, havia o oficial aprendiz, o nosso CantÃdio Couto, que era destaque. Hoje, bacharel aqui na terra de Figueira. A lista dos montes-clarenses que lá frequentavam os empresários Luiz de Paula Ferreira, João Ferreira Paculdino, Nelson Viana e empreiteiro Múcio AtaÃde.
Outros cavalheiros seletos dos nossos Montes Claros de antanho eram PÃndaro Figueiredo que era hábil nas nove cartas nas mesas de pano verde, dos cassinos da Itália. O fazendeiro dândi, Dominguinhos Braga e o poeta maior da terra de Figueira João Chaves.
Os mestres copiavam à moda da Paris de então, cidade luz e passarela dos bem vestidos do mundo. Três botões, dois botões, um botão, jaquetão, scaravelli, em linho Yorkestreet, tropical inglês, casimira Aurora, sargelim Aurora, super maré 1504 brilhante, super Pitex 1504, S 120, S 120 pele de ovo e o S 129.
Outros oficiais do ofÃcio, dentre os chamados Agulhas de Ouro que pontificavam a Belô da época, Percà e os saudosos Cursino e Português. Esse último, de tão sistemático, se o cliente alegasse não ter gostado do terno confeccionado por ele, a peça era picotada com uma tesoura pequena. Deixava as tiras no chão da alfaiataria. Era o seu marketing de qualidade.
O industrial João Ferreira Paculdino, um ano antes de seu casamento, procurou o artÃfice para confeccionar o terno da cerimônia. Como o alfaiate estava com a agenda lotada por todo o ano em questão, o cliente pediu-lhe indicar um profissional competente para fazê-lo.
O mestre respondeu:
Lá em Montes Claros tem o CantÃdio Couto, que foi formado sob minha orientação. Pode confiar a sua encomenda a ele.
E para dar uma pitada de humor ao relato, havia um bêbado, o Zé Metido. Sempre vestido com ternos usados e ganhados dos abastados clientes do atelier. Zé usava chapéu coco, gravata borboleta e bengala de cabo de marfim. Frequentava a porta do atelier, e de tanto ver o ir e vir de celebridades contaminou-se se inflava todo e dava ombrada em todo guarda civil que passasse à sua frente, conversando com muito pouca gente. Buscava demonstrar impunidade. Coitado. Só andava em cana e de lombo quente.
Na mesma era um novo rico que dava os seus primeiros passos na sociedade local procurou Vavá Alfaiate, o preferido pelos dândis da cidade para confeccionar um elegante terno.
A alfaiataria de ValdelÃrio Moreira (nome próprio do nosso personagem) localizava-se no final da Rua Reginaldo Ribeiro, já à beira do Rio do Melo. Uma pequena casa cercada de muito capim colonião. No meio do matagal.
O distinto novo rico perguntou:
Quanto é que o senhor cobra para fazer um terno modelo inglês? - Mil e duzentos cruzeiros...
O cliente deu uma de espantado e retrucou:
Lá no Magazine, no centro, um terno feito com esse corte e já pronto custa só oitocentos...
Vavá buscou um tempo e respondeu ao estilo curraleiro:
No Magazine é oitocentos, mas aqui no Magamato a confecção é mil e duzentos cruzeiros - Ademais, o cliente tem que trazer o pano por sua conta aturar a minha cachaça e enfrentar o matagal até aqui...
Frei Beto, notável escritor, diz que:
Nunca viu cabeça de bacalhau, mendigo careca, santo de óculos, ex-corrupto nem filho de prostituta chamado Júnior.
Completo, dizendo por experiência de observação, que o cidadão usuário de chapéu panamá de abas longas não tem dinheiro no bolso. É um liso com pinta de fazendeiro, de comprador de gado. No fundo é um tremendo 171.
Em 1968, uma turma de jovens montes-clarenses que sempre estava vadiando em Belo Horizonte buscando aventuras, dava uma de capiau e aplicava nos espertos da capital. Certa noite, a turma de notÃvagos Geraldinho Alcântara, João Luiz Almeida, Walber, Julinho Boca de Fogo e Paulo Botelho, como estavam com pouco dinheiro combinou dar o calote em uma boate da moda.
A casa ficava na Savassi e Walber, como era raçudo e usava o chapéu panamá aba longa com pose de rico, tomou a frente e entraram na casa noturna. Pediu uÃsque Bourbon, tira-gosto de isca de peixe e encheram a mesa de bailarinas que dançavam como táxi-girls.
As garotas contratadas como pares para a dança de salão passaram a noite tomando os caros coquetéis de suco artificial, como se fora bebida. Uma armadilha para pegar otário.
Walber deixou o chapelão no centro da mesa, saiu para dançar e gramou o beco. Um após o outro iam saindo e quando interpelados pelos garçons indagando quem ia pagar a conta, respondiam:
O Homem do Chapéu Panamá...
Com a saÃda do último estava aplicada à chave curraleira. Matuto quando está na capital, tem que ser esperto. Vira bicho dando uma de besta.
Aviso aos meus leitores:
Quando você vir um matuto fazendo cigarro de palha, olho vivo e sai da reta. O capiau enquanto pica o fumo, corta e estica a palha e enrola o cigarrinho, arrematando com saliva o fechamento, na verdade está se preparando para dar o golpe em alguém. O cigarro de palha é só o Agamenon...
DOIS MESTRES ALFAIATES DOS ANOS AINDA ROMANTICOS
Aqui na terra do pequi anos 50, pululava de elegantes e alfaiatarias. Mestres de ofÃcio, tecidos de luxo, dândis, janotas e executores de moda.
O quartel general da moda masculina tinha o seu pontificado na Rua Simeão Ribeiro, hoje Quarteirão do Povo. Lá a alfaiataria mais luxuosa era a de Wilson Drummond e seu contramestre Elzino do Alto São João. Vavá Alfaiate, o mais elegante, sempre de terno, colete, chapéu coco e bengala com cabo de baquelita.
O ateliê de João e seu irmão Terezo frequentada pelos maçons. Havia o Chagas Alfaiate que tinha como gerente o professor Edmundo Andrade, o mestre Manoel Barbosa, vindo de Januária e que trabalhou por vinte e nove anos em Bocaiúva.
Miltão, Nilo Coto, Miltinho e Rosalvo. Esse último que ao mudar-se para a Capital bateu os sapatos na plataforma de embarque da estação ferroviária. Tirando o pó de Montes Claros e jurando não mais voltar. Dois meses depois foi trazido pela alma do pequi...
Existia ainda o ateliê de Joaquim, um elegante mulato, ao lado do Maravilhoso Bar. CecÃlio Barbosa na Rua São Francisco, Benjamin Ribeiro na Camilo Prates, Antônio Gomes, na Rua Visconde de Ouro Preto, todos no centro comercial da urbe.
Era tempo de fartura, preço fixo e juro calculado pela tabela Price. Os amigos eram diletantes e a vida transcorria em dolce fair niente. Vivia o romantismo em ambiente de art decô.
Nas prateleiras da Casa Colombo, o tecido Maracanã. Um nacional que fazia sucesso nos States. Usava-se o tropical inglês, a casimira Aurora, a Sarga, o Sargelim, o Sargelim Aurora. Linhos eram os S120, S 129, S 120 Pele de Ovo. Os abastados e elegantes usavam o York Shire e o super Pitex 1504. Os modelos iam do clássico aos italianos, Paletó Saco, Cintado, Dois e Três Botões, Jaquetão e o Scaraveli.
Os nossos mais bem vestidos cavalheiros eram o João Chaves, sempre impecavelmente vestido. PÃndaro Figueiredo, considerado o mais luxuoso de todos. Foi para Roma, na Itália, representar o Brasil entre os mais elegantes e jogar nos cassinos internacionais.
Ururaà Filpi, o Barão, os fazendeiros Dominguinhos Braga, Dezinho Tropical, José Costa, Marcelo Alcântara. O notável esculápio e escritor João Valle MaurÃcio, o advogado Mourão, o comerciante Benedito Gomes eram, também, elegantes.
Como somos chiques, tÃnhamos uma escola de alfaiates. Uma pequena faculdade de moda masculina, administrada pelo mestre J.Pandú. Chamado de O Craque da Elegância, situada na Rua Presidente Vargas. Lá, formaram-se gerações de contramestres e mestres alfaiates.
Eram tempos de sofreguidão, de boêmia, de lenços de organdi no bolso do paletó, manchado de batom vermelho carmesim, resÃduos de Grant`s, de perfume Nuit de Noel, umedecidos com lança perfume Rodoro.
Nos Montes Claros modernos, temos o Jerry Zonaldo, que aqui chegaram em 1955, vindos da guerra polÃtica de Monte Azul, chamado de O Dedal de Ouro, e o seu contra mestre Baltazar, com ateliê na Rua Simeão Ribeiro.
Elzino Alfaiate atendia antes de nos deixar, mudou a sua alfaiataria para a sua casa no Alto São João. Onde morou há cinquenta e cinco anos, desde que o caminhão pau de arara, que o trouxe do nordeste, quebrou o eixo. Lá onde o eixo quebrou, ele ficou.
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