As canoas perfiladas chamam a atenção dos passageiros que se posicionam para observá-las. Esta é a imagem de um momento dos mais tocantes durante a passagem de grandes barcos regionais de linha por comunidades ribeirinhas distantes de centros urbanos.
Nas canoas estão crianças, seus remos, um hábito amazônico lapidado pelo tempo e mantido pela sensibilidade dos viajantes. Os curumins e cunhantãs esbanjam um misto de simpatia, esperança e inocência no olhar, não economizando sorrisos sabendo da chuva de objetos que está para cair no rio ou direto em sua canoa.
É interessante diferenciá-las do conceito urbano dos chamados “pedintesâ€, que ocupam os sinais de trânsito nas grandes cidades, principalmente porque estas crianças sequer precisam fazer qualquer gesto que denote um pedido, tudo o que necessitam é remar para posicionar sua pequena embarcação e esperar. Junto com o barco, chega uma chuva de roupas, sapatos, brinquedos, biscoitos (comida é sempre cuidadosamente envolta em sacos plásticos) e até remédios, em um ato de solidariedade espontânea comovente, com sentimentos de compaixão diluÃndo-se na euforia das crianças que chegam a se jogar nas águas para alcançar os presentes.
Nem é o caso de sentir pena pela carência de quem vive em comunidades semi-isoladas, a relação não é essa. Tanto é que antes de se atirar no rio, muitos chegam a jogar frutas para os passageiros do barco como forma de agradecimento. Assim, a cada passagem se manifesta a impressão de um encontro entre "amigos que não se conhecem" ligando barcos e canoas.
Aliás, se o barco passar e não cair nenhum presente, para elas já vai valer a brincadeira no "banzeiro" - ondas produzidas pelo motor do barco. Seja viajante ou ribeirinho, cada amazônida conhece o seu papel.
No folclore, estas crianças tiveram este hábito retratado na apresentação de 2003 do boi-bumbá Garantido, representando figura tÃpica regional, a toada “Pescadores de doações†levou para o espetáculo do bumbódromo a face mais solidária da Amazônia que se estende ao longo de todos os seus rios, mas que, no caso da toada, faz uma referência especÃfica à s crianças da região do chamado Estreito de Breves, no Pará.
Pescadoras de doações
(Rozinaldo Carneiro / Aldson Leão)
Na verde mansão dos deuses
A realeza é um simples rio
Onde o sol despeja raios brilhantes
Prateando as suas ondas que dançam
As canções do vento que alimentam esperanças
Refletidas nos sorrisos das crianças ribeirinhas
Pescadoras de doações
Que se arriscam sempre ao desafio
De colher os presentes lançados
Nas correntezas de um rio
Que é a vida e o sustento deste povo bravio
Da Amazônia que canta este imenso Brasil
Pra navegar tem que se ter coragem
Sobreviver tem que lutar
Vem da tradição dos viajantes
Que navegam nessas águas protegidos pela fé
Um belo e solidário gesto de amor
De quem segue o seu destino, mas que em “Breves†voltará
Trazendo na bagagem uma nova esperança
Garantindo o amanhã dessas crianças ribeirinhas
Comovente!
Não só o fato, mas a forma como foi contado.
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