Ela chegou com o outono. Notei sua aproximação dias antes, mas o calor nos impedia, a ela de falar, a mim de entender o que estava acontecendo. Sabia, porém, que viria a mim, e esperei. Sua presença foi se tornando mais constante. Às vezes, passava diante de meu banco, no parque, enquanto transformava meu cachorro em urso. Outras vezes chegava a roçar-me a mão na calçada quando apressava o passo pela esquerda ou quando vinha em sentido contrário ou quando, sem saber o motivo, caminhávamos lado a lado. Na chegada do outono, lia o jornal quando ela se dirigiu a mim: "cheguei", disse apenas. Não respondi - me limitei a olhar o sorriso sereno, de lábios fechados, e a graça dos olhos. Aceitei. Convivemos por três meses. Melhor, quase três meses, considerando que os últimos dias de outono fizeram com que ela se esvaisse aos poucos. Passeamos pelas ruas desertas da madrugada, tomamos café em mesinhas de madeira, comemos croissants, fomos a três ou quatro peças de teatro, rimos, sorrimos, andamos de mãos dadas. Nunca lhe disse uma palavra. Dela, só ouvi aquele primeiro e único cheguei. Até que sua presença foi se tornando tênue. Seus dedos escapavam dos meus, ainda que continuassem entrelaçados. Seu rosto era cada vez mais transparente, escondido por cachecóis e golas altas. Mas ela não se distanciava, apenas desaparecia. Até que sua presença se integrou à minha. Continuamos a andar pelas ruas secas e frias, mas quem, por acaso, passasse, veria uma só pessoa. Terminou o outono.