Aqui cedo o lugar para um Pessoa falar sobre a outra, que também é Pessoa:
Sob o viaduto de Alcântara*, escondidas, duas vendedoras ambulantes, uma de flores e outra de doces, camuflam-se em meio à fuligem, aos jornais velhos e ao lixo...
- Tô com medo – Diz a vendedora de doces.
- Logo os rapa vão embora, fica com medo, não... – Tenta acalmar a vendedora de flores.
- Queria ser rica... – A do doce.
- Eu também, mas primeiro ser uma artista conhecida... – A das flores
‘Os rapa’ foram embora. Nunca mais as duas se encontraram. A de doces, não se sabe nada. A de flores chegou perto do sonho.
II
Débora, mais conhecida como Binha, depois de trinta anos de ‘a das flores’... agora é ‘a da sucataâ€. Ou como gostam de chamá-la: a mulher que transforma lixo em arte. A que eu gosto de chamar de ‘escultora do futuro’ (poderia ser de futuro, mas...). Nomeio esta artista assim, pois além de transformar sucata em arte tem uma consciência ecológica surpreendente, apesar de nem ter chegado ao final da antiga quarta série do primário. Portanto chego à conclusão que não há necessidade de muito estudo para tentar salvar o planeta, basta ser do signo de sagitário, como ela mesma gosta de dizer a todo mundo. Ama viajar, mas não pode, gostaria de ver uma baleia de verdade, mas nunca aconteceu, vive com duzentos e poucas merrecas por mês e tenta fazer de sua arte um complemento para o sustento de sua famÃlia: ela, três filhos, dois cachorros e um gato, todos amigos!
Débora chegou perto de seu sonho não por ‘ficar rica’, nota-se. Mas por se tornar uma artista, mas nem tanto conhecida. Quer dizer, aqui em nossa cidade, Cordeiro, seus trabalhos são conhecidos e elogiados. Inclusive, cheia de boas intenções, montou sozinha, um projeto para ensinar crianças de comunidades carentes a transformar lixo em arte... uma pena... o projeto não conseguiu empreendedores. Mesmo assim ela continua em sua ‘oficina’ criando formas com ferro, vidro, espelhos, garrafas, restos de bicicletas, ou qualquer outro objeto que possa agredir a natureza... se cair em suas mãos vira arte, e não presente ‘de grego’ para futuras gerações.
Débora já participou da Feira da Providência duas vezes e expõe seus trabalhos sempre que encontra uma brecha. Vender? Quase nunca. Viver de sua arte? Nem pensar. Ver com os próprios olhos os benefÃcios que traz a Natureza... não verá talvez os filhos quando estiverem idosos, talvez os netos... quem sabe?
III
Conversando com Binha a gente chega a milhões de conclusões sobre vida, luta, arte, dor, decepção, sofrimento, angústia, alegria... mas percebemos também que seus sonhos de viver de sua arte, viajar pelo mundo, visitar reservas florestais, ou até mesmo chegar bem perto de uma baleia já não cabem mais em suas esperanças. O que ela não sabe é que o lixo que ela não deixa ir pelo rio e chegar ao mar salvou a baleia que um dia em sonhos ela vai encontrar.
Esse texto é do talentoso escritor e nosso Overmano, Angelo Pessoa. Angelo e Débora Pessoa são primos. FamÃlia de talento!
* Alcântara é um grande bairro do municÃpio de São Gonçalo / RJ.
Hoje Débora Pessoa mora em Cordeiro/RJ
Parabéns Luiz!
Sempre nos mostrando coisas belas e interessantes.
Um abraço!!!
007 do Overmundo! Parabéns pela matéria!
BJS
Cris
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