Bip Bip - amor de boteco

Helena Aragão
Em um dia normal, com poucas mesas e muitos quadros na parede
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Helena Aragão · Rio de Janeiro, RJ
1/1/2009 · 118 · 9
 

Copacabana não é para principiantes. Muito menos para saudosistas. E se há um lugar que resume bem as contradições, as maluquices e o charme do bairro mais famoso do Rio de Janeiro, arrisco dizer que é o Bip Bip. Trata-se de um resumo etílico e afetivo de um bairro caótico, mas em miniatura - um pé-sujo de 18 metros quadrados e 40 anos recém-completados.

A rigor, não havia necessidade de colocar o Bip Bip no Guia do Overmundo. Ele já entrou para o folclore turístico da cidade e hoje é citado em tudo quando é guia, em qualquer língua. Para os gringos, é um programa curioso, provavelmente perto do hotel, em que se toma cerveja em pé e ouve-se música boa em meio a cariocas de plantão. É programa para gringo que quer sentir como vive o carioca da gema – afinal, pé-sujo é uma instituição importante da cidade que se espalha por todos os bairros.

Mas é claro que o Bip é muito mais que isso. É uma reunião de lendas urbanas e histórias incríveis. E o local onde todo músico de samba e choro, do mais sensacional ao iniciante, já tocou ou vai tocar, por puro prazer. É o destino certo de uma legião de cariocas apaixonados por música, seja samba, choro ou bossa nova. E pelo Alfredo, o proprietário de mau humor aparente e coração enorme. Então, no momento em que o bar completa 40 anos, e com o lançamento do livro, concluí que ele deveria ganhar um espaço neste guia, através de um relato sentimental. Afinal, não é exagero dizer que hoje o Alfredo é parte da minha família e o Bip, extensão da casa. Meus irmãos, músicos, são freqüentadores assíduos. Os chás-de-fralda dos meus sobrinhos foram feitos lá. Minha mãe, que está longe de ser uma fã de pé-sujos, tem um carinho imenso pelo bar e sobretudo por Alfredo. Lembro de um ano em que minha resolução de ano novo foi voltar a freqüentar mais o Bip Bip. Parece papo de boêmio ou de desocupado. Mas a verdade é que o Bip faz bem para o espírito.

São muitas as histórias. Da inauguração em 13 de dezembro de 68, no fatídico dia do AI5 (só o Bip mesmo para alegrar um dia tão sombrio). Da combinação de Alfredo com o antigo proprietário, que vendeu o bar por N doses de whisky, consumidas ao longo dos anos. Do bloco de carnaval mais anárquico e bêbado da cidade e do Rancho Carnavalesco Flor do Sereno, nascido e criado naquele cubículo. Da ceia de Natal organizada anualmente para os moradores de rua da região. Do grupo de assíduos que assume o bar quando a saúde do Alfredo prega umas peças. Do maluco de estimação, o querido e histérico João Pinel, a quem são dedicados o livro e a saudade de todos, desde sua morte, este ano.

Peraí, livro? Que livro? Para comemorar os 40 anos, um grupo de freqüentadores organizou uma coletânea. Já é a terceira obra em homenagem ao bar. Mas é possível que seja a mais plural. Traz relatos de 104 apaixonados famosos – como Moacyr Luz, Nelson Sargento, Herminio Bello de Carvalho... - e anônimos ilustres. Pode parecer chato, intimista demais, mas acredite, vale a pena. Tem gente que já freqüentou muito e hoje anda por outras praias, tem gente que conheceu recentemente e viveu aquele amor à primeira vista, tem gente que teve sua vida transformada por conta do bar... Tem também charges lindas de grandes artistas e fotos que ilustram a saudável bagunça possível em tão pouco espaço.

E o meu exemplar, para deleite dos olhos, tem uma dedicatória garranchada do Alfredo dizendo coisas lindas e fazendo um inacreditável pedido de desculpas por eventuais grosserias. Um gentleman. :)

onde fica
Na Rua Almirante Gonçalves 50. Copacabana, próximo à Rua Miguel Lemos e ao Posto 6
por que ir
Pra buscar sua cerveja no freezer, avisar ao proprietário e pagar na saída, num dos sistemas mais anárquicos e eficazes que já vi. Para descobrir que as palmas são proibidas por causa do barulho e substituídas por estalar de dedos. Para levar um dos esporros mais famosos da cidade, quando Alfredo interrompe tudo para expulsar quem está conversando (“Gente, vai pro bar aqui do lado, é ótimo!")
quando ir
Domingo para samba. Segunda para choro. Terça para bossa. E sempre, a partir das 18h, para conversar com Alfredo e tomar uma cerva gelada. (Não custa dar uma ligada lá para ver se a programação musical está confirmada).
quem vai
Gente de todas as idades, uma horda de apaixonados fiéis, gringos perdidos e felizes, músicos sensacionais, famosos ou não. Não vá pra lá se estiver com fome, no Bip o único combustível é cerveja.
quanto custa
Em fins de 2008, a latinha de Itaipava tá custando R$3. A música é de graça. O livro custa R$ 30, mas não deve durar muito, pois a tiragem é pequena.
contato
21 22679696

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sindia santos
 

Legal, não conheço o Bip. Estou há pouco tempo aqui no Rio, pouco é modo de dizer, estou desde de janeiro, morando. Vou passar lá, dia desses.
Beijo,
Sindia.

sindia santos · Rio de Janeiro, RJ 30/12/2008 20:01
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Patricia Canarim
 

Excelente texto. Uma crônica carioca imperdível.
Não conheço o bar, já ouvi falar, mas faltou oportunidade de ir até lá, com essa crônica me parece imperdoável.

Patricia Canarim · Rio de Janeiro, RJ 1/1/2009 20:56
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Helena Aragão
 

Opa, que bom que o texto fez duas moradoras do Rio ficarem tentadas a conhecer o Bip! Já valeu a pena!

Helena Aragão · Rio de Janeiro, RJ 2/1/2009 12:10
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Guilherme Mattoso
 

já passei em frente muitas vezes, mas nunca fui, é mole?

Guilherme Mattoso · Niterói, RJ 9/1/2009 08:48
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Helena Aragão
 

Não é mole não, Mattoso! Da próxima vez pare lá, acho que você vai gostar.

Helena Aragão · Rio de Janeiro, RJ 15/1/2009 16:17
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Geraldo Braga
 

Sou mineiro, mas vou e logo conhecer este boteco. Adorei oi texto e parabenizo a autora. Até logo aí no Bip Bip.

Geraldo Braga · Pouso Alegre, MG 25/2/2011 15:47
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Helena Aragão
 

Legal, Geraldo! Vá sim!

Helena Aragão · Rio de Janeiro, RJ 1/3/2011 11:07
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Leo.
 

A programação, atualmente (abril 2011), até onde sei:
Seg: Samba, homenagem a algum compositor centenário, que tem preferência no repertório.
Ter: Choro
Qua: Bossa Nova
Qui: Samba
Sex: ??
Sab: sem música
Dom: Samba

Leo. · Rio de Janeiro, RJ 19/4/2011 13:51
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Helena Aragão
 

Que ótimo ter essa atualização, Leo! Obrigada!

Helena Aragão · Rio de Janeiro, RJ 19/4/2011 14:38
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