Continuei ali, claro que gostaria de sumir no mundo, mas não tinha coragem, uma força estranha me segurava naquela casa. De tempos em tempos me desvencilhava, calada, das investidas do meu pai. Inicialmente teimava em buscar apoio em minha mãe que sempre me rechaçava grosseiramente tentando fazer-me sentir culpada. Fui me tornando cada dia mais esquisita, irascÃvel e introspectiva; deviam achar que era da idade, afinal a puberdade tinha dessas coisas.
O tempo inexorável deixava sua marca indelével em meu ser; esperava sempre uma explicação, um pedido de perdão, que sabia não perdoaria, embora soubesse, aquela mágoa era o veneno que tomava dia-pós-dia, maltratava, mas não matava, pelo menos, não o corpo.
Namorei, amei, noivei. Encontrei no último o parceiro ideal para livrar-me do pesadelo que me perseguia. A provação que, penso, havia pedido e não dava conta – era sufocante. Não havia em mim o amor sublimado, aquele que leva ao perdão das ofensas, antes o que gritava mais forte era a mágoa o medo e o orgulho ferido – eu não era a filhinha do papai.
Aquele menino de classe média que me consolava em meus delÃrios de infelicidade – dizia-me enjeitada por meus pais – foi o meu vingador. A força fÃsica e emocional que faltava para me livrar definitivamente daqueles que haviam dado um nó em minha cabeça e sangrado meu coração entre quatro paredes, mais precisamente, entre nós três.
Uma noite, uma trama e fim. Acabou. Livre! Aqueles que foram instrumentos para me trazerem à luz, agora habitavam as trevas.
Esperando a sentença, volto das minhas desgraçadas lembranças para ouvir os burburinhos, murmúrios de assassina. Assassina! Eram os arrogados donos da moral e dos bons costumes com quem há muito me acostumara, ensurdecidos à voz que ecoa: Atire a primeira pedra aquele que não tem nenhum obscurantismo nos recônditos da alma; que não se aflija ao deparar-se com monstros internos. Muitas vezes insones dizem-se perseguidos por maus fluidos, inveja – nunca poderia ser do próprio interior!
A primeira pedra veio como o grito de uma gralha
– Nada justifica um crime!
Veio a segunda, dedo indicador em riste dirigido a mim e o polegar a si mesmo.
– Matar os pais! É um monstro!
Pedras e mais pedras, uma avalanche que, mais dia menos dia, quem sabe, soterrará um por um.
Eu? Já havia morrido e eles não sabiam. Estava ali, agora loira e linda. Julgada por Deus em sessão eterna, a alma indefinidamente atormentada. Pelos homens? Esses são simples mortais, falhos e vendáveis.
Legal, esta coisa de meio viagem; meio aventura; meio desvairio,
um abraço andre
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