Uma sombra bela passou por aqui

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ignis liberati · Porto Velho, RO
3/9/2006 · 76 · 11
 

Foi um sonho. Alguém passou e foi-se. Eu fiquei no vácuo de um perfume que há muito não sentia. Embriaguei-me: meus cabelos, minha roupa, meu corpo. Minha alma sentiu-se inebriada. Não era nada disso. Não era paixão nem amor como podem pensar. Eram apenas lembranças.
Virou o corpo num volteio romanesco. Vi um rosto iluminado pelo sol a pino. A penumbra era só do espírito, que por trás, dedo em riste, descreve-me insonoro os perigos já vencidos, os prazeres já consumidos. Sobre a testa os cabelos longos, representando sem maquiagem os confins dos ancestrais perdidos no tempo imensurável da terra, desde quando foi pisado o cascalho que cobre o planeta; um risco de sombra fustigou a testa reta, sem modificar o perfil superior e sensual de muitas vidas acumuladas.
Em pé, o tempo sugando-me para muito além deste momento, vi-me nas cabanas, nos platôs, no gelo... Corria veloz, sem preocupação... do lado os animais, as pradarias, os campos... atrás a cortina verde de imensas árvores seculares, como os robles... aos meus pés jazia a grama seqüenciada de flores, as mais belas, as vermelhas, as amarelas, as azuis... um impacto e o tempo some.
Primeiro deparam-me uns lábios brilhantes, quase da cor do bronze, úmidos como as pedras da beira do mar. Os rictos finíssimos mostram-se imperturbáveis, seguros e transbordantes de seiva do corpo gentílico que faz estremecer. Os olhos irrequietos não me fitam, porque não me enxergam. Não que sejam cegos, sem luz, o que têm muito.
Descubro-me invisível. Uma presença impávida, sem cor, sem som. Passam, como se passassem por dentro de mim. Não sinto o impacto, não sinto o frêmito. Sinto só a presença e o sentimento de conhecer o que acontece.
O átimo do tempo, porque é isso mesmo: é átimo. É breve. Seguem-se seqüências incontáveis de lembranças e de vidas. É como se sentasse na pedra da montanha e esperasse o sol se por, ou se resguardasse em casa e, pela janela, esperasse a aurora boreal.
Então, o inesperado acontece. Ao brilho do olhar, ao estrépito do corpo ereto e elástico, alguns movimentos são desfeitos. O corpo se destorce, o tecido amaciado das vestes balança, uma ponta vai, outra vem. De surpresa, se vira para mim. Como se me conhecesse e fosse cumprimentar-me.
Face-a-face surpreendo-me. A beleza de sempre, deixa o lugar sem cor, sem som, sem sabor. Anda para mim... como se fosse abraçar-me ... Pelo menos penso assim... Passa por, por dentro de mim... Sou só uma sombra milenar.

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informações

Autoria
ignis liberati
Ficha técnica
Conto curto. Enquanto espírito em outra dimensão, um indivíduo encontra em certo lugar na terra aquela que foi sua bem amada por muitas e muitas vezes em séculos e séculos pela vida afora. Agora a vê bela e atraente, mas, sem poder tocá-la, só restam as lembranças e aquele amor que dói no mais íntimo do ser.
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Ana Cullen
 

Gostei do estilo, mas eu fiquei meio confusa, talvez eu esteja meio cansada, vou ler novamente quando for para a votação...
Você tem umas construções muito bonitas, formaram-se imagens e sensações na minha cabeça enquanto lia, e eu gosto dos textos que me causam isso...

Ana Cullen · Brasília, DF 1/9/2006 13:07
1 pessoa achou útil · sua opinião: subir
ignis liberati
 

Ana, gostei de seu comentário. V. foi a primeira a comentar o texto, olhando como leitor. Reli e senti que em algumas passagem existem vácuos, em especial nas mudanças de ambientes em que os personagens são inseridos nas cenas e descritas suas ações. Vou ajustar.

ignis liberati · Porto Velho, RO 1/9/2006 22:16
1 pessoa achou útil · sua opinião: subir
Daniel Duende
 

Gostei muito... é realmente tocante e evocativo. Parabéns!

abraços do verde.

Daniel Duende · Brasília, DF 3/9/2006 13:13
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ignis liberati
 

Que legal, Daniel Duende. A sua opinião é um estímulo.

ignis liberati · Porto Velho, RO 5/9/2006 23:23
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Fernanda Nogueira
 

Sinceramente, senti medo! Mas foi um medo gostoso! Ou melhor, medo não: apreensão! (Isso!)
Esse texto me veio como "tirar leite de pedra"! Conseguiu transformar algo trivial em relevante!
Parabéns!

Fernanda Nogueira · Belo Horizonte, MG 6/9/2006 11:26
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Daniel Duende
 

Continue com o bom -- e belo -- trabalho, Ignis! :)

Abraços do verde.

Daniel Duende · Brasília, DF 6/9/2006 16:42
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ignis liberati
 

Vindo de Belo Horizonte, HanaBr, e de v., com esse olhar de baixo para cima, me dar arrepios de satisfação o seu elegio.

ignis liberati · Porto Velho, RO 8/9/2006 00:52
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Walquíria Raizer
 

Não acredito nas coicidências. Prefiro pensar em ondas poéticas que giram o mundo ao mesmo tempo. Hoje nasceu um poema sobre esse mesmo sentir...Sobre a embriagues que outra pessoa pode nos traz. Se puder, acesse meu blogger Um caso Poético para ler o poema Insanidade. Gostei muito mesmo do seu texto. É lindo...

Walquíria Raizer · Rio de Janeiro, RJ 9/10/2006 14:07
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ignis liberati
 

O seu elogio é poético e apoixonante, Walquíria. Irei acessar o seu blogger, agora mesmo.

ignis liberati · Porto Velho, RO 24/10/2006 01:40
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ignis liberati
 

Caro Daniel, me alegro com a sua manifestação. Fico muito grato.

ignis liberati · Porto Velho, RO 24/10/2006 01:46
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ignis liberati
 

O seu elogio é poético e apoixonante, Walquíria. Irei acessar o seu blogger, agora mesmo.

ignis liberati · Porto Velho, RO 24/10/2006 02:07
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