Casou por casar. Essas coisas acontecem muito mais do que se possa imaginar. A vida era monótona sozinha. Não era azeda mas, sem sal. Sustentava-se por conta do trabalho como gerente de loja de meias femininas. Naquele tempo, mulheres não viviam sem pares novos de meias. Graças a esta verdade, trabalhava e vivia sem maiores problemas.
Casou por necessidade de fuga . E quando conheceu aquele que viria a ser o seu marido, não se empolgou muito. Ele não era feio nem fracassado, mas alguma coisa não encaixava. Procurou não pensar nisso, já que ele a convidava para um passeio diferente a cada semana e gostava de conversar, qualidade rara nos homens. Passados alguns meses de passeios e conversas, um dia ele chegou em casa com um anel na mão e lágrimas nos olhos, propondo união. Aceitou ao mesmo tempo intrigada com a atitude, surpresa com a paixão e aliviada com o fato de não passar mais as noites sozinha.
A vida de casada era menos monótona, mas o sentimento de vazio não desapareceu. Ele, pelo contrário transbordava felicidade. Cega felicidade, enquanto ela não correspondia e ele sequer notava. Alguns anos de monotonia medida se passaram até o dia em que tudo mudou.
Conheceu Alberto quando voltava do trabalho em uma tarde chuvosa. Ele abriu a porta do carro para ela entrar com um embrulho de compras. E daquele momento em diante o desassossego deu lugar á conhecida monotonia. Encontros furtivos, beijos acalorados, loucura. Ausência de tédio e de vazio. Paixão. Alberto bebia um pouco além da conta, não era rico, bonito ou particularmente interessante mas, que fazer se fora acometida do mal do amor e, melhor de tudo, a recÃproca era verdadeira?
Dentro de casa a cena também modificou. O marido, de companheiro adequado passou a estorvo. Com a impaciência que costuma acometer os amantes, ela se pôs a arquitetar uma maneira de eliminar o problema. Fator complicador de seus planos era a certeza que não sairia do casamento com facilidade pelo meio civilizado da separação. O marido era apaixonado e não permitiria, como já havia dito, desde que aceitara seu pedido, que algo os pudesse separar. Como se não bastasse Alberto era pobre e somente com os bens do marido, ela pensava, poderiam viver bem.
Curioso. Nascia um ser perverso após o encontrar sentimento considerado tão nobre. Apesar de decidida, não tinha idéia de como executar o plano . Temia ainda contar a Alberto sua idéia. O objeto de seu amor cultivava uma ética insuportável e jamais concordaria. Por semanas buscou uma solução ao seu dilema até ler, em uma revista na sala de espera do médico, a respeito de uma planta capaz de curar doenças sérias em doses mÃnimas e matar instantaneamente uma vez errada a medida, sem deixar vestÃgios. Bastaria criar coragem, obter o extrato da planta e misturar a bebida do marido. Simples e limpo.
Após alguma pesquisa nos mercados da cidade, finalmente encontrou a planta e disse ao balconista que se tratava de um caso sério do coração . O homem extraiu o sumo da planta e recomendou, várias vezes, cuidado com a dose.
Triunfante, foi ao encontro do amante com uma pequena garrafa do whisky preferido do marido já com o sumo da planta. Naquele fim de tarde o amor pareceu mais doce. Apesar de ser impossÃvel contar a Alberto seus planos, não podia disfarçar sua alegria. Logo iria para casa receber seu marido com um copo de veneno e um sorriso de boa esposa. Enquanto se vestia distraÃda ouviu atrás de si um baque surdo, o corpo de Alberto caÃa no chão.Ao seu lado, a pequena garrafa preparada pela metade.
A morte do bancário foi notÃcia dos jornais em pequena nota dias depois. A causa da morte segundo o legista foi parada cardÃaca. Alberto Lima não tinha famÃlia nem muitos amigos, caso encerrado. Ela havia voltado para casa mais tarde naquela noite e deu uma desculpa. Não houve desconfiança. Continua casada com um homem estreito e feliz.
Fator complicador de seus planos era a certeza que não sairia do casamento com facilidade pelo meio civilizado da separação. O marido era apaixonado e não permitiria, como já havia dito, desde que aceitara seu pedido, que algo os pudesse separar.
Menina, este conto pode vir a ser um filme!
Que capacidade impressionate de concisão, dentro de uma história riquÃssima! Que final desolador!
Gostei imensamente.
beijos
Peripécias bem contadas. Primoroso. mas, será que ela não teria cometido um célebre lapso: afinal, quantas mulheres juram que a monotonia do casamento é cruel mas o fator complicador pra saÃda é muito mais delas do que a resistência dos maridos?
Compulsão Diária · São Paulo, SP 22/9/2008 03:48
Saramar Um filme? Legal não tinha pensado nisso.
CD Concordo com vc, ela cometeu uma série de lapsos, o primeiro casar por casar. Mas se perguntar a ela , sempre dirá que a culpa é do patético marido.
obrigada!!
Vanessa,não sei por que motico,mas juro que já li esse conto
vc já o tinha colocado no over?maravilhoso minha querida.
Clara, Nunca coloquei este conto no overmano , ele foi publicado no meu blog em janeiro de 2006.
bjs
Opa, tentei colocar o link pro conto original no blog mas não apareceu
Conto criminoso
Adorei seu conto,Vanessa!
A vida como ela é....hehe...e que final ,hein? ...nem todo plano é perfeito...
Parabéns,querida!
Um beijo azul
Blue
Achei mravilhoso,retorno e deixo meu carinho.
clara arruda · Rio de Janeiro, RJ 23/9/2008 18:39
É, a perfeição não existe mesmo. A mulher capricha no plano mas dá com os burros n'água.
bjs
Menina, este conto pode vir a ser um filme!
E tenho sorte de tu escrever contos, porque se fosse daquelas romancistas de 400 páginas eu ia penar pra ler 2 e 3 vezes os teus escritos!
bjs!
Pessoal , obrigada pela força. Agradeço a visita carinhosa.
Fifo, essa é boa. Quem sabe um dia eu me arrisque a escrever um tijolão!!
Vanessa,
Maravilha!
Que conto bem estruturado
" O castigo em dose dupla".
bjssss
Prazer em levar seu conto ao banco
Parabéns!
bjsssss
Uai... no começo eu achei que ela ia matar o marido, depois conheceu o amante, achou que ele era pobre... e depois que o cara morre ele aparece (morto) como bancário?
aliás... quem morreu?
Gosto de contos que me deixam intrigados... às vezes por minha leitura meio desatenta, e às vezes pelo fato do conto ser enigmático.
ME EXPLICA POR FAVOR O QUE ACONTECEU!!!
Tá legal pra caramba. Gostei
Por favor Turbilhão, releia!!! Tá tudo explicadinho. Agora entendi o porque do turbilhão, é a cabeça fervilhando que não deixa vc ler com calma :-).
O cime não compensa? Nosso consolo continuar a acreditar nisso. Mais uma muito boa narrativa.
Marcos Pontes · Eunápolis, BA 24/9/2008 20:23
Como você explorou bem esse nosso cotidiano tema. Adorei o desfecho rodriguiano! Parabéns moça!
Paulo.
Aaaaaah, agora sim, entendi! Hoje eu li com calma, do jeito que vc falou. :D
Meu alter-ego me chamou de Burro e eu mandei ele tomar no c*...
Muito massa... :D
Talvez seja sim, esse turbilhão na minha cabeça... sei lá. De perto ninguém é normal. E eu gosto muito de ser anormal às vezes...
Ótimo texto, sem dúvidas. Estranho, como o narrador mesmo disse:
"Curioso. Nascia um ser perverso após o encontrar sentimento considerado tão nobre."
As pessoas mudam... e a paixão catalisa a reação.
Gostei pra caramba, Vanessa.
Abração!
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