À Maria Helena,
com muito amor.
Eu deveria começar a crônica desta semana citando um desses ditos populares, tal como quem sai aos seus não degenera. Ou então filho de peixe nasce nadando. Aà apareceria um desses estraga-prazeres para contar a história da coruja que, para que o gavião, que ela havia tirado de uma situação embaraçosa e queria mostrar-se grato a ela, não lhe comesse as corujinhas filhas, orientou a rapinácea ave: “Meus filhos são os filhotes mais lindos da floresta. Se quer retribuir o favor, poupe-osâ€. O que não impediu que o aparentemente ingrato gavião devorasse a ninhada corujal toda, como haveria ele de conhecer essas psicologias psitáceas? Como quer que seja, sempre nos restou a expressão mãe-coruja, designativa dessa incapacidade materna de olhar com olhos neutros sua ninhada. Coisa, aliás, que também se aplica a certas avós.
Ou diria aquele chato, todo despeitado, que quem conta um conto aumenta um ponto. Daà que pensei, pensei e resolvi não colocar qualquer nariz de cera, entrando diretamente no assunto: hoje falarei do Felipe.
Quando nasceu, coisa aà de ano e meio passado, o garoto já prenunciava novidades. Não chorava em si bemol, como é comum nessa espécie de filhote, mas em dó maior. Fosse por ele, nem haveria necessidade de ginecologista, obstetra, parteira, pediatra e nutricionista. Ele mesmo iria à cozinha da maternidade e com o dedo indicador direito apontaria aquilo que queria comer e beber, depois de ter nascido com as próprias pernas e os próprios braços, auto-suficiente como ele só, e ido da sala de parto ao apartamento da maternidade por si mesmo, só não apertando o botão do elevador porque, em razão da imprevidência dos adultos, estavam tais botões muito acima de sua cabecinha. Mas certamente teria tentado apertá-los, como atestariam os vários pulos presenciados por uma ou duas enfermeiras, a demonstrarem essa sua disposição, falo dele, e sua auto-suficiência. Tudo narrado pela avó paterna.
Pais modernos, metidos a intelectuais, lá vai o Felipe para o berçário da esquina, sendo então levado à sala onde pessoas ainda não auto-movimentáveis ficam o dia todo deitadas, a olhar o teto e a chupar chupeta, quando não o polegar. Ao passar por outra sala, onde crianças se divertiam estapeando-se mutuamente, o Felipe não deixou por menos: é aqui que eu quero ficar. Não disse isso em linguagem audÃvel, mas as mocinhas da escola infantil precisariam ser sumamente estultas para não deduzirem isso do berreiro que ele aprontou, só abortável quando ele era posto junto das crianças maiores. “Mas elas sabem andar, ao passo que você só engatinha!†exclamou uma delas. Não seja por isso. Ele levantou-se sobre as duas pernas e, caindo e levantando-se, passou a acompanhar os marmanjos, inúmeros meses mais velhos do que ele.
E vieram as descobertas que lhe iam saciando a curiosidade. “Que gosto terá a carne de gente?†indagou-se ele. Só experimentando, respondeu-se. E sapecou uma mordida, com os dois solitários dentes superiores e outros tantos inferiores, no braço de um colega que, contrariado por haver sido escolhido sem prévia consulta, se é que há consulta a posteriori, para aquela utilÃssima experiência, põe-se a berrar, mostrando-se precocemente inimigo do progresso cientÃfico. Foi o que constou da cartinha que o futuro cientista levou para casa no fim do expediente escolar.
Ciente de que os dias do nosso planeta estão contados, lá vai o Felipe explicando a esta plantinha os esforços que os adultos estão a fazer para impedir a chamada hecatombe, consolando aquela outra porque sua florzinha da esquerda não tem mais hoje o vigor que tinha ontem, ou lamentando que aquela folha amarelecida, que o vento destacou do talo, não possa ser recolada a ele, por mais que isso seja tentado pelo ecologista mirim. E com cada uma vai conversando, a explicar que zuzuzuba isto, calafita aquilo, gnosminuci algo mais. E que elas, pela atenção mostrada, estão todas a entender. E até lhe pedem algo para beber, o que exige que o ecologista pediátrico vá caçar alguém que lhe encha o baldezinho, que, devidamente provido de água, ele arrasta de cá para lá. E põe-se a distribuir o precioso lÃquido, valendo-se de uma colherinha de plástico, o que faz irmãmente, um pouco na própria roupa, outro tanto no chão e o sobejo nas já angustiadas plantas.
E se estou com um belo chaveiro que tem um patinho de borracha amarelo na ponta, com um botãozinho que, devidamente premido, faz quac, quac, além de lançar uns raios azuis pela boquinha, lá vem o Felipe e decreta que aquilo deve ser desapropriado, mercê de um decreto expropriatório com apenas dois artigos: Artigo primeiro: É meu; Artigo segundo: Revogam-se as disposições em contrário.
E lá vai ele, todo bamboleante, imitando meu expropriado pato, que ele mostra a cada flor, apertando com destreza o tal botãozinho na cara de cada uma delas.
Se depender da avó paterna, cada enxadada uma minhoca. Explico: se vamos ao shopping ou à feira, uma blusinha de marinheiro ou uma fruta madura são a cara do Felipe. Isso quando não é um pianinho, mais colorido do que a roupa do seu colega Elton John. O que poderá gerar nele um consumismo desenfreado vendo nela uma provedora eterna. Ou um ataque de profunda decepção quando a avó algum dia vá visitá-lo com as mãos abanando, como lhe adverte a ela o sensatÃssimo marido, ocasião em que ele, o Felipe, lhe mostrará a ela todo o seu desencanto abrindo as mãos e os braços e exclamando um solene “Cabôâ€. Sem êxito, reconheço, minhas advertências.
E já que falei no tal pianinho, diga-me lá: qual foi a reação de teu filhinho, de tua filhinha, de teu neto, de tua neta, ou da criancinha que fosse a quem algum dia deste um pianinho desses de presente? Se era uma criança normal, ela fechou a mão direita, deixou o indicador de fora e se pôs a agredir, com aquele solteiro dedo, o teclado, aquele espaço sagrado que o Paul McCartney comparou à harmonia que deve imperar entre os habitantes do planeta, sempre com o mesmo plim. E o Felipe? Não fosse ele neto de quem é, sentou-se diante do instrumento, abriu ambas as mãos e despejou ali, delicadamente, nada menos do que os dez dedos, num acorde que certamente teria despertado palmas do Arrigo Barnabé.
Não satisfeito, pôs-se o novel tecladista a repetir o acorde, ora mais à direita, ora mais à esquerda, marcando o compasso com o balançar da cabeça para este e para aquele lado, metrônomo humano sem a menor dúvida. Não bastasse isso, fechou seus belos olhos azuis, para que, como nos ensinam certos experientes cantores, a visão das coisas materiais não lhe toldasse a inspiração interpretativa.
É claro que você não acredita em nada disso, mas no dia em que isso aparecer momentaneamente no Fantástico ou, ad perpetuam rei memoriam, como diz o pai do infante a seus alunos, no YouTube, com que cara você ficará?
Eu poderia falar das curvas que ele faz com seu possante veÃculo, pois o Felipe é massa! Mas deixa isso prá lá. Até pretendia relatar agora o dia em que o José Francisco levou o filho à Faculdade de Direito, onde o pai leciona Direito Civil, e o rebento mostrou o propósito de dar uma aula sobre usucapião extraordinário, a julgar pela página do Código Civil que o garoto escolheu ao abrir aquele livrão, mas, diante de tua cara de descrédito, acho melhor parar por aqui.
Eu poderia invocar mais uma vez o testemunho da avó paterna, mas você certamente contraditaria aquele testemunho e eu e ela não estamos aqui para sermos julgados. O futuro dirá quem de nós tem razão.
A Maria Helena só tem olhos para o neto e para o nosso planeta. Pensa noite e dia na saúde de um e no futuro do outro. Ou vice-versa. Fazendo aniversário nesta semana, que presente melhor eu poderia dar a ela?
É, meu caro Suannes, útero de classe média é fábrica de gênios, hehe. Mas desculpo a babação, se não assim fosse, algo errado haveria no avô.
Marcos Pontes · Eunápolis, BA 2/11/2008 11:52
Sim, já sou avó faz extamente 10 anos, tenho 2 netos um de 09 e a outra de 08 anos! Fui avó bem cedo e meu filho mais velho hoje com trinta anos pai muito cedo!rsrs
Formidável teu texto! Adorei!
Beijo na alma!
Todo avô.. e eu também sou.. adora seus netos. São os filhos com açucar. Parabéns pelo seu texto. Muito bom.
Apenas imaginador da situação, mas perfeitamente cúmplice dela, te apóio em gênero, número e grau com essa tietagem em cima deles...
Um abraço !
Ainda não sou avó!!! Mas poderia ser a muitos anos !!!!
Bela crônica...volto !!!!!
rssssssssss....
Há algo melhor que enxergar o gênio em filhos e netos?
Não ligue para os descrentes. A vez deles chegará.
Adorável esta crônica e o seu jeito de paparicar o Felipe.
beijos
E o bonito rebento será um causÃdico nas coisas do Direito Civil e poderá usucapir a alma de muita menina bonita neste mundão de Deus para o deleite dos avós e cia. Estou à espera do meu, que está pequenininho e cabe numa mão.
Abraços.
q lindo - o texto, a foto, vc....
beijocas, te amo, tio!
Espero um dia chegar lá ...
por enquanto minhas meninas são só isso - menininhas ...
Parabéns
Suanes.
Esse lindo garoto está mais para
um super gênio.
Parabéns!
bjs
mto fofo, linda criança..... não, eu não sou avó... mas tenho 4 filhos...rs um humano e 3 caninos..
to tentando casar um canino lindo, tem qse dois anos.. vale canino,né? o humano até poderia ser pai, mas não tá afim, aliás nem casar ele quer.. rs
Ainda não tenho netos.
Parabéns pelo texto, vô babão.
A vinda do neto abre um novo universo dentro dos nossos corações! É um laço trancendental que nos potencializa! A minha maior realização emocional foi a vinda da minha neta!
raphaelreys · Montes Claros, MG 3/11/2008 07:01
Ainda não os tenho mas vendo como foi a relação dos meus filhos com o avô, imagino, e observando a relação de outyros avôs e avós com seus netos, fico feliz.
"Avós estragam netos", graças a Deus, digo eu. Bela fase para ambos. Esperança (neste caso a esperança não é sofrimento) e alento para a espécie humana
Divertido, divertido. Belo presente.
Bela jornada acompanhas, e babando, que nestas horas a baba dá prazer, alegra, e nos impulsiona.
...uma crônica de muita emoção. Parabens, vovô Suannes. Também tenho netos; sete ao todo que renovam a minha alegria.Bjos, Grauninha.
graça grauna · Recife, PE 3/11/2008 08:24
Me manda teu endereço preu te mandar um babador gigante ?
Alias, olha o que me aconteceu ontem, domingão :
Minha filha (23) veio com uma amiga Juliana ( 25), com seu filho Rafael(2)...e Num é que o garotinho foi "caminhacara" e começou a me chamar de vovô ?...baita experiência, meu !...risada geral...rs
Gostei !...será que tá na hora ?...de acordo com meus rebentos, necas de pitibiribas, por um boooommmm tempo...rs
Muito legal teu conto intrincado de emoções, vovô...
abs
Mas, caro Joe, é maravilhoso ser avô e avó, não é Circus?
Sou vovó de carteira, com babador e tudo o que tenho direito.
Lindo teu texto!! Repleto de emoção, "quase nada coruja", com direito a entrar "direto no assunto".
Beijos, querido!
Não Suanes. Não sou avô.
espero ainda demorar...
Não estou pronto.
Bela corujice, a sua. Mas digamos... merecida.
Um abraço
to votando no Bebe lindo , viu ?...não em vc, seu avô-coruja babão de meia-tijela !!!...kkk
abraço
Felipe saiu kindÃssimo, alias como ele é mesmo !!! Bjkas p/a ele, p/ vovó muito curuja e para o tio Adauto...Tia Langinha....
Langinha · São Paulo, SP 4/11/2008 12:00Tadinho!!! jurista, Não. O modelo da foto é tão lindo que esquecemos de ler o texto. Desolée. Mas confio nas suas palavras. Lila Su
Lila Su · São Paulo, SP 4/11/2008 12:08
O Felipe, quando eu lhe disse que ele havia chegado aos 70 pontos em 2 horas, esnobou: "Percebeu que eu corria em marcha-à -ré?"
E aproveitou para me mandar agradecer pelos votos recebidos por ele.
Desculpe a demora, estou respondendo devgar acabo de chegar, estava sem cp...
Voto neste garoto de sorte, ter um avô desses é dádiva!
Pudera todos meninos terem esse amor...PARABENS A ELE!!!
Que realidade bela...o garoto é genial...e o avô, então, um ser humano fantástico! Bjos
Iva Tai · Manaus, AM 7/11/2008 20:20
Circus do Suannes ,
Como membro efetivo do clube de avôs babões, deixo meu carinho para essa coisinha linda e iluminada pelo amor e o talento desse avô maravilhoso.
Que Deus os abençoe!
Abraços
Suannes,
Com um avô tão eclético e com gosto musical apurado, não se deve duvidar que o Felipe esteja muito bem encaminhado, minha mãe diz sempre: "Macaco vê, macaco faz." Não se preocupe em ser chamado de babão ou cair em descrédito, fale mesmo aos quatro ventos as façanhas deste e de outros pequeninos. Eu não sou avô, mas tenho dois pequenos gênios casa (CecÃlia, 4 anos e Inácio, 8 meses), que me ensinam a cada dia o valor de ser criança e cria ativa. Não me canso de contemplá-los e divulgar seus feitos maravilhosos, pensava a algum tempo que era exagerado, porém percebo que comigo não há nada de errado. Sou babão, somos babões. Ops, já ia esquecendo de dizer que a leitura foi muito boa.
Coisas (maravilhosas) de avós à parte, rendo-me à bela construção do texto desde o primeiro parágrafo de não começo até o ponto que duvida que as proezas do novo objeto celeste parem por ali. Gostei tanto que levei a urna pra casa.
Aglacy · Aracaju, SE 15/11/2008 15:52
Seu neto è lindo...quase tanto quanto meu neto...
Você já pensou,ele...lendo esse texto? plo jeito será logo...
Parabéns pelo texto, parabéns pelo neto, extensivo à M. Helena
É bom ser avó, mas li em algum luger quetb. é bom para eles, somos importantes na vida deles,pois os fazemos ver além do horizonte, é uma relação sem o tal do Édipo por isso maravilhosa ...
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